A guerra fria do século XXI tem novo epicentro: Brasil, BRICS, big techs e o abismo entre soberania e dominação. Lula e Trump já estão em combate
A linha de ruptura
Uma nova era de confrontos explícitos entre o Brasil e os Estados Unidos está em curso, e ela não será resolvida com diplomacia protocolar ou comunicados mornos. Não se trata de um ruído passageiro ou de desentendimentos pontuais. Trata-se de uma ruptura objetiva entre projetos de mundo incompatíveis: de um lado, um Brasil soberano, articulado com o BRICS, voltado para o Sul Global, empenhado em construir infraestrutura própria, autonomia tecnológica e autoridade institucional sobre seu território físico e digital; do outro, o império estadunidense em crise, disposto a qualquer ação para manter sua hegemonia continental, inclusive sabotando o desenvolvimento de países que um dia considerou “aliados submissos”.
A linha de ruptura foi cruzada. As tarifas punitivas aplicadas pelos EUA sobre o aço, o alumínio, mel, frutas, o suco de laranja e componentes tecnológicos brasileiros não são meros instrumentos comerciais: são mísseis diplomáticos disfarçados de política alfandegária. A mensagem é clara: regulem as big techs e enfrentarão o peso do império. Mas o que o governo Lula respondeu, sem recuar um milímetro, foi ainda mais claro: o Brasil não será colônia de novo.
A escalada vinha sendo preparada nos bastidores desde que o governo brasileiro e o Supremo Tribunal Federal, liderado por Alexandre de Moraes, iniciaram um cerco inédito às plataformas digitais que sustentam financeiramente e algoritmicamente o ecossistema da extrema direita global. Foi a primeira vez, em décadas, que um país do hemisfério sul ousou confrontar os interesses das big techs em nome da democracia e da soberania informacional. E foi também a primeira vez que um governo do sul global, como o de Lula, articulou esse enfrentamento como parte de um projeto geopolítico mais amplo: integrar-se ao BRICS, fortalecer a cooperação Sul-Sul e construir rotas logísticas, energéticas e digitais fora do eixo de controle anglo-americano.
É nesse contexto que a ofensiva estadunidense precisa ser compreendida: não como defesa da democracia, mas como reação desesperada à autonomia. A condenação de Jair Bolsonaro é apenas a superfície do enredo. O que realmente está em jogo é o enfraquecimento, pelo exemplo brasileiro, da doutrina de Monroe reeditada em código-fonte, aquela que garante aos EUA domínio total sobre as redes, as narrativas, os mercados e os regimes políticos da América Latina. O Brasil, hoje, está minando essa doutrina de dentro, com legitimidade institucional, apoio popular e respaldo internacional.
Trump sabe disso e a elite de Washington também. E a resposta não será simbólica. O que está em curso é uma guerra fria de novo tipo, uma guerra híbrida entre o imperialismo em decadência e o protagonismo do Sul Global. O Brasil é o centro desse conflito. E este artigo é um alerta: não haverá recuo.
O estopim: da regulação à retaliação
O estopim da crise não foi uma tarifa, foi um código, o gesto político de um governo que, pela primeira vez, ousou confrontar os interesses estruturais das big techs com a força de Estado. O Brasil, ao anunciar medidas concretas para regulamentar as plataformas digitais, inclusive com sanções diretas a empresas que se recusassem a moderar conteúdos golpistas, criminosos ou antidemocráticos, tocou em um nervo exposto do sistema de poder norte-americano: o controle da infraestrutura informacional global.
A ofensiva legislativa e jurídica brasileira, impulsionada tanto pelo Executivo quanto pelo Supremo Tribunal Federal, ganhou forma com o novo marco regulatório das plataformas, que não apenas exigia responsabilidade das empresas pela disseminação de desinformação e discurso de ódio, mas também rompia com a lógica de imunidade absoluta das big techs, uma lógica construída e protegida há décadas a partir dos interesses de Washington, do Vale do Silício e da inteligência estadunidense.
