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Abandono do Threads e processo contra Twitter mostram que jornalismo é mais importante do que big techs admitem

Abandono do Threads e processo contra Twitter mostram que jornalismo é mais importante do que big techs admitem

Google e Meta dizem que seus consumidores não se importam com notícias; porém, mais de 90 milhões de usuários no mundo apontam uma outra realidade.

Em julho, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou que mais de 100 milhões de pessoas se inscreveram no Threads. O número o tornou um dos aplicativos de crescimento mais rápido da história. O total de usuários segue subindo à medida que a plataforma é lançada em mais países; o problema é que quem experimenta não volta.

Tanto é que a contagem diária de usuários ativos do Threads caiu 82% desde o lançamento em 31 de julho, de acordo com a empresa de mensuração SensorTower. Segundo o levantamento, apenas 8 milhões de usuários acessam o aplicativo diariamente, e o tempo médio diário gasto usando a nova plataforma da Meta caiu para 2,9 minutos por dia.

Dados da plataforma Similarweb também apontam para o recorde de baixa. A contagem de usuários do Threads atingiu um pico de aproximadamente 49 milhões em 7 de julho, um dia após o lançamento, e caiu para pouco mais de 11 milhões em 29 de julho, disse David Carr, gerente sênior de insights da Similarweb, à CNN americana.

Mas por que o novo concorrente do Twitter, agora chamado de X, perde usuários ativos tão rápido após um início avassalador?

Por que o Threads não funciona?

Entre as críticas recorrentes ao Threads está a falta de recursos básicos de plataformas concorrentes em redes sociais. Não há hashtags, trends, uma guia de quem você segue ou um feed cronológico.

Mas uma possibilidade é que o Threads esteja caindo pelo simples fato de que não dê espaço para as notícias.

O Threads “não fará nada para encorajar” política e “notícias difíceis”, afirmou o chefe do Instagram, Adam Mosseri, em uma conversa sobre a plataforma do Instagram com o jornalista Alex Heath, do The Verge, no início de julho.

Para Mosseri, o escrutínio adicional, a negatividade e os riscos de integridade que acompanham a política e as notícias não valem o “engajamento ou receita incremental”. O executivo da Meta disse ainda que “existem comunidades incríveis mais do que suficientes – esportes, música, moda, beleza, entretenimento etc. – para criar uma plataforma vibrante sem a necessidade de entrar em política ou nas notícias difíceis.”

Quando Mosseri trabalhava no Facebook, ele também tirou as notícias do feed.

Coincidência ou não, após a saída das notícias do feed do Facebook, a plataforma perdeu relevância e foi engolida pelo TikTok e Instagram. Agora, o Threads parece sofrer com o mesmo problema da falta de conteúdo noticioso e político.

O fato é que para ver posts de famosos o Instagram é mais eficiente. Já para ver vídeos, o TikTok é melhor. Discussões sobre temas quentes e relevantes, como os tratados no universo jornalístico, o Twitter ainda lidera (mesmo que seja pelo simples fato de não “barrar” notícias como o Threads. Então, para que serve o Threads afinal?

O processo da AFP contra o Twitter

Outro indicador de como as notícias são relevantes para as rede sociais é o recente processo da AFP contra o Twitter, que passou a ser chamado X.

A agência de notícias mais antiga do mundo, a Agence France-Press, disse em um comunicado na quarta-feira que abriu um processo após a “recusa clara” do X em discutir o pagamento pela distribuição de conteúdo de notícias. A AFP espera que um tribunal de Paris ordene uma liminar obrigando o X a entregar “todos os elementos necessários para avaliar a remuneração”.

Uma lei francesa promulgada em 2019 determina que editores de notícias devem receber pagamentos de direitos autorais de plataformas digitais que reproduzem o conteúdo.

O Google foi multado em 500 milhões de euros em 2021 – a maior multa aplicada pela Autoridade da Concorrência francesa – por não respeitar as medidas que exigem que ele negocie compensações com a imprensa “de boa fé”, informou a Euronews.

Por que big techs podem estar blefando

A exemplo da França, Austrália e mais recentemente o Canadá aprovaram leis exigindo que as big techs paguem pelo uso de notícias. O Brasil, o estado da Califórnia e outros países discutem medidas semelhantes de cobrança.

Na semana passada, a Meta, inclusive, anunciou que começaria a impedir a publicação de links de notícias em suas plataformas no Canadá. O Google disse que fará o mesmo, caso a lei não mude quando entrar em vigor, perto do final do ano.

Meta e Google alegam que menos de 3% dos usuários consomem conteúdo noticioso. O número pode parecer pequeno, mas a realidade é mais complexa, já que as empresas parecem blefar ao ir para tudo ou nada contra governos e imprensa. Como já comentei anteriormente, menos jornalismo significa serviços piores para os usuários e riscos para a próprias plataformas.

90 milhões de usuários ignorados pela Meta e mais ainda no Google

Se levarmos em conta que a Meta tem 3 bilhões de usuários ativos mensalmente no mundo, 3% dos usuários que consomem notícias ainda representam 90 milhões de pessoas e, não raro, são aquelas com maior poder aquisitivo e influência.

Obviamente o Twitter, a exemplo da Meta, poderia retirar as notícias de sua plataforma. Não o faz porque provavelmente saiba que perderia muito de sua capacidade de mover conversas.

“Isso é bizarro”, disse Elon Musk sobre a ação da AFP em um post no X. “Eles querem que paguemos a eles pelo tráfego em seu site, onde eles obtêm receita com publicidade e nós não!?”

Não surpreende que Twitter, Meta, Google e todas as empresas que se beneficiam de conteúdo jornalístico não queriam pagar pelo uso das informações. A conta das big techs vai disparar quando a cobrança envolver o uso de dados utilizados para treinar modelos de IA generativa, até porque não devem se limitar apenas a veículos de mídia.

Blefar é parte do mundo das negociações. Dizer que um produto à venda não funciona e você não está tão interessado nele é mesquinho, mas pode ajudar a baixar o preço.

FONTE:

https://valor.globo.com/opiniao/guilherme-ravache/coluna/abandono-do-threads-e-processo-contra-twitter-mostram-que-jornalismo-e-mais-importante-do-que-big-techs-admitem.ghtml