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BRENO ALTMAN: HÁ LIMITES PARA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO? Decisão de Moraes contra PCO fere Constituição

BRENO ALTMAN: HÁ LIMITES PARA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO? Decisão de Moraes contra PCO fere Constituição

No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (07/06), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, discutiu os limites da liberdade de expressão, a partir da decisão do ministro Alexandre de Moraes de suspender as contas do Partido da Causa Operária (PCO) nas redes sociais. Para Altman, a decisão fere a Constituição ao relativizar, mais uma vez, um direito fundamental inscrito na Carta Magna brasileira. O ato representa, portanto, defende o jornalista, um novo retrocesso e carrega consigo mais um ataque aos direitos fundamentais da classe trabalhadora do país.

Em decisão monocrática, o relator do inquérito das chamadas “fake news” no Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o bloqueio dos perfis do PCO nas redes sociais e a convocação do presidente da legenda, Rui Costa Pimenta, para depor à Polícia Federal. Moraes agiu motivado por publicação do partido no Twitter, na qual o ministro foi chamado de “skinhead de toga” e acusado de “sanha por ditadura”. O PCO pediu ainda, no texto, a “dissolução do STF”.

Mesmo sem conter ameaças diretas como as proferidas por Roberto Jefferson e Daniel Silveira, personagens presos por decisão da corte suprema, o posicionamento do PCO acabou enquadrado como passível de medidas penais, levando à suspensão parcial, mas imediata, de seu direito à expressão e manifestação. Moraes agiu de forma contundente e sem consultar o restante da corte, em um caso no qual ele próprio seria uma das vítimas de suposta ameaça e afronta.

Sem oferecer qualquer chamado à ação potencialmente criminosa, ao contrário dos casos Jefferson e Silveira, o PCO limitou-se a criticar um ministro em tons agressivos e defendendo uma mudança no ordenamento constitucional, e a resposta dada por Moraes foi o veto à manifestação de um partido legalmente registrado.

A propósito desse episódio, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), mesmo criticando a posição do partido, rechaçou a censura prévia estabelecida contra suas redes sociais. A discussão que se abriu, para Altman, não diz respeito ao mérito das posições do PCO, mas se o STF ou qualquer de seus integrantes têm o poder de coibir a liberdade de expressão, ainda por cima em caráter preventivo.

Muitos consideram que Moraes agiu em coerência com as punições contra Jefferson e Silveira, aceitando a ideia de que a liberdade de expressão é um direito relativo que pode ser arbitrado acima ou até à revelia do comando explícito emitido pela Constituição. Esse tipo de reação, pensam, seria uma salvaguarda para a democracia, ameaçada pelo bolsonarismo. A defesa das instituições, nessa lógica, imporia a castração do PCO, já que essa legenda resolveu confrontar a existência do STF na sua configuração atual, exigindo a pronta substituição de seus membros por ministros eleitos.

Entre os que discordaram da decisão de Moraes, mesmo sem apoiar o pensamento do PCO, prevalece a análise de que houve violação de garantia constitucional e abuso de poder, pois não há uma só linha na Carta Magna ou na legislação que permita a censura preventiva. A Constituição brasileira, no inciso IX do artigo 5º, que trata dos direitos fundamentais, é taxativa sobre a liberdade de expressão, tornando irrestrita a atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

O fundador de Opera Mundi diz ainda que são muito específicos os mecanismos restritivos ou punitivos estabelecidos pela própria Constituição ou pela legislação infraconstitucional para os casos nos quais há abuso da liberdade de expressão que viole outros direitos constitucionais. Dizem respeito a racismo ou outras formas discriminatórias, a ameaças concretas e factíveis contra a segurança pública, a apologia do nazismo e a manifestações que sejam tipificadas como injúria, calúnia e difamação.