O projeto brasileiro não nasceu isolado. Ele dialoga com movimentações semelhantes em países como a Índia, Indonésia, África do Sul e União Europeia. Mas o Brasil foi o primeiro da América Latina a propor uma regulação sistêmica, com instrumentos coercitivos e uma arquitetura institucional minimamente preparada para enfrentar a máquina digital do império. Isso fez do país um alvo imediato.
A pressão culminou numa aliança aberta entre o Departamento de Estado, o Congresso republicano, os CEOs do Vale do Silício e a direita brasileira no Congresso Nacional, cujo objetivo principal era frear a regulação, sabotar o projeto de soberania digital e, de quebra, desmoralizar as instituições brasileiras.
Mas essa aliança esbarrou em um problema de época: o bolsonarismo já não está no poder. Sem o controle do Executivo, e sem apoio majoritário no STF, o campo entreguista pode latir, mas não pode mais morder. A retaliação norte-americana, portanto, precisa vir de fora e vem: em forma de sanções, sabotagens diplomáticas, campanhas internacionais de desinformação e tentativas de estrangulamento comercial.
O que está em jogo não é apenas a regulação de plataformas. O que está em jogo é a definição de quem controla a infraestrutura simbólica, econômica e cognitiva da América Latina. E nesse embate, o Brasil ousou dizer não.
O tabuleiro de poder: Brics, ferrovia bioceânica e a nova arquitetura global
O que está em jogo é uma mudança estrutural na arquitetura do poder global, e o Brasil, sob a liderança de Lula, deixou de ser uma peça periférica para se tornar um ator central na reorganização do tabuleiro geopolítico do século XXI.
Três elementos fundamentais explicam por que o Brasil se tornou alvo direto da ofensiva norte-americana: o fortalecimento do BRICS como bloco de influência global, o avanço da integração regional por meio da Ferrovia Bioceânica e o papel estratégico do Brasil como elo entre o Atlântico e o Pacífico, entre o Mercosul e a Ásia, entre a América Latina e o Sul Global. Juntos, esses vetores representam uma ameaça real à hegemonia ocidental, pois apontam para um mundo em que o Brasil não apenas reivindica autonomia, mas começa a exercer liderança.
A ampliação do BRICS em 2024, com a entrada de países como Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes, consolidou o bloco como a maior coalizão geoeconômica do planeta, superando o G7 em paridade de poder de compra e reservas estratégicas. Mais do que isso, passou a representar um projeto concreto de governança global alternativa, com ênfase na multipolaridade e na soberania dos Estados. Nesse novo arranjo, o Brasil ocupa uma posição singular: diferentemente de Rússia ou Irã, não está sob sanções; diferentemente da Índia, não é ambíguo. O Brasil é uma democracia funcional, com estabilidade institucional, legitimidade internacional e capacidade de articulação política real no Sul Global. Lula, como figura histórica, consolidou-se como interlocutor de peso nesse rearranjo e passou a ser visto, pelos EUA, como um obstáculo e não mais como um parceiro.
Mas o movimento que mais alarmou Washington não foi apenas simbólico. Foi logístico, físico, concreto. A Ferrovia Bioceânica, que conectará o Porto de Santos, no Brasil, ao Porto de Ilo, no Peru, atravessando o território boliviano, representa o maior projeto de infraestrutura do continente em décadas, financiado com apoio chinês e impulsionado diretamente pelos governos do Brasil e da Bolívia. Essa ferrovia não é apenas um corredor comercial. Ela é uma alternativa ao Canal do Panamá, historicamente controlado pelos interesses dos EUA. Ela integra o continente com uma lógica soberana, rompendo a dependência das rotas marítimas sob vigilância norte-americana e criando um corredor atlântico-pacífico sob controle latino-americano.
