Associação Brasileira dos Jornalistas

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“Foram três as reações principais à morte de Silvio Santos, aos 93 anos, no último sábado.

Muitos privilegiavam a memória afetiva. Silvio Santos era a figura dominante dos finais de semana em família. Um tio tinha ido nas “Portas da Esperança”, uma tia no “Roletrando”. Coisas assim.

Entendo, mas não me identifico. Durante boa parte da minha infância, não havia TV em casa. Quando havia, programas de auditório dificilmente eram assistidos.

A segunda reação era lembrar do homem do baú. Aquele que enganava os pobres com seus carnês fajutos. Que bajulava os poderosos para fazer todo o tipo de maracutaias com a concessão de TV que tinha recebido dos militares. Que transformou a programação numa cloaca, com atrações chamadas de “popularescas” ou “mundo cão” como o “Aqui Agora”, de inequívoca catinga fascista, que logo foram mimetizados em outras redes. Que, do Banco Panamericano às Lojas Tamakavy, nunca teve um negócio sem enredos obscuros.

Durante muito tempo, Silvio Santos foi vendido como exemplo máximo da possibilidade de ascensão social pelo esforço próprio: o camelô que virou magnata. Mas basta olhar para sua trajetória para entender o que é, de fato, a meritocracia.

Por fim, Silvio Santos é louvado como grande comunicador, para muitos o maior do Brasil, em todos os tempos.

Criticá-lo, disse um influente jornalista de esquerda, é “ofender a memória afetiva”, é “elitismo” – e arrematou, poeticamente, é “solidão em torre cristal”.

Mas o que era a “grande comunicação” de Silvio Santos? Nivelamento por baixo, embotamento do espírito crítico, repetição de fórmulas surradas. O que há de tão grande nisso, além da capacidade de ganhar dinheiro?

Algumas pessoas compartilharam highlights da carreira do apresentador, às vezes com intuito crítico, às vezes nem tanto. Há inúmeros momentos de racismo e de sexismo inacreditáveis. Eu ficava me perguntando de quando era aquilo e precisava lembrar que, não, no século XIX ainda não existia TV a cores.

Não sei se o que chamava a atenção eram os dotes de comunicador ou a imensa cara de pau de Silvio Santos.

Sua comunicação era baseada na tríade reforço de preconceitos, fórmulas fáceis e apelo às piores características da psiquê humana. Ele foi um grande comunicador se aceitamos que a comunicação se destina a manter plateias tantalizadas e prontas a serem exploradas.

Dos militares a Bolsonaro, Silvio Santos sempre foi um canalha. Seus talentos – esperteza e amoralidade – casaram-se com um meio em ascensão, carente de regulamentação, a televisão, e ele soube aproveitar essa circunstância.

Hoje, as circunstâncias são outras, mas os espertos e amorais continuam no pedaço. Fico pensando se, daqui a 40 anos, quando Pablo Marçal morrer, ele também será pranteado como um “grande comunicador” que o Brasil está perdendo.”
Do Luis Felipe Miguel

FOTO: Facebook do João Lopes

FONTE: https://www.facebook.com/photo?fbid=7885317904925016&set=a.1428710477252490