Startup com sede nos EUA capta US$ 25 milhões entre pessoas de alta renda.
Quando duas das figuras mais conhecidas do jornalismo dos Estados Unidos anunciaram em janeiro que estavam deixando seus prestigiados empregos para lançar uma nova empresa de comunicações, a dupla despertou curiosidade e certo ceticismo.
Justin Smith, antigo executivo-chefe da Bloomberg Media, e Ben Smith, ex-colunista de mídia do The New York Times, estão apostando que conseguirão superar os obstáculos que atrapalharam as várias startups jornalísticas lançadas nos últimos 20 anos Passados sete meses do anúncio e com a aproximação do lançamento, planejado para outubro, os primeiros contornos do novo empreendimento começam a emergir.
Por Anna Nicolaou, Financial Times — Nova York
Depois de garantir US$ 25 milhões em financiamento de vários indivíduos de altos recursos, a startup, chamada Semafor, está contratando mais jornalistas. Liz Hoffman, uma repórter do The Wall Street Journal conhecida por publicar furos financeiros, somou-se a jornalistas de política e tecnologia do site BuzzFeed e do The Washington Post, respectivamente. Até outubro, os Smith, que não são parentes, planejam dobrar a equipe da Semafor para 60 pessoas, entre as áreas editorial e comercial. Além de montar uma equipe de repórteres nos EUA, a Semafor planeja abrir sucursais locais, começando pela África. A empresa contratou Yinka Adegoke, uma jornalista formada na Nigéria e ex-editora africana do site de notícias Quartz, para liderar a equipe. “Nossos enormes concorrentes que dominam [hoje] as notícias mundiais foram criados lá no século XX. [Eles estão] exportando notícias de Londres, de Atlanta ou de Nova York”, disse Ben Smith em entrevista recente. “Estamos tentando construir uma maneira muito mais ramificada, para um momento totalmente diferente.” Douglas McCabe, analista sênior da firma de análises de mercado Enders Analysis, disse que o setor de notícias “precisa e quer desesperadamente mais inovação”.
“A mídia de notícias de hoje é idêntica à mídia de notícias de 1990. O formato das notícias parece o mesmo, as [grandes] marcas são as mesmas”, disse McCabe, destacando as dificuldades vividas por startups lançadas nos anos 2000, como o “BuzzFeed”, que tentou renovar o setor. No entanto, agora que a Semafor começa a tomar forma, os Smith enfrentam um cenário macroeconômico mais desafiador do que quando deixaram os antigos empregos. A inflação continua a subir e mais economistas preveem uma recessão. A piora no cenário tem afetado as ações de empresas que dependem de publicidade. A Vox Media, dona da revista New York, demitiu na semana passada 39 funcionários. Em seu lançamento, a Semafor oferecerá um site de notícias e um aplicativo para dispositivos móveis. No primeiro ano, será de leitura gratuita, contando com publicidade e eventos ao vivo para gerar receita. Depois de um ou dois anos, o empreendimento espera operar com conteúdo pago. A empresa fez sua estreia pública em 7 de julho com seu primeiro evento. No entanto, a conferência – propagandeada como uma série de entrevistas sobre confiança e polarização – atraiu críticas depois de Ben Smith ter entrevistado Tucker Carlson, um apresentador de inclinação direitista da Fox News. Alguns jornalistas disseram que Carlson, participando da videochamada dentro do que parecia ser um closet, havia “engolido” Smith. Outros consideram inapropriado dar uma plataforma a Carlson, alguém que já sugeriu que o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA foi arquitetado secretamente pelo governo. Os Smith evitaram receber dinheiro de investidores de capital de risco do Vale do Silício, como os que financiaram nomes como BuzzFeed e Vice, entre outras empresas que não corresponderam às reivindicações de que seriam o futuro do jornalismo. Em vez disso, levantaram dinheiro de investidores de altos recursos que – na teoria – estariam mais inclinados a permanecer ao lado da empresa caso os ventos contrários macroeconômicos resultem em um início comercial difícil.