É preciso dizer sem meias-palavras: essa ferrovia é um ato geopolítico de insubordinação. Ela simboliza uma América do Sul que deseja se libertar da tutela histórica de Washington e construir seus próprios caminhos, literalmente. E no centro dessa nova cartografia está o Brasil. Um Brasil que não mais se limita a responder à agenda de outros, mas que propõe, articula e executa projetos que redesenham o eixo do poder global.
Esse novo protagonismo incomoda porque funciona. Os Estados Unidos sabem que perder o controle informacional, comercial e logístico da América Latina significa perder a espinha dorsal de sua influência no hemisfério ocidental. Por isso, a crise atual não é circunstancial: ela é estrutural, profunda e irreversível. E o Brasil, agora, não pode mais ser ignorado ou manipulado como antes.
Os inimigos da pátria: a vassalagem como estratégia
Se a ofensiva norte-americana contra o Brasil se dá por fora, com tarifas, pressões diplomáticas, sabotagens e chantagens tecnológicas, por dentro ela conta com uma rede de aliados que há décadas cumpre o papel de atravancar qualquer projeto de soberania nacional. São parlamentares, empresários, juristas, lobistas, fundações “educativas” e think tanks financiados por interesses estrangeiros, que operam como filtros coloniais internos, prontos para atuar sempre que o Brasil ousa sair da posição de país submisso. Esses atores formam o que se pode chamar, com precisão histórica e sem romantismo, de a elite vassala do capital internacional.
A base bolsonarista no Congresso é hoje o principal instrumento dessa vassalagem. Incapaz de governar, sem comando do Estado nem articulação real com a sociedade, essa base opera como um cavalo de Troia legislativo: tenta bloquear a regulação das plataformas digitais, sabotar medidas econômicas que fortaleçam a indústria nacional e impedir qualquer tipo de reforma que reforce o Estado brasileiro diante das corporações transnacionais. Eles não têm um projeto de país, têm um manual de sabotagem.
Mas há algo novo neste ciclo histórico. Em 2025, essa elite perdeu sua arma principal: o controle do Executivo Federal. Sem Bolsonaro no poder, sem Paulo Guedes no Ministério da Economia, sem Ricardo Salles na destruição ambiental e sem Damares na máquina de manipulação religiosa, o projeto colonial interno perdeu tração institucional. O que resta a esses agentes é espernear, o que fazem diariamente com apoio de setores da mídia corporativa, do agronegócio exportador e dos conglomerados de comunicação dependentes da publicidade digital estrangeira.
É nesse ponto que a crise atual escancara sua verdadeira natureza: não é uma crise apenas entre Estados, mas entre projetos de nação. De um lado, há um projeto soberano, de integração sul-americana, reindustrialização, ciência pública, inclusão social e autonomia informacional. De outro, há um projeto de vassalagem eterna, que acredita que o Brasil só pode ser relevante se for obediente. Para essa elite, a liberdade econômica é sinônimo de dependência, e a liberdade de expressão é o direito irrestrito à desinformação manipulada por estrangeiros.
O bolsonarismo é, hoje, a ponta visível de um iceberg muito mais antigo: o colonialismo mental das elites brasileiras, que ainda sonham com um país sem povo, sem Estado e sem voz própria no mundo. Mas há um problema: o Brasil de 2025 não é mais o Brasil de 2019. A sociedade aprendeu. As instituições resistiram. A imprensa alternativa cresceu. E a liderança de Lula rearticulou o campo progressista com respaldo internacional inédito. O tempo da submissão automática passou e a reação de quem perdeu o comando é puro desespero disfarçado de patriotismo.
Neste cenário, os verdadeiros inimigos da pátria não estão em Washington. Estão aqui, sentados no Congresso, travestidos de democratas, mas prontos para vender o país em troca de likes, cargos e carteiras assinadas em fundações estrangeiras. São eles que mantêm o Brasil vulnerável por dentro e é por isso que a guerra por soberania, mais do que nunca, precisa ser travada em duas frentes: externa e interna. E sem piedade com os que traem a nação.
