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A história da desigualdade no Brasil

A desigualdade no Brasil é uma das mais persistentes e profundas do mundo, como mostra o gráfico da Our World in Data que compara os coeficientes de Gini segundo duas fontes: o World Bank e o World Inequality Database. O Brasil aparece no canto superior direito do gráfico, o que indica níveis muito altos de desigualdade tanto nas medições com base no consumo (Banco Mundial) quanto na renda (WID), mesmo após impostos e transferências.

Raízes históricas da desigualdade brasileira

1. Escravidão e concentração fundiária (1500–1888)

O Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir oficialmente a escravidão, em 1888. Durante mais de 300 anos, a economia brasileira se sustentou em um modelo escravocrata que concentrava terra e renda nas mãos de uma pequena elite branca. Os ex-escravizados foram libertos sem qualquer reparação, terra ou inclusão social, o que criou um abismo estrutural de oportunidades.

2. República e urbanização excludente (1889–1930)

Mesmo com a chegada da república, a elite agrária manteve o controle político e econômico. O crescimento urbano nas décadas seguintes ocorreu de forma desorganizada, com favelas e bairros populares sem infraestrutura básica. Os serviços públicos – educação, saúde, saneamento – demoraram a se expandir para a maioria da população.

3. Industrialização sem inclusão (1930–1980)

A industrialização impulsionada por Vargas e, depois, pelo regime militar criou uma classe média urbana, mas manteve grandes bolsões de pobreza, especialmente no campo e nas periferias urbanas. O acesso à educação e à qualificação profissional ficou restrito, perpetuando a desigualdade de rendimentos.

4. Redemocratização e reformas tímidas (1988–2000)

Com a Constituição de 1988, o Brasil ampliou direitos sociais, como saúde e educação universais. No entanto, a carga tributária brasileira passou a ser regressiva: os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos que os ricos, o que limita o efeito redistributivo do Estado.

5. Melhoras recentes, mas desigualdade estrutural (2003–2023)

Nos anos 2000, políticas como o Bolsa Família, aumento real do salário mínimo e maior acesso ao ensino superior ajudaram a reduzir a desigualdade de renda. Mesmo assim, o Brasil continua entre os países mais desiguais do mundo, como mostra o gráfico, com Gini acima de 0,6 segundo o WID. A concentração de riqueza é ainda maior que a de renda: 1% dos brasileiros mais ricos detêm quase metade da riqueza nacional.

Interpretação do gráfico

O Brasil está entre os países com maior desigualdade, tanto na medida do World Inequality Database quanto na do Banco Mundial. Mesmo após transferências sociais e impostos, a desigualdade no Brasil continua extremamente alta, mostrando que o sistema tributário e as políticas públicas têm baixo efeito redistributivo. Outros países da América do Sul (como Peru) e grandes economias em desenvolvimento (como Índia e China) também apresentam altos níveis de desigualdade, mas o Brasil se destaca negativamente.

Conclusão:

A desigualdade brasileira tem raízes profundas na história escravocrata e se manteve com a concentração de terra, renda e acesso a oportunidades. O gráfico confirma que, apesar de avanços pontuais, o país ainda tem um dos piores desempenhos globais em distribuição de renda. Combater essa desigualdade exige reformas estruturais no sistema tributário, educacional e produtivo.

Aqui estão dados históricos relevantes sobre a desigualdade no Brasil, medidos principalmente pelo coeficiente de Gini (0 = perfeita igualdade; 1 = desigualdade máxima):

Série histórica do coeficiente de Gini no Brasil

Ano

Gini (renda ou domicílios)

1960

~0,5367

1970

~0,570

1976

~0,623

1985

~0,598

1989

Pico: ~0,636

1990

~0,614

1995

~0,600

1999

~0,594

2001

~0,596

2004

~0,572

2005

~0,570

2006

~0,563

2009

~0,543

2011

~0,529

2012

~0,526

2014

~0,515

2015

~0,514

2020

~0,489

2021

~0,529

2022

~0,520

2023

~0,518

2024

~0,506 (mínimo histórico)

Fontes:

Dados do Pnad Contínua / IBGE – série 2012–2024  . Ipea (1976–2007) mostrando variação entre ~0,623 e ~0,556  . Dados históricos (1960–2015) — Enciclopédia Wikipedia  . Ipea e Wikipedia confirmam queda de ~0,596 (2001) até ~0,518 (2014)  . Grande queda em 2020 (de ~0,535 para ~0,489) atribuída a auxílios emergenciais  . Em 2024 atingiu o menor valor já registrado: 0,506  .

Panorama histórico

Décadas de 1960–1980: aumento significativo da desigualdade — do Gini ~0,54 (1960) para um pico de ~0,64 em 1989, refletindo o modelo econômico excludente do “Milagre Econômico”  . Anos 2000: início de queda consistente: ~0,596 (2001) → ~0,570 (2005) → ~0,543 (2009)  . 2001–2005 ritmo rápido de queda (~5%) por políticas sociais  . 2010–2015: tendência de queda continuada até ~0,514, reforçada por transferências como Bolsa Família  . Crise de 2014–2019: reversão da queda; Gini voltou a subir até cerca de ~0,535, com aumento da concentração de renda em favor dos mais ricos  . Pandemia 2020: queda brusca — Gini em torno de ~0,489, o menor até então — graças aos auxílios emergenciais . 2021–2023: leve retomada até ~0,529 em 2021, depois nova queda para ~0,518 em 2023 . 2024: nova marca histórica — Gini em 0,506, resultado do mercado de trabalho inclusive e manutenção de programas sociais  .

Interpretação

O pico da desigualdade ocorreu ao final dos anos 1980 (~0,636). A mais longa e significativa redução ocorreu entre 2001 e 2014, com impacto direto das políticas sociais e valorização do salário mínimo. A crise econômica e recessiva de 2014–2019 freou os avanços, mas a pandemia reverteu isso com forte resposta fiscal. O valor de 0,506 em 2024 representa o nível mais igualitário da história brasileira, mas continua elevado comparado a outros países com alta inclusão.

FONTE: https://www.paulogala.com.br/a-historia-da-desigualdade-no-brasil/