Por outro lado, não há comando constitucional que coíba a propaganda em favor de mudança da ordem constitucional, mesmo das cláusulas pétreas, ou a crítica, ainda que em termos agressivos, aos agentes públicos. Tampouco há proibição de que se defenda a adoção de outros regimes políticos, à exceção do nazismo, ou de que se difunda a necessidade dessas mudanças ocorrerem através de rebelião popular ou até da insurreição armada. “Muito menos, repito, existe previsão de censura prévia – isso é, do cancelamento da liberdade de expressão de determinado indivíduo ou coletivo –, mesmo nos casos mais extremos, como o de prisão”, afirmou Altman.

Nelson Jr./SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes decidiu suspender as contas do Partido da Causa Operária (PCO) nas redes sociais

Na opinião do jornalista, a linha que demarca os limites constitucionais da liberdade de expressão e manifestação é a violência. Ele comparou o modelo constitucional brasileiro com as tradições britânica e germânica. No Reino Unido, a liberdade de expressão é praticamente absoluta. Quase nenhuma manifestação, individual ou coletiva, pode ser criminalizada. Apenas fatos materiais, atos concretos, são categorizados como crimes. Não há qualquer possibilidade de supressão preventiva ou punitiva do direito à livre manifestação e expressão. “Literalmente, gritar diante do Palácio de Buckingham ‘morte à rainha’ não é crime, mas planejar ou tentar matá-la, sim”, exemplificou.

Na Alemanha, por outro lado, impera uma ampla normatização, desde o final da Segunda Guerra, que veio relativizando o direito à expressão e tornando crimes diversas situações, como a negação do Holocausto ou a existência do Partido Comunista. Não por acaso, nasceu em solo germânico a teoria do domínio do fato, própria de uma escola de direito que persegue a criminalização para além do fato criminoso concreto e provado e foi empregada pelo STF brasileiro no caso do chamado “mensalão”.

Na hibridez brasileira, especialmente nos últimos anos, com a crescente polarização política, foram se multiplicando situações de arbitragem e se fortalecendo o papel do STF na regulação, caso a caso, da liberdade de expressão. Em 2018, com Lula preso, durante a campanha presidencial, o presidente da corte suprema lhe negou o direito de ser entrevistado pela Folha de S.Paulo e pelo jornal espanhol El Pais, sob a alegação de que isso poderia perturbar o processo eleitoral. Não havia qualquer previsão constitucional ou legal para uma decisão desse tipo, de censura prévia e violação escancarada do incisivo IX do artigo 5º.

Mais recentemente, a criminalização da palavra voltou-se contra o bolsonarismo, na guerra contra as “fake news” e as exacerbações orais dos neofascistas, por meio do enquadramento um tanto forçado dos casos Silveira e Jefferson em leis que supostamente permitiriam prender quem gritasse “morte à rainha” ou “morte ao ministro do STF”, ainda que não fosse apresentado qualquer prova ou indício de que estivesse em curso qualquer plano ou conspiração para assassinar quem quer que fosse.

Naqueles casos, houve ameaças de agressão física, ainda que abstratas, a cidadãos e funcionários do Estado. Já o caso do PCO, defende o jornalista, é um perigoso salto adiante na arbitragem: condena-se uma manifestação pacífica, apenas verbal, que propõe, defende ou exige a mudança da ordem constitucional, através da supressão do STF e sua substituição por ministros eleitos, além de criticar o ministro Moraes em termos duros, mas não ilegais.

Segundo Altman, o aval ao arbítrio judicial tem conduzido à hipertrofia da corte suprema e à alteração de partes substantivas da Constituição. Ele analisou a questão pelo prisma das conquistas de direitos pela classe trabalhadora e do aprofundamento da contradição entre o desenvolvimento capitalista e a democracia. “As classes dominantes, particularmente nos países periféricos, precisam fechar os espaços de soberania popular e restringir a liberdade de contestação à ordem, pois sua hegemonia está paulatinamente perdendo qualquer base material”, afirmou.

Não se trata, portanto, para ele, de defender ou atacar as posições adotadas pelo PCO, mas sim de aceitar ou não a supressão ou limitação de direitos fundamentais decisivos para a luta da classe trabalhadora.

FONTE

https://operamundi.uol.com.br/20-minutos/74949/breno-altman-decisao-de-moraes-contra-pco-fere-constituicao

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