Os inimigos da pátria: a vassalagem como estratégia
A crise entre Brasil e Estados Unidos é, antes de tudo, a face visível de um dilema estratégico que confronta a política externa norte-americana desde o século XIX: a impossibilidade de tolerar qualquer autonomia real na América Latina. Desde a Doutrina Monroe (1823), os EUA se arrogam o direito de tutela sobre o continente, como se toda e qualquer tentativa de soberania ao sul do Rio Grande fosse uma afronta à sua “segurança nacional”. A história confirma: Getúlio Vargas, João Goulart, Salvador Allende, Evo Morales, Rafael Correa, Hugo Chávez, todos foram alvos de operações de desestabilização quando ousaram levantar a cabeça. Agora é a vez de Lula, com mais maturidade política, maior articulação internacional e um projeto de inserção global com raízes profundas no BRICS e no Sul Global.
O problema, para os EUA, é duplo. Primeiro: o Brasil não está sozinho. Ao contrário do que ocorreu em ciclos anteriores, Lula se move hoje em consonância com um mundo em transformação. A ascensão da China, a recomposição geoeconômica da Rússia, a fragmentação do poder europeu, a nova diplomacia africana e os acordos comerciais bilaterais entre países do Sul colocaram fim à hegemonia incontestável do dólar e à ideia de que só existe um modelo possível de desenvolvimento. Segundo: o Brasil tem o que o império mais teme, legitimidade democrática, estabilidade institucional e capacidade de articulação multilateral. É justamente essa combinação que torna Lula, e o Brasil sob seu comando, um inimigo tão perigoso quanto silencioso: ele representa a possibilidade concreta de uma alternativa.
É por isso que o império não negocia. Não se trata de divergências comerciais ou de tensões pontuais. Trata-se da manutenção de uma lógica mundial que exige dependência, vigilância e submissão. O Brasil que emerge agora, integrando corredores bioceânicos, redes energéticas regionais, sistemas de pagamento alternativos ao SWIFT e políticas de proteção digital e tecnológica, é inaceitável para Washington. Porque um Brasil soberano significa, em última instância, o início do fim da supremacia norte-americana no continente.
A retaliação vem em várias frentes. Tarifas, como as recentemente aplicadas; espionagem cibernética, como denunciado em relatórios sigilosos do Itamaraty; articulação com elites locais para sabotar a agenda do Executivo; pressão sobre as big techs para financiar opositores internos; e, sobretudo, a tentativa de reposicionar o Brasil como um “parceiro estratégico em risco”, uma expressão-código que justifica todo tipo de intervenção informal.
E o que torna a atual crise ainda mais dramática é o fato de que, diferentemente dos tempos da Guerra Fria, não há mais a ilusão da neutralidade. Hoje, o império não tolera sequer nuances. Ou está com ele, ou está contra ele. O Brasil, ao recusar-se a ser subalterno, escolheu o lado oposto. E Washington sabe disso.
Trump, nesse contexto, é apenas a face rude de uma política imperial que atravessa partidos, governos e administrações. Biden talvez usasse luvas. Trump usa porrete. Mas o objetivo é o mesmo: impedir que o Brasil se torne a potência que já tem todas as condições materiais de ser.
O verdadeiro alvo de Trump: Lula, não Bolsonaro
A narrativa oficial vendida por Washington e repetida sem pudor por setores da imprensa colonizada brasileira, sustenta que as recentes tarifas, retaliações e ataques diplomáticos dos Estados Unidos ao Brasil seriam uma resposta à condenação de Jair Bolsonaro e à suposta “insegurança jurídica” para ex-presidentes no país. É uma mentira conveniente. A verdade, cada vez mais evidente, é que Bolsonaro é apenas o pretexto. O verdadeiro alvo do império é Lula.
Trump não moveu sanções devido à Bolsonaro, ele está pouco interessado no destino pessoal de um lacaio descartável. O que ele quer é frear o ímpeto soberano do Brasil sob a liderança de um presidente que não se ajoelha, que confronta publicamente os interesses das big techs, que denuncia o bloqueio a Cuba e a Palestina nos fóruns internacionais, e que ousa reativar uma política externa altiva e ativa num momento em que os EUA mais precisam de submissão para manter sua ordem unipolar em colapso.
