EUA ampliam presença militar no Caribe e intensificam pressão sobre Caracas, aprofundando uma escalada que ameaça a estabilidade regional.
Observando a movimentação das tropas dos EUA no mar do Caribe, fica a dúvida se os EUA estão se preparando para uma ação militar mais efetiva, ou mesmo algum tipo de intervenção por procuração na Venezuela, visando derrubar o governo deste país. O governo dos EUA vem tentando derrubar a administração da Venezuela desde que Hugo Chávez foi eleito em 1998 e começou a nacionalizar os recursos do país e colocá-los a serviço da população. Todas as ações com esse intento — sabotagens, mobilização e financiamento da oposição, atentados, o golpe de 2002 — deram errado.
Levando em conta este histórico e o agravamento da crise econômica de forma geral, é de se supor que o governo dos EUA está considerando seriamente a possibilidade de uma ação militar mais incisiva na Venezuela. Desde 1945 até agora, os EUA participaram de aproximadamente 80 operações de mudança de regime (golpes, tentativas de golpe, invasões com o objetivo de derrubar governos) e mais de 250 intervenções militares entre 1991 e 2022 (incluindo operações menores). Além disso, interferiram em mais de 80 eleições entre 1946 e 2000. Seria muita imprudência, por parte do governo de Caracas, não considerar com muito cuidado a possibilidade de uma ação mais direta dos EUA contra o país.
As ações dos EUA na região até o momento já são extremamente graves. Desde setembro, quando começaram, até 16 de novembro, pelo menos 83 pessoas foram mortas em 21 ataques a 22 embarcações que os americanos classificaram de “suspeitas”. Além disso, o governo de Washington mantém patrulhas permanentes no mar do Caribe, supostamente para interceptar rotas de tráfico. Em novembro, o governo norte-americano dobrou a recompensa para US$ 50 milhões por informações que levem à captura de Nicolás Maduro. O presidente eleito da Venezuela é acusado formalmente pelo governo Trump de chefiar o narcotráfico, praticar atos de corrupção e tráfico de drogas para os EUA.
O método de operação que está em marcha na região é um velho conhecido dos latino-americanos. A Venezuela, que detém a maior reserva de petróleo do mundo (cerca de 303 bilhões de barris comprovados), fica no “quintal” dos EUA, a 680 km da Flórida. O Oriente Médio, a maior reserva regional de petróleo, está a 10.000 km. O petróleo venezuelano oferece custos logísticos drasticamente menores, menor dependência energética de uma região muito instável politicamente e reservas para muitas décadas de consumo norte-americano. Além, é claro, do controle geopolítico da região, abalado por uma aproximação crescente da Venezuela à Rússia, China e Irã — aproximação esta completamente estimulada pelo comportamento hostil do império americano.
A mobilização atual das forças armadas estadunidenses nas proximidades da Venezuela não é suficiente para tomar o poder no país, mas tem condições de causar muitos estragos. Os EUA colocaram porta-aviões na região, incluindo o mais moderno do mundo, o USS Gerald R. Ford (CVN-78), que transporta mais de 5.000 marinheiros. Enviaram vários destróieres, inclusive alguns equipados com sistemas avançados de mísseis para ataques de precisão; enviaram uma força anfíbia, com 4.500 pessoas, incluindo 2.200 fuzileiros navais treinados para assaltos anfíbios rápidos. Enviaram caças chamados de furtivos (aviões projetados para evitar detecção por radares e sistemas de defesa aérea inimiga), implantados em Porto Rico. Mandaram também tropas especializadas em operações contra redes de tráfico de drogas e aviões de inteligência e vigilância. Em termos gerais, os EUA mantêm aproximadamente 15.000 soldados na região, 12 navios de guerra, 1 submarino nuclear e várias aeronaves de combate.
Esta é a maior mobilização militar dos EUA na região desde a invasão do Panamá, em 1989. O governo da Venezuela tem clareza de que a situação requer todos os cuidados do mundo. O país acionou o “Plan Independencia 200”, mobilizando cerca de 200.000 militares em exercícios nacionais, sistemas S-300VM e Buk-M2E de defesa aérea, caças Su-30 e F-16, navios e drones costeiros. Ativou também a Lei do Comando para a Defesa Integral da Nação, um marco legal que integra civis e militares sob comando centralizado, permitindo ao governo mobilizar todos os recursos nacionais (humanos, materiais, políticos) para a defesa nacional. O plano de defesa prevê ainda a mobilização de milicianos civis treinados, cujo número pode chegar a 2 milhões ou mais de pessoas (este número é impreciso, talvez por razões táticas).
