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A guerra pelo medo: o que está em disputa no debate sobre segurança pública

Extrema-direita tenta transformar o luto em palanque e o medo em projeto de poder. Lula precisa responder com inteligência, não com pânico.

A semana promete ser explosiva. No rastro da operação no Rio, o Congresso se torna arena de guerra psicológica: a direita busca capitalizar a dor para impor seu punitivismo e reescrever a narrativa da segurança pública sob tutela militar. A reação do governo testará sua capacidade de governar com firmeza sem cair na armadilha do autoritarismo disfarçado de ordem.

O Brasil no fio da navalha

O Brasil acorda dividido entre a ânsia por segurança e o medo de repetir a história. A semana começa sob a sombra de uma operação sangrenta no Rio e de um Congresso inflamado, onde o discurso do medo tenta substituir o da razão. O tema da segurança pública, em vez de política de Estado, virou munição de guerra — e a extrema-direita sabe usar o caos como combustível.

A disputa não é apenas sobre polícia, crime ou leis. É sobre narrativa. De um lado, um projeto democrático que tenta consolidar a autoridade civil e reconstruir a confiança nas instituições. Do outro, uma máquina de propaganda que transforma tragédias em prova de fraqueza do governo. O país está no fio da navalha: um passo em falso e o medo vence de novo.

O medo como arma política

O medo é o motor invisível da extrema-direita. Ele não precisa de fatos, só de sensação. Um corpo estendido no chão já basta para incendiar o imaginário de uma nação. Da tragédia, eles extraem poder — e vendem a ilusão de que o autoritarismo é sinônimo de segurança.

O termo “narcoterrorismo”, importado de manuais norte-americanos de guerra híbrida, tornou-se o novo fetiche do discurso neocolonial: uma cortina de fumaça para justificar a militarização das periferias e a intervenção sobre o Estado civil. Quando o medo é fabricado, o inimigo é moldado. E, no Brasil, o inimigo perfeito sempre foi o pobre, o preto e o favelado.

É assim que o caos é convertido em narrativa e a narrativa em estratégia de poder. Por trás da retórica moralista e do punitivismo messiânico, o que está em jogo é o controle do aparelho coercitivo do Estado — e, com ele, o controle da própria democracia.

A ofensiva estratégica da extrema-direita

A extrema-direita sabe que perdeu o governo, mas não o palco. E é nele que pretende vencer. A estratégia desta semana é clara: transformar o Congresso em arena e o medo em espetáculo. Deputados bolsonaristas e seus satélites tentarão pautar o “pacote da ordem” — leis simbólicas, urgentes e midiáticas — para enquadrar o governo Lula entre a omissão e a rendição.

A tática é sincronizada. Nas redes, a máquina de desinformação amplifica vídeos de operações policiais e cria narrativas de “impunidade” e “abandono da população”. Nos bastidores, think tanks financiados por grupos ligados aos EUA e à ultradireita global pressionam por uma “reforma da segurança” que, na prática, reabre as portas da tutela militar sobre a política.

Cada manchete, cada votação e cada coletiva serão usadas como munição psicológica. A guerra da semana não é sobre segurança, mas sobre hegemonia: quem define o que é ordem — o Estado democrático ou o algoritmo da extrema-direita.

A armadilha para o governo

A tentação de reagir com força é grande — e é exatamente isso que a extrema-direita quer. Cada palavra atravessada, cada gesto intempestivo do governo será usado como prova de que o Estado perdeu o controle. Se o Planalto responder com impulsos e não com estratégia, legitima o enredo do inimigo.

O erro seria tentar “mostrar autoridade” copiando a retórica da repressão. A armadilha está aí: confundir firmeza com violência e governabilidade com autoritarismo. A extrema-direita não quer resolver a segurança; quer incendiar o país até que a democracia pareça inviável.

O governo precisa entender que, neste tabuleiro, a reação é a derrota. A resposta deve vir pela inteligência, pela integração e pela serenidade de quem sabe que segurança pública se faz com dados, não com fúria — com Estado, não com espetáculo.

O caminho da soberania e da inteligência

A força de um governo não se mede pelo número de corpos, mas pela capacidade de controlar o território sem perder a alma. O desafio do governo Lula é provar que segurança e democracia podem andar juntas — e que a autoridade civil é a única forma legítima de poder.

A resposta estratégica não está na retórica da bala, mas na arquitetura da inteligência. É hora de usar a máquina do Estado para integrar dados, rastrear fluxos financeiros do crime, fortalecer a perícia, investir em ciência forense e construir políticas de segurança baseadas em evidências. Um país soberano não precisa de tutores armados; precisa de instituições que pensem, planejem e previnam.

A segurança pública que interessa ao Brasil não é a da execução sumária, mas a da reconstrução da confiança entre povo e Estado. O governo deve enfrentar o medo com método, o ódio com política e a barbárie com razão.

A dimensão geopolítica do conflito

A guerra pelo discurso da segurança pública não termina nas fronteiras do Brasil — ela começa nelas. Desde que o país recusou o papel de colônia disciplinada, tornou-se alvo de uma estratégia internacional de contenção. A narrativa do “narcoterrorismo” e da “crise da segurança” é o novo cavalo de Troia da ingerência.

Por trás das pressões por “cooperação” e “combate ao crime transnacional”, há um projeto de reocupação geopolítica. Think tanks ligados a Washington e à OTAN operam para redefinir o Brasil como zona de instabilidade, abrindo caminho para sanções, espionagem e dependência tecnológica. A desordem interna é a justificativa externa para o controle.

A extrema-direita brasileira cumpre o papel de correia de transmissão dessa agenda. Sua histeria punitivista e seu desprezo pela soberania não são fruto do acaso, mas de alinhamento. Cada vez que o país se curva ao medo, reforça a arquitetura de submissão que o imperialismo chama de “assistência”.

A batalha pela alma da República

O que está em jogo esta semana não é apenas uma pauta de segurança — é o destino simbólico do país. A extrema-direita aposta no medo como método e na morte como linguagem política. Quer provar que o Estado democrático é impotente, que só o autoritarismo pode pôr ordem no caos que ela mesma fabrica.

Mas o Brasil já viveu sob o tacão da farda e da mentira. E aprendeu que nenhuma nação se torna segura quando o Estado volta suas armas contra o próprio povo. A verdadeira força de um país nasce do equilíbrio entre autoridade e liberdade, entre lei e dignidade.

A guerra pelo medo é, no fundo, uma guerra pela alma. E quem perder a razão, perde tudo. Cabe ao governo escolher o campo de batalha: o da barbárie, onde o inimigo dita o ritmo — ou o da inteligência, onde a democracia resiste e pensa.

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/a-guerra-pelo-medo-o-que-esta-em-disputa-no-debate-sobre-seguranca-publica