Ao contrário de Bolsonaro, que operava como um cão de guarda do Departamento de Estado dentro do Palácio do Planalto, Lula não apenas recuperou a autonomia diplomática do Brasil, como começou a moldar novos espaços de articulação internacional. Ao reforçar o BRICS, ao acelerar a integração da América do Sul, ao pressionar por uma moeda alternativa ao dólar, ao exigir das plataformas digitais responsabilidade jurídica, Lula não desrespeitou os EUA, ele fez pior: os ignorou como centro exclusivo do mundo.
É esse desprezo pelo protagonismo imperial que o establishment de Washington não perdoa. Para eles, não há crime maior do que a autossuficiência política de um país periférico. Por isso, Trump age com ferocidade: usa Bolsonaro como biombo, esconde seus interesses sob o manto do “respeito às instituições” e tenta justificar economicamente um ataque que é, na prática, geopolítico e ideológico.
A família Bolsonaro, com suas lives desesperadas, encontros secretos e tentativas de manter canais abertos com a extrema-direita estadunidense, sonha em voltar ao poder como fiadora dos interesses de Washington. Mas está isolada. Não controla mais o Executivo, não tem respaldo internacional, e mesmo no Congresso atua como tropa de sabotagem sem comando central. Sua utilidade para os EUA, neste momento, é apenas simbólica: são os idiotas úteis perfeitos para simular uma disputa interna num país que, na prática, já escolheu outro caminho.
E ainda que setores do sistema de justiça norte-americano usem a condenação de Bolsonaro como ferramenta de chantagem ou moeda de troca, o verdadeiro conteúdo da crise está em outro lugar: está no petróleo da margem equatorial, na rota bioceânica, na liderança no BRICS, na disputa informacional e na recusa de Lula em permitir que o Brasil volte a ser colônia.
Portanto, quando Trump impõe tarifas, ele não está punindo Bolsonaro, ele está ameaçando o Brasil. E é por isso que a resposta não pode ser institucional apenas. Ela precisa ser estratégica, comunicacional, pedagógica e intransigente: nós sabemos qual é o jogo. E não recuaremos um milímetro.
O Congresso, o STF e a batalha interna: o Brasil está dividido, mas o Estado ainda resiste
No front interno, o Brasil de 2025 é um país em disputa intensa. O Executivo liderado por Lula opera sob constante tensão com um Congresso majoritariamente capturado por interesses reacionários, enquanto o Supremo Tribunal Federal assume o papel inédito de guardião institucional da democracia e da soberania. O equilíbrio é frágil, os embates são diários e os vetores de desestabilização atuam como vírus: se multiplicam nos bastidores legislativos, nos gabinetes de lobistas e nos algoritmos das plataformas digitais.
O Congresso Nacional tornou-se o principal instrumento de sabotagem interna. Dominado por uma maioria fisiológica e ideologicamente entreguista, operando sob influência direta das big techs, de think tanks financiados por fundações norte-americanas e da bancada do agronegócio exportador, o Parlamento vem atuando para bloquear qualquer tentativa de regulação séria das plataformas digitais, proteger os interesses dos oligopólios transnacionais e enfraquecer os instrumentos de Estado que garantem a soberania tecnológica do Brasil. A resistência vem, majoritariamente, de fora dali.
Do outro lado da Esplanada, o Supremo Tribunal Federal, especialmente através da atuação de ministros como Alexandre de Moraes, vem desempenhando um papel decisivo — e incômodo para os EUA, na contenção da ofensiva informacional da extrema-direita. O STF se tornou, por força das circunstâncias, o principal campo de enfrentamento à lógica algorítmica do ódio e da desinformação, algo que incomoda profundamente Washington, que vê nessa jurisprudência brasileira uma ameaça ao modelo laissez faire que garante liberdade total às corporações digitais para moldar regimes, destruir reputações e financiar golpes.
