Associação Brasileira dos Jornalistas

capa14anos
Após ataque do Hamas, especialistas veem escalada de violência sem precedentes entre Israel e Palestina

Após ataque do Hamas, especialistas veem escalada de violência sem precedentes entre Israel e Palestina

Os estudiosos são unânimes em classificar o ataque do Hamas como inédito, tanto em magnitude quanto em logística.

A investida do Hamas, movimento islamista palestino, contra Israel neste sábado dia 7 de outubro vai conduzir a uma escalada de violência sem precedentes entre Israel e Palestina, principalmente na Faixa de Gaza, território palestino sitiado por israelenses. Essa é a visão de especialistas ouvidos pelo Valor sobre o tema. Na prática, os estudiosos são unânimes em classificar o ataque, via ar e terra, do Hamas como inédito, tanto em magnitude quanto em logística, em comparação com os realizados pelo mesmo movimento nas últimas décadas. Isso deve conduzir a contra-ataques de redobrada violência de Israel direcionados ao Hamas, que controla Gaza, projetam os professores.

“A política israelense é a mesma desde o fim dos anos 40”, completou o professor de Relações Internacionais da PUC-Rio, Márcio Antonio Scalercio. “Todo ataque de que é vítima, Israel demonstra [no contra-ataque] redobrada violência, para dissuadir novos ataques”, explicou ele.

O estudioso da PUC-Rio reiterou o ineditismo e magnitude do perfil do ataque realizado. De acordo com agências internacionais, o movimento islâmico Hamas bombardeou Israel com mais de 2 mil bombas. Além disso, o Hamas realizou incursões por terra em território israelense, saindo da Faixa de Gaza. Há notícias de israelenses sequestrados e levados a Gaza. A imprensa local israelense já fala em 100 mortos em ataques, e o premiê de Israel, Benjamin “Bibi” Netanyahu, convocou reservistas, além de ter declarado guerra ao Hamas.

“Esses ataques de foguetes, partindo de Gaza contra Sul de Israel, além de movimentos de pequenas unidades [do Hamas] na fronteira de Gaza, não é raro acontecer” disse. “Mas não nessa magnitude”, reconheceu.

Um aspecto que também deve ser levado em consideração, de acordo com o professor é a falha nos serviços de inteligência israelenses, no que concerne a Gaza. Já se sabe que o Hamas consegue recursos via túneis e a entrada de possíveis armas dentro de Gaza deveriam ser monitorada por Israel. “Houve uma falha aí pois não viram esses mísseis entrando [em Gaza]” comentou.

Ao ser questionado de o porquê de um ataque tão expressivo nesse momento, o estudioso considerou que a investida pode ser mais uma maneira de o movimento dar visibilidade internacional à causa palestina.

Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e especialista na região concorda, e vai além. Para ele, o ataque do Hamas foi muito bem planejado e influenciado por contexto interno e externo da política de governo de Israel. O professor lembrou as recentes notícias de divisão interna na nação israelense, onde ocorre debate acalorado entre poderes, acerca de uma reforma judicial que limitaria o poder da Suprema Corte daquele país. Na prática, ponderou o especialista, é possível que o Hamas tenha entendido que um momento de divisão interna poderia ser vantajoso para lançar esse ataque. “Mas não acho que tenha adiantado. Tenho informações de lá que atestam que todos os reservistas convocados [pelo premiê israelense após o ataque do Hamas] estão respondendo em peso à convocação”, afirmou.

No cenário internacional, outro contexto mencionado por Rudzit foram as negociações de acordo histórico de paz entre Israel e Arábia Saudita, intermediadas por Estados Unidos, aliado israelense. Como tal acordo não interessa ao Hamas, que tem como aliado o Irã, rival histórico da Arábia Saudita, o ataque poderia servir para atrasar as negociações do acordo.

Independentemente das motivações para o forte ataque do Hamas, Rudzit avalia que as consequências em curto prazo serão também quase que tão inéditas quanto o formato da investida do movimento islâmico contra Israel. “Nunca na história do Hamas ele fez uma incursão com militares, de peso, em território israelense”, frisou o especialista. Talvez, notou o estudioso, a última vez que Israel tenha sofrido ataque militar por terra tenha sido na guerra do Yom Kippur, na década de 70, envolvendo Egito e Síria. E faz um alerta: com os sequestros de israelenses no ataque do Hamas, noticiados pela imprensa local, e que provavelmente foram levados para Gaza, Israel pode voltar a entrar naquele território e voltar a ocupar a Faixa momentaneamente. Ele lembrou que isso é algo que não ocorria desde os anos 2000: o ex-premiê Ariel Sharon retirou tropas israelenses de Gaza em 2005.

Já Isabela Agostinelli, doutoranda em Relações Internacionais no programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (da Unesp, Unicamp, PUC-SP) e pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP, por sua vez, não acredita em nova ocupação de tropas de Israel dentro de Gaza. “Creio que podemos esperar bombardeios mais fortes de Israel em Gaza”, afirmou ela, frisando que, nesse caso, a população civil na Faixa será duramente atingida. “Gaza é um território pequeno, de 365 quilômetros quadrados, e 2 milhões de palestinos” lembrou ela.

Ao falar sobre as consequências futuras do ataque do Hamas, assim como Scalercio e Rudzit, ela observou que, pelo menos por enquanto, não haverá muitas mudanças na posição dos países árabes, e dos Estados Unidos, em relação à Palestina. “Em relação aos países árabes pouco podemos esperar” disse. “Em termos de Estados árabes não vemos uma defesa da causa palestina” notou. “E os Estados Unidos com certeza vão apoiar Israel, são parceiros militares, não esperamos apoio dos Estados Unidos aos palestinos”, disse.

Para a pesquisadora, o que se pode dizer, com praticamente toda certeza, é que a investida do Hamas vai levar a um cenário de escalada de crise entre Israel e Palestina, em especial em Gaza. Além dos bombardeios israelenses na Faixa, que devem se intensificar, a especialista não descarta que Israel proceda cortes de fornecimento de energia elétrica na localidade que normalmente só tem seis a oito horas de eletricidade por dia. Isso na prática afeta tudo, desde fornecimento de água até serviços à população residente naquele território, afirmou ela. “Podemos esperar uma retaliação sem precedentes de Israel” afirmou.

FONTE: https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/10/07/apos-ataque-do-hamas-especialistas-veem-escalada-de-violencia-sem-precedentes-entre-israel-e-palestina.ghtml