Entre os financiadores está Jorge Paulo Lemann, fundador da 3G Capital e a pessoa mais rica do Brasil. “Uma empresa de mídia premium e genuinamente global, capaz de atender às necessidades do público de notícias de hoje por meio de informações confiáveis e de qualidade […] é realmente atraente”, disse. Outros investidores da Semafor incluem o bilionário das criptomoedas Sam Bankman-Fried; John Thornton, cofundador do American Journalism Project e do The Texas Tribune; e David Bradley, ex-proprietário da revista The Atlantic. O sucesso de marcas de notícias como o “The New York Times”, “The Wall Street Journal” e “Financial Times” renovou a confiança dos investidores no setor, segundo McCabe. “Nos últimos três ou quatro anos, esses negócios parecem ter virado a página […] a mídia voltou a ser ‘investível’.” Os Smith, contudo, ainda estão entrando em um mercado de notícias digitais complicado, marcado pelos fracassos. Muitas startups de notícias on-line lançadas com planos otimistas têm encontrado problemas financeiros, o que resulta em repetidas rodadas de demissões e de encolhimento das aspirações. O The Athletic, um site de notícias esportivas com mais de 1 milhão de assinantes pagantes, teve prejuízo de US$ 55 milhões sobre uma receita de US$ 65 milhões em 2021. No início do ano, foi comprado pelo “The New York Times” por US$ 550 milhões. A Semafor não quer divulgar suas metas financeiras ou estimativas sobre seu valor de mercado. O objetivo da Semafor é enfrentar os gigantes das notícias de interesse geral – “The New York Times”, “The Washington Post”, “BBC” e “CNN” – veículos que os Smith consideram não gozar da confiança do público e ser demasiado centrados nos leitores locais. “Simplesmente há esse descontentamento vocalmente óbvio dos consumidores com o negócio das notícias”, disse Ben Smith. Ele disse que a Semafor terá foco em publicar furos. Ele também planeja continuar escrevendo sobre o negócio de mídia em um formato semelhante a sua antiga coluna.
Ele pretende angariar a confiança do leitor dividindo as matérias da Semafor em seções, deixando separado o que é notícia e o que é análise. Haverá também uma seção oferecendo um ponto de vista oposto e um ponto de vista de outra região do mundo. Depois da África, os Smiths pretendem expandir-se mercado a mercado com ênfase no Oriente Médio, Índia, Japão e Europa. A estratégia se assemelha ao foco da Netflix em produzir televisão em cada mercado local, em vez de forçar os consumidores em casas na Índia, França ou Brasil a aceitar os gostos de Hollywood. “É definitivamente [tipo] Netflix, em vez de Disney”, disse Ben Smith sobre o modelo. Com uma equipe de 60 funcionários no lançamento, a Semafor será peixe pequeno em comparação às empresas contra as quais pretende competir. O “The New York Times” tem mais de 1,7 mil jornalistas, enquanto a BBC tem mais de 2 mil. Mesmo após a aquisição do “The Athletic” neste ano, o “The New York Times” tem quase US$ 500 milhões em caixa em seu balanço. “Tentar ser um ‘generalista’ com 60 jornalistas é difícil”, disse McCabe, da Enders Analysis. “Como esta redação teria lidado se, no terceiro dia [após o lançamento], Putin tivesse começado a guerra na Europa? As grandes marcas de notícias têm grandes vantagens, porque podem levar jornalistas de helicóptero para lá amanhã.” Jessica Lessin, fundadora do site de notícias “The Information” e outra investidora da Semafor, se mostra mais otimista. “A era do ‘BuzzFeed’ levantando uma grande arca de dinheiro e jogando-a nas notícias para impulsionar o tráfego… isso não era sustentável”, disse. “O que, sem dúvida, funciona é conduzir o assunto por meio de furos.” (Tradução de Sabino Ahumada)
FONTE
https://valor.globo.com/valor-ri/empresa/noticia/2022/08/04/ft-novo-jornal-on-line-semafor-tem-jorge-paulo-lemann-como-investidor.ghtml