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Com Novo PAC, Lula repete Bolsonaro e prioriza militares

Com Novo PAC, Lula repete Bolsonaro e prioriza militares

Associações veem ‘falta de ousadia’ do governo ao lidar com tema das Forças Armadas e cobram diálogo com sociedade.

Apresentado há pouco mais de uma semana pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê mais recursos para a indústria da Defesa, em benefício das três Forças Armadas, que para áreas como saúde e educação.

O aceno aos militares nos investimentos do programa gerou críticas de especialistas das ciências sociais, que questionaram em nota conjunta o favorecimento à indústria da Defesa. O momento político e institucional, com desconfianças do Executivo sobre a lealdade de parte das Forças Armadas com o regime democrático, também foi ressaltado na manifestação.

Os recursos previstos para a área são de R$ 52,8 bilhões, ante R$ 45 bilhões para educação (que contempla ainda ciência e tecnologia) e R$ 30,5 bilhões para saúde. O volume total de recursos no PAC, que inclui muitas obras antigas, algumas completamente paradas, é de R$ 1,7 trilhão, que será dividido em nove áreas.

Em nota, a Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) e a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) questionaram a falta de “ousadia” do governo Lula para lidar com a questão militar e a previsão de investimentos bilionários sem se realizar debate prévio com a sociedade.

“O orçamento destinado hoje às Forças Armadas não é compatível com a construção de uma sociedade democrática. Entendemos que a melhor defesa nacional é um povo bem educado e com saúde. O governo não pode continuar refém de uma instituição marcada pela tradição golpista”, diz trecho do documento.

Para a inovação da indústria da Defesa, as diretrizes, conforme apresentação da Casa Civil (pasta responsável pelo programa), são para equipar as instituições militares com “tecnologias de ponta, aumentar a capacidade de defesa nacional e de monitoramento das fronteiras”, além de fomentar a chamada “neoindustrialização” do complexo industrial de Defesa.

Alguns dos investimentos já estavam previstos antes de serem reunidos no PAC, caso da compra dos caças Gripen F-39, parceria já em andamento da sueca Saab com a Força Aérea Brasileira (FAB).

O novo programa, que o governo quer transformar em uma das marcas da gestão, como ocorreu no mandato anterior de Lula, praticamente repete os vícios do Orçamento elaborado no ano passado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), que deu aos militares a maior fatia das contas públicas. Desde 2020, no segundo ano do ex-capitão do Exército na Presidência, que os militares passaram a receber a maior parte do Orçamento.

“O país não está numa situação de guerra iminente, não tem conflitos regionais nem mandamos tropas para países em conflito. Por que esse tanto de gasto? Talvez haja alguma razão, mas a sociedade precisa conhecer e isso precisa ser debatido. A política de Defesa no Brasil é uma caixa-preta”, afirmou ao Valor a historiadora Maria Celina D’Araujo, que desde janeiro preside a ABED.

Uma das maiores especialistas na questão militar no Brasil, Celina D’Araujo ressalta sua “decepção” com o governo Lula, que segundo ela, alimenta a preservação do “pacto de silêncio” ao evitar uma discussão que eventualmente poderia contrariar os interesses dos militares, especialmente num momento em que diversos integrantes das três Forças, da ativa e da reserva, são implicados em crimes e transações suspeitas relacionadas a Bolsonaro. Há ainda, em investigação, episódios como os que apuram o envolvimento de militares nos ataques de 8 de janeiro e a tentativa de violar o sistema eleitoral.

Política de Defesa no Brasil é uma caixa-preta”
— Maria C. D’Araujo

“Esperava uma interlocução maior [do governo], ao menos que a sociedade fosse informada sobre essa política de Defesa. Mantemos o padrão de submissão, a mesma autonomia militar que vemos desde o governo Sarney [1985-1990]. É lamentável”, disse Celina D’Araujo, que também é pesquisadora da PUC do Rio.

Ela e outros especialistas da área militar afirmaram ao Valor que a sensação, com a previsão de tantos investimentos para os programas das Forças Armadas, é que o governo Lula tenta comprar a lealdade dos militares.

“Estamos perante uma operação de ocultação do que a gente está verdadeiramente passando. A situação é precária e não há nenhuma pacificação”, disse o professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em resposta ao Valor, a Casa Civil informa que “a complexidade e tempo de execução dos projetos da área da Defesa justificam o valor projetado para a conclusão pós-2026”, já que alguns dos investimentos do PAC estão previstos para um período que supera o atual mandato de Lula.

A pasta diz ainda que as áreas de saúde e educação receberam mais investimentos que o PAC anterior. E que nos próximos três anos, ainda neste governo, os dois setores vão receber mais recursos que a Defesa.

A falta de publicidade e sobretudo a ausência de discussão do governo Lula sobre os temas militares e de Defesa são aspectos citados na nota das associações, lembrando que durante a fase de transição, a área da Defesa – apesar da fragilidade e das relações próximas dos militares com o bolsonarismo – não teve um grupo de trabalho específico, ao contrário de áreas menos expressivas como a pesca.

“Um aspecto a destacar nessa discussão é um outro tipo de valor, aquele democrático. As Forças Armadas têm essa função tutelar da democracia e o governo imagina que apostando no desenvolvimento econômico da indústria de Defesa vai fazer que as Forças Armadas se democratizem. Mas vimos que isso não ocorreu em outros governos”, disse Adriano Codato, doutor em ciência política, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e presidente da Anpocs.

FONTE:

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/08/21/com-novo-pac-lula-repete-bolsonaro-e-prioriza-militares.ghtml