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Desafios climáticos no Brasil: Paulo Artaxo alerta para vulnerabilidades expressivas em meio à crise ambiental de 2023

Desafios climáticos no Brasil: Paulo Artaxo alerta para vulnerabilidades expressivas em meio à crise ambiental de 2023

O físico Paulo Artaxo, cientista do IPCC, diz que o país precisa se adaptar ao “novo clima” e repensar o sistema econômico, energético e social.

O Brasil tem que se adaptar ao novo clima. Traduzido em frentes concretas, o país tem que repensar como estruturar o futuro da economia baseada em commodities produzidas no Centro-Oeste e da energia elétrica, com 50% baseada em hidroeletricidade. Tem que pensar como abrigar os prováveis refugiados climáticos brasileiros, que hoje vivem no semiárido nordestino e na região do rio São Francisco. “Nossas vulnerabilidades na crise climática são imensas”, diz o físico Paulo Artaxo, autor de capítulos de ciência do clima do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, o IPCC, e de todas as frases acima.

“O Brasil, por ser um país tropical, é um dos que mais vai perder com a mudança climática”, diz Artaxo. “Compare o Brasil com a Suécia. Veja Teresina, Cuiabá ou Palmas, que no verão já têm temperaturas de 41°C. Quando a temperatura nessas regiões subir 3°C ou 4°C o que vamos ver são verões com 47°C ou 48°C, com impactos gigantescos na saúde e nos ecossistemas”, diz ele.

Artaxo, como os principais climatologistas brasileiros e estrangeiros, está subindo o tom dos alertas à sociedade e aos governos. A Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês) divulgou no início de novembro que 2023 é o ano mais quente já registrado. Na quarta-feira divulgou um estudo indicando que as médias globais de concentrações de CO2 estiveram 50% acima da era pré-industrial pela primeira vez em 2022. As concentrações de metano aumentaram 264% e os níveis de óxido nitroso, o terceiro principal gás que contribui para a crise climática, também subiram.

O secretário-geral da WMO, Petteri Taalas, disse que os recordes de gases-estufa levarão a uma nova subida da temperatura.

O relatório da WMO alerta que o mundo caminha para o aumento de temperaturas bem acima das metas do Acordo de Paris e que o cenário será marcado por “condições climáticas cada vez mais extremas, incluindo calor e chuvas intensos, derretimento do gelo, elevação do nível do mar e acidificação dos oceanos”. A agência adverte que os custos socioeconômicos e ambientais subirão e pede urgência na redução do consumo de combustíveis fósseis.

Artaxo nacionaliza a distopia. “O que era considerado especulação científica agora virou realidade. É olhar o termômetro e se dar conta de que o clima mudou.”

Com a crise do clima, o agronegócio no Brasil central não tem muito futuro”
— Paulo Artaxo

O cientista explica o que acontece na Amazônia, como efeito do desmatamento, dos incêndios e do El Niño. “Na região, além da temperatura alta, há alta umidade relativa do ar. O mecanismo que o corpo tem, de regulação da temperatura, é o suor – evaporamos água e assim o corpo se resfria. Mas com alta umidade relativa do ar, a evapotranspiração não vai ocorrer.” Ele traduz: “O limiar em que as pessoas podem entrar em colapso hídrico é muito mais forte nas regiões tropicais com alta umidade, como na Amazônia, do que em outras regiões do planeta”.

“E tem o agronegócio: o Brasil vai ter que repensar como estruturar o futuro da nossa economia, porque, claramente, o agronegócio no Brasil central não tem muito futuro”, diz. “A produtividade agrícola vai diminuir. Aumenta a evapotranspiração [das árvores] e chove menos. Não é brincadeira”.

Ele segue: “A produtividade agrícola no Rio Grande do Sul, com inundações cada vez maiores, também vai se reduzir. Isso está em todas as previsões da FAO (a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), em todas as previsões do IPCC, não é novidade. O Brasil tem que se preparar para o novo clima.”

Artaxo passa duas semanas em Mainz, na Alemanha, no Instituto Max Planck fazendo análises de amostras de gases-estufa recolhidas na Amazônia. O Max Planck é uma instituição de ponta em pesquisa científica e tecnológica.