Recentemente, navios de guerra russos se dirigiram para as proximidades da Venezuela em uma manifestação de solidariedade geopolítica e o envio de uma mensagem bastante clara para os EUA. Com o gesto, o governo russo comunicou que, se a OTAN, na prática comandada pelos EUA, pode expandir seu poder bélico até as fronteiras da Rússia e cercar o país com alianças militares que colocam em perigo sua segurança, nada pode impedir Moscou de se expandir até a região que os EUA consideram seu “quintal”. Essa ação, que aparentemente os estrategistas norte-americanos duvidavam que se tornaria realidade, mostrou que a era do poderio americano desmedido acabou.
Com a folha corrida que os EUA têm, ninguém se ilude de que o objetivo das ações é combater o “narcotraficante” Nicolás Maduro. Essa é uma tática muito manjada na América Latina. Na invasão do Panamá, em dezembro de 1989, que derrubou o general Manuel Noriega, os EUA acusavam o dirigente de tráfico de drogas. Noriega era um ex-agente da CIA que começou a se opor à intervenção norte-americana na América Central. Rotularam o general como narcotraficante, o prenderam e, ao mesmo tempo, bombardearam o país, que não tinha defesa aérea e, na época, possuía apenas 2,3 milhões de habitantes e um exército de 3.500 soldados. Noriega, que, enquanto foi útil aos EUA, recebeu muito apoio militar e financeiro, teve uma morte solitária em 2017, em um hospital penitenciário no Panamá. Como tantos outros políticos, o general confirmou a teoria de que, mais perigoso do que ser inimigo dos EUA, é ser seu amigo.
O comportamento dos EUA em relação à Venezuela segue uma lógica que os EUA, com nuances, praticam desde a segunda invasão do Iraque, em 2003. Aquele foi um momento fundamental do imperialismo norte-americano, visando aprofundar o controle sobre a política mundial. O objetivo com essa política era esmagar os governos nacionalistas e impor os governos neoliberais, ou seja, impor a guerra econômica contra o povo, que é o que o neoliberalismo representa. A partir da invasão do Iraque, cresceram muito as operações militares dos EUA sobre todos os países do mundo. Como resultado dessa política, neste momento estamos com várias guerras e à beira de uma guerra generalizada no mundo.
Essa tendência de guerra generalizada não é algo que veio do nada. Ela vem sendo organizada ao longo dos últimos anos, na medida em que a crise econômica mundial foi se agravando. Na ausência de uma saída mais eficaz para a crise, a principal alternativa que o imperialismo vê para o problema é a guerra — como, aliás, já ocorreu em outros momentos da história. O imperialismo espera que as ações beligerantes abram perspectivas para a saída da crise. Por exemplo, se o objetivo com a guerra na Ucrânia tivesse dado certo — ou seja, se a guerra tivesse afundado a economia da Rússia — esse acontecimento fortaleceria os EUA.
O imperialismo norte-americano sabe que essa política de tirar recursos dos investimentos econômicos e sociais para aplicação na guerra é uma opção muito dramática. Mas não vê outra saída, porque avalia que já perdeu a guerra econômica para a China. Sabe também que isso irá agravar a crise social, mas a opção é conter essa crise através da guerra. O exemplo mais evidente de que esta política é insana é o da Europa, cuja economia está sendo destruída em função da escolha (vassala) de apostar na guerra com a Rússia. Os governos europeus atualmente são um grande obstáculo para um acordo de paz na Ucrânia. E essa é uma derrota que parece líquida e certa, é uma questão de tempo. Ganhando ou não a guerra com a Rússia, essa opção deverá conduzir o continente a uma grande crise social. Curiosamente, a Europa quer a guerra, mas não tem nada: nem armas modernas, nem dinheiro, nem munições. Obviamente, dependendo de como as coisas se desenvolvam, a crise social pode aumentar muito. Mas a ideia do império é que a guerra vai frear a crise econômica e social e conter a luta de classes em nível internacional. Não significa que vai dar certo, claro, mas esta é a ideia.
Neste momento, o que eles pretendem, no terreno internacional, é construir as condições para um confronto. Os EUA podiam fazer um acordo, por exemplo, com Rússia e China, de cooperação internacional nas várias áreas. Ambos os países desejariam muito isso, desde que em condições de ganha-ganha, pois não querem a guerra. Mas o imperialismo não quer fazer qualquer concessão, porque isso iria fortalecer seus inimigos e, dadas as condições econômicas atuais, seria um perigo mortal para a existência do imperialismo. A Venezuela, e o mundo, terão fortes emoções pela frente.
Parece fora de dúvida que o imperialismo não irá enfrentar sua crise econômica e de hegemonia com uma postura conciliadora, aceitando as mudanças, aceitando um mundo multipolar ou coisa que o valha. E não se trata do governo de Donald Trump — que, inclusive, atrapalha um pouco a estratégia belicista por causa de seus compromissos políticos — mas de qualquer governo estadunidense. O império vai continuar tentando reagir ao declínio de maneira violenta, através das guerras eternas.
FOTO: Zauberhund
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/a-agressao-a-venezuela-nos-marcos-de-uma-politica-de-guerras-eternas