Não é por acaso que parte da retaliação dos EUA tem como alvo dissimulado o Judiciário brasileiro. Reportagens e colunas “anônimas” em think tanks internacionais questionam a atuação do STF, acusando-o de censura, de autoritarismo, de judicialização excessiva. O objetivo não é jurídico, é estratégico: desmoralizar a única instituição que hoje, no Brasil, tem capacidade real de frear o poder político das plataformas digitais.
No meio dessa tensão institucional, Lula navega com habilidade histórica. Sem maioria congressual sólida, ele aposta na aliança com o STF, no apoio popular e na articulação internacional para isolar a extrema-direita e costurar avanços onde for possível. É uma governabilidade de trincheira, mas é governabilidade. E é, sobretudo, um contraponto real à lógica de colapso que muitos desejavam para o país em 2025.
A batalha interna, portanto, não é apenas política, é estrutural, informacional e institucional. Está em curso uma tentativa de golpe lento, legalista, algoritmizado. Não será com tanques. Será com PLs que travam regulações, com emendas que favorecem monopólios digitais, com decisões “técnicas” que mantêm o Brasil sob tutela invisível. Mas enquanto o STF resistir, enquanto o Executivo não recuar e enquanto a sociedade civil organizada mantiver seus canais de denúncia e mobilização, o Estado brasileiro continuará a existir como sujeito histórico e não como satélite colonial.
Exercício preditivo: cenários até 2026
Ao analisarmos o cenário atual com frieza, evidências concretas e densidade histórica, fica evidente que não haverá recuo de nenhum dos lados. O Brasil, sob Lula, não voltará à condição de colônia. Os EUA, sob Trump ou sob sua doutrina imperial permanente, não aceitarão perder a hegemonia sobre o continente. O conflito está posto. O que nos cabe agora é mapear os caminhos prováveis dessa confrontação.
Aqui estão três cenários estratégicos, todos baseados em movimentos já em curso, decisões já tomadas e estruturas materiais em disputa.
Cenário 1: Escalada e Ruptura Aberta
Neste cenário, o governo dos Estados Unidos intensifica a ofensiva contra o Brasil:
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Novas tarifas são impostas, atingindo setores-chave como tecnologia, agroexportações e até financiamento externo de infraestrutura;
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Empresas brasileiras com negócios nos EUA começam a sofrer pressão informal, via entraves regulatórios, sanções financeiras ou ataques especulativos;
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A Casa Branca pressiona o BID, o Banco Mundial e organismos multilaterais para bloquear linhas de crédito ao Brasil;
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A campanha internacional contra o STF e a regulação digital brasileira é ampliada, com participação direta de CEOs das big techs e lobistas em Washington;
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O Brasil responde com aproximação total ao BRICS, acelera acordos bilaterais com China, Índia e África do Sul, e formaliza o uso de moedas alternativas ao dólar em transações estratégicas;
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Lula assume o papel de liderança explícita da nova ordem multipolar em formação, com discursos cada vez mais duros contra o unilateralismo ocidental.
Resultado provável: ruptura diplomática parcial, polarização intensa no sistema internacional e intensificação do cerco interno por parte da direita brasileira. O Brasil vira exemplo — e alvo.
Cenário 2: Guerra Fria Institucional Prolongada
Este é o cenário de tensão crônica, sem ruptura aberta, mas com guerra híbrida permanente:
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Os EUA mantêm tarifas e pressão retórica, mas evitam atos extremos que configurem rompimento;
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As big techs operam por dentro: financiam campanhas, corrompem parlamentares, plantam narrativas anti-regulação e judicializam cada avanço;
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O Congresso brasileiro atua como trincheira do atraso, travando projetos estratégicos enquanto aprofunda a chantagem orçamentária;
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A extrema-direita se reorganiza em torno de uma frente institucional com um novo nome, menos ligado a Bolsonaro, mas funcionalmente alinhada aos EUA;
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A sociedade brasileira entra em estado de fadiga democrática, com desinformação massiva e um ambiente informacional tóxico.
