Desde 2019, as cinco maiores fabricantes de ferramentas para chips da China experimentaram um crescimento notável em meio à escalada das tensões com os EUA. Segundo análise da Nikkei Asia, a receita conjunta dessas empresas cresceu 473%, com quatro delas registrando lucros recordes em 2024. Embora a China ainda dependa de tecnologias externas em litografia, ela já possui representantes competitivos em praticamente todas as demais etapas da fabricação de chips. A empresa Naura, considerada uma versão chinesa da Applied Materials, já figura como a sexta maior fabricante mundial de ferramentas para chips por receita.
Essa expansão tem contado com um intercâmbio técnico peculiar: engenheiros chineses compartilham dados operacionais e parâmetros com fornecedores locais para aprimorar o desempenho dos equipamentos. Em paralelo, muitas empresas chinesas compram máquinas estrangeiras não para produção, mas para desmontagem e estudo — uma estratégia de engenharia reversa que busca entender e replicar os sistemas mais avançados disponíveis no mercado global.
Apesar dos avanços, a urgência na independência tecnológica aumentou. Empresas como a SMIC ainda dependem de equipamentos adquiridos antes das restrições de exportação para produzir chips de 7 nm para Huawei e outras fabricantes locais. Um avanço em litografia seria crucial para aumentar a produção nacional de chips de última geração. Para apoiar esse objetivo, a China lançou a terceira fase do seu Fundo Nacional de Circuitos Integrados (“Big Fund”), com US$ 48 bilhões em apoio estatal e previsão de atrair mais de US$ 190 bilhões em investimentos privados.
Além do capital, políticas públicas locais vêm sendo implementadas para fortalecer fornecedores nacionais de componentes críticos como espelhos, lasers e fontes de luz para litografia EUV. A aposta chinesa é criar uma cadeia de suprimentos autônoma, com capacidades internas que possam substituir gradualmente os equipamentos importados. A meta é clara: reduzir vulnerabilidades externas e garantir soberania tecnológica no setor mais estratégico da nova economia.
Curiosamente, a motivação para essa corrida tecnológica vem, em parte, das próprias sanções americanas. As restrições criaram uma “era de ouro” para os fornecedores chineses de equipamentos semicondutores, uma vez que as grandes fabricantes do país passaram a recorrer fortemente a soluções locais. Isso impulsionou a demanda interna por inovação e abriu espaço para startups e empresas emergentes do setor.
Contudo, ainda há limitações. Muitos dos equipamentos domésticos ainda não alcançam a mesma performance das soluções internacionais de ponta. Mesmo assim, os fabricantes de chips chineses são obrigados a adotá-los, mesmo com possíveis prejuízos na qualidade de produção. A estratégia atual é usar essas máquinas como base para melhorias incrementais, acreditando que o domínio pleno da tecnologia virá com o tempo, experiência e mais investimentos públicos e privados.
FONTE: https://www.paulogala.com.br/a-corrida-da-china-pela-autonomia-em-chips-entre-sancoes-engenharia-reversa-e-bilhoes-em-investimento/