A temperatura do lado de fora do prédio é de 3°C, mas o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo está conectado com a onda de calor que percorre o Brasil. Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados, também da USP, Artaxo reforça o que vem observando. “Estamos vivendo um período muito crítico de uma transição. Nosso sistema econômico é absolutamente insustentável, mesmo a curto prazo, para algo que não sabemos direito, nem as nossas sociedades, o que é. Teremos que aprender a ser muito mais sustentáveis e usar menos os recursos naturais do planeta”, diz.

Ele explica que o que vivemos hoje, em todo o mundo e no Brasil, expresso em uma sucessão de eventos extremos, é o resultado da emissão de gases-estufa desde a Revolução Industrial. “A meia vida do CO2 na atmosfera é de alguns milhares de anos. Ou seja, as emissões que estamos produzindo hoje vão impactar o clima ao longo dos próximos milhares de anos”, esclarece.

Diz, de modo claro, que explorar novas frentes de petróleo “é o pior que se pode fazer”. Ele se refere aos planos da Petrobras de explorar novos poços na chamada Margem Equatorial.

Critica, também, o momento atual de alta demanda por energia no país. As renováveis, baseadas em energia eólica, solar e biomassa, não dão conta e o país aciona térmicas movidas a combustíveis fósseis. “O Brasil tem que reestruturar o sistema de produção de energia para não ter que ligar térmicas quando se chega a uma situação como essa, porque esse já é o novo clima.”

O que o país deve fazer? “O Brasil tem que se adaptar ao novo clima”, repete. “Ou seja: temos que ter um plano coerente de adaptação para que a sociedade possa ser melhor protegida contra eventos climáticos extremos incluindo inundações -como ocorreu no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e acontece em quase todas as áreas urbanas do país. Deve se preparar para ondas de calor como a que vivemos agora, com planos de contingência de proteção da população. E reduzir emissões. Tanto reduzir as emissões do Brasil, que vêm do desmatamento, quanto entrar nos fóruns internacionais para forçar os países a eliminarem o petróleo da geração de energia elétrica e do setor de transporte.”

Segue, na mesma tecla. “Além de proteger a população contra eventos climáticos extremos, tem que haver mudanças fundamentais na estrutura econômica do Brasil. Porque temos um país com uma economia muito dependente do clima, no agronegócio. E quase 50% da geração de eletricidade no Brasil é por hidroeletricidade, que depende da chuva, que depende do clima.”

O físico diz que inspirar-se nas experiências de adaptação dos outros países é uma perspectiva equivocada. “Adaptação exige soluções locais. A experiência da Holanda não pode ser aplicada no Brasil. A de Veneza não pode ser aplicada em Santos. O Brasil terá que desenvolver suas próprias estratégias de adaptação, que variam de lugar para lugar. Isso é importante. Temos que achar as soluções brasileiras”, aconselha. Cita, por exemplo, cidades costeiras com emissários submarinos de esgoto e sugere o debate de outros caminhos – a água do mar sobe e tende a empurrar os dejetos de volta.

Há um enorme desafio social a ser pensado e equacionado desde já. “No Nordeste, vivem milhões de brasileiros em uma região semiárida que está se tornando árida. Está diminuindo a precipitação e aumentando a temperatura. O que o Brasil, como nação, fará para tirar milhões de brasileiros que hoje vivem no semiárido nordestino e que não terão condições de sobreviver ali nas próximas décadas?”, pergunta.

Serão os primeiros refugiados climáticos domésticos? “Todos os países, por razões diferentes terão seus exilados climáticos. No caso brasileiro, os mais evidentes são as pessoas do semiárido nordestino e da bacia do São Francisco que está sofrendo uma forte redução na precipitação. O São Francisco vai minguar, e com isso as atividades socioeconômicas que dependem da água. Isso não é previsão do futuro: isso já está acontecendo.”

A Europa já tem fortes ondas de calor desde 2003. “Isso é o novo clima”, diz, mais uma vez. “Estamos assustados com o que está acontecendo no Brasil, mas está acontecendo no mundo todo. No Canadá, em 2021, bateu 42°C em Vancouver, o que não acontecia em 200 anos. Na Califórnia, no deserto de Nevada, bate 53°C.”

FONTE:

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/11/17/vulnerabilidades-do-brasil-na-crise-climatica-sao-imensas-afirma-paulo-artaxo.ghtml