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Análise: Não há solução fácil nem simplista para o problema climático

Análise: Não há solução fácil nem simplista para o problema climático

Não há solução simples para a questão climática. Frear o aquecimento global e as mudanças do clima requer uma equação complexa. Será preciso muito debate calcado em ciência. E ciência envolve, também, economia e suas conexões com questões sociais.

A onda de calor dos últimos dias no Brasil deflagrou a preocupação generalizada com a irreversibilidade das mudanças. Preocupou a sociedade. Com atraso, mas, pelo menos, serviu para alertar alguns retardatários da percepção de que a situação é grave. O calorão vem na esteira de outros eventos inéditos ou recentes no Brasil: a sucessão de ciclones extratropicais, secas e inundações severas, e a mais recente novidade, o tsunami meteorológico. Esses e outros eventos extremos aqui e no resto do mundo tornam difícil a tarefa de duvidar de que algo muito sério está acontecendo.

Entender o que de fato está ocorrendo, porém, é outra coisa. Nem mesmo os pesquisadores do clima foram ainda capazes de ter total compreensão do fenômeno. E o debate acaba empanado por um punhado de certezas e incontáveis incertezas da mudança climática.

Aqui e ali despontam sugestões de como o Brasil, um dos dez maiores emissores de gases-estufa do planeta, pode contribuir. Ótimo que haja sugestões e melhor ainda quanto mais agentes se envolverem no debate. Mas é preciso uma visão realista.

Algumas propostas são ao mesmo tempo radicais e simplistas. A visão do “vamos parar tudo” é talvez a mais ingênua. Importante pensar em alternativas para reduzir o quanto antes as emissões e desacelerar — na iminente impossibilidade de interromper — a marcha para o caos.

Desmatamento x produção agropecuária

Conter o desmatamento é a fórmula mais rápida e efetiva, neste momento, para o Brasil. Mas acreditar que o país possa simplesmente abandonar, no todo ou em parte, a produção agrícola e pecuária em áreas já produtivas entra em confronto com o bom-senso.

O Brasil é o segundo maior exportador agrícola entre os 200 países do mundo, com cerca de US$ 150 bilhões em 2022 (OMC). Ao mesmo tempo, é autossuficiente na maioria dos alimentos básicos que consome. A exceção relevante é o trigo, que, apesar da inconstância do clima, aos poucos vai se tornando menos relevante, na medida em que avança o processo de tropicalização da cultura.

O país levou quase três décadas para se tornar uma potência agrícola, desde que a Embrapa surgiu, em 1973. A importância da agropecuária brasileira transcende o dinheiro que entra com as exportações. É importante para equilibrar a oferta de alimentos — e também de minerais — no mundo. Como será possível do dia para noite transferir a produção do Centro-Oeste e do Sul? Para onde? Como fica a economia brasileira, dependente da produção rural?

E o petróleo?

Outra questão que carece de debate é a extração de petróleo. Sim, o mundo precisa urgentemente abandonar os combustíveis fósseis. O mundo todo, não só o Brasil. Mas não parece lógico imaginar que eles sairão de cena no curto e até no médio prazo. Então parar de explorá-lo imediatamente é a melhor solução? Não é mais lógico que o país exija da Petrobras investimentos em alternativas limpas financiados pelos recursos que ela ainda consegue tirar da área de óleo e gás?

O setor de transporte responde por 21% das emissões globais (Agência Internacional de Energia). Eletrificar a frota mundial ajuda, sem dúvida, mas resolve apenas uma parte do problema. Quando montadoras de automóveis se apressam a apontar como solução para o problema carros — e, em menor proporção ônibus e caminhões — elétricos, é preciso parar um pouco e pensar.

De onde vem a energia elétrica que alimenta a nova tendência de mobilidade? Na média da Europa, os combustíveis fósseis — petróleo, carvão e gás natural — respondem por 38% da geração elétrica. Estados Unidos e China, a eletricidade é produzida a partir de cerca de 60% de hidrocarbonetos. No Brasil são apenas 5,4% (World Energy Council, Agência Internacional de Energia e Empresa de Pesquisa Energética). Noves fora a redução de emissões via escapamento, enquanto a geração elétrica não for mais limpa, ela não será uma solução tão eficaz assim.

Isso sem contar que a produção de carros elétricos e de suas imensas baterias também geram emissões, assim como a fabricação de veículos a combustão. As baterias se encontram em tendência de redução de tamanho e ganho de eficiência, mas ainda assim os recursos que exigem não são desprezíveis.

Combater as mudanças climáticas vai exigir um pouco mais do que boas ideias. Requer diálogo e muita ponderação. Provavelmente vai envolver tentativa e erro. Mas entre os possíveis erros, pelo menos um é possível evitar desde já: achar que as soluções podem prescindir de considerar a fundo aspectos econômicos e sociais.

FONTE:

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/11/16/analise-nao-ha-solucao-facil-nem-simplista-para-o-problema-climatico.ghtml