Resultado provável: Lula governa sob resistência contínua, mas mantém o país minimamente articulado. O embate se arrasta até 2026, quando as eleições se tornam o novo palco de definição.
Cenário 3: Vitória Estratégica do Brasil no Sul Global
Este é o cenário de consolidação soberana, possível, mas que exige articulação tática de alto nível:
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O Brasil consegue impor a regulação das plataformas, ainda que com concessões;
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A sociedade civil se mobiliza com força, defendendo a soberania digital e econômica com base em campanhas educativas, comunicacionais e legislativas;
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O governo Lula expande a presença internacional brasileira com protagonismo em fóruns do Sul Global, reforça a bioceânica, integra novos mercados regionais e obtém vitórias diplomáticas;
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Os EUA, ocupados com crises internas e tensões asiáticas, recuam taticamente no continente, tentando reorganizar sua influência por vias não-estatais (ONGs, fundações, big techs, cultura);
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A imagem do Brasil se fortalece como modelo alternativo à dominação estadunidense na América Latina.
Resultado provável: consolidação do Brasil como eixo soberano e referência política internacional. Lula encerra o mandato como estadista global. A América do Sul volta a se articular em bloco.
Entre os três, o segundo é o mais provável no curto prazo, mas o primeiro e o terceiro são inteiramente possíveis (a depender da correlação de forças, da estratégia de comunicação, da mobilização popular e da firmeza institucional). O que está descartado, em qualquer hipótese, é o retorno à subserviência. A história não aceita marcha à ré em momentos de inflexão como este.
Conclusão: sem recuo não haverá neutralidade
Chegamos ao ponto em que as máscaras caíram, as ambiguidades se dissolveram e as palavras perderam o luxo da delicadeza. O Brasil está sob ataque. Não é mais uma disputa retórica entre modelos de sociedade. É uma guerra — híbrida, econômica, tecnológica, diplomática e simbólica, travada entre um país que ousa caminhar com as próprias pernas e um império que não admite deserções no seu quintal.
Os Estados Unidos declararam essa guerra não por meio de tanques, mas de tarifas, sabotagens informacionais e chantagens logísticas. Não usam fuzis, usam algoritmos, acordos comerciais, think tanks, CEOs e deputados colonizados. O objetivo é um só: impedir que o Brasil seja exemplo. Impedir que uma nação latino-americana, rica, plural, democrática e soberana, prove ao mundo que é possível existir fora da tutela imperial.
O governo Lula entendeu isso. E respondeu com coragem. Com uma política externa altiva. Com alianças estratégicas. Com projetos concretos de infraestrutura, regulação e integração regional. E sobretudo com a recusa firme em negociar a soberania nacional. Esse é o ponto sem retorno. E por isso, não haverá recuo.
O Brasil que resiste agora precisa compreender que não há mais espaço para neutralidade. A ideia de equilíbrio, de meio-termo, de diplomacia protocolar, virou disfarce para a omissão diante do avanço colonial. Ou se está com o projeto de nação, ou se está com os entreguistas. Ou se defende a soberania, ou se serve à dominação. Ou se luta por um futuro independente, ou se aceita um presente eternamente tutelado.
A ofensiva dos EUA não é episódica. Ela é estrutural. E vai continuar. Com Trump ou com Biden. Com mais ou menos verniz. Com mais ou menos ameaças abertas. Porque o que está em disputa não é o destino de um presidente, mas o lugar do Brasil no século XXI.
O povo brasileiro precisa saber que o que se joga agora não é só o preço do suco de laranja ou do aço nas exportações. O que está em jogo é o direito de existir como nação autônoma, com voz própria no mundo. E esse direito, como a história já ensinou, não se negocia. Se conquista. Se defende. E se afirma até o fim.
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FONTE: https://www.codigoaberto.net/post/a-guerra-comecou