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“A inteligência artificial vai aumentar ainda mais a desigualdade no Brasil”, diz a futurista Amy Webb

A futurista Amy Webb fala sobre os desafios que governos e empresas vão enfrentar na transição e alerta: “Preparem-se agora. Não dá para esperar”.

O ano de 2025 não será fácil, mas há motivos para otimismo. É o que diz Amy Webb, fundadora do Future Today Institute, figurinha carimbada do SXSW (South by Southwest), consultora de grandes líderes, autora de best-sellers como Os Nove Titãs da IA e aclamada como a maior futurista do momento.

Crítica do papel das big techs na sociedade, Amy diz que teremos agitação política e desinformação vindas dos Estados Unidos, além do prolongamento das guerras na Ucrânia e em Gaza, trazendo incertezas econômicas e flutuações de mercado. De outro, haverá avanços tecnológicos memoráveis, como novos medicamentos criados com ajuda da IA, desenvolvimento de máquinas que combinam células cerebrais e chips de silício, e evolução da edição genética em animais e plantas.

Sem falar nos indícios de que a AGI (sigla em inglês para inteligência artificial geral, uma IA que poderia se equiparar à inteligência humana) já está entre nós. Confira a seguir a conversa que Época NEGÓCIOS teve com Amy Webb durante passagem por São Paulo.

ÉPOCA NEGÓCIOS Quais são as principais tendências para 2025, na sua opinião?
AMY WEBB
 Esta é apenas a minha visão pessoal, mas acho que 2025 será um ano de muita agitação política, por causa dos resultados da eleição norte-americana. E haverá, provavelmente, mais desinformação, o que vai impactar todo o mundo. Pode haver algumas mudanças econômicas, e também flutuações no mercado, especialmente no começo do ano. E devemos lembrar que as guerras da Ucrânia e Gaza continuam. Pelo lado da tecnologia, no entanto, as notícias são boas. Acredito que estamos chegando a um ponto de inflexão com a inteligência artificial. Quando se atinge uma massa crítica de pessoas investindo, entendendo e usando a tecnologia, tudo começa a acelerar. À medida que as empresas realmente descobrem como usar a IA, avançam muito mais em suas aplicações. E, em 2025, também veremos muitos avanços na biotecnologia.

NEGÓCIOS Que tipo de avanços?
AMY 
A IA está facilitando a simulação de diferentes combinações para a descoberta de novos medicamentos. Como esse trabalho vem sendo feito há algum tempo, acho que em 2025 as empresas apresentarão alguns resultados. Mas é possível que demore um pouco para os remédios chegarem às farmácias, porque precisarão passar por testes clínicos. Veja bem, quando as pessoas falam comigo sobre IA e saúde, geralmente se concentram em médicos perdendo seus empregos para robôs mais rápidos e precisos. Mas eu não vejo dessa forma. Vejo a IA desbloqueando maneiras diferentes de tratar as pessoas, fazer cirurgias, curar doenças.

NEGÓCIOS Você falou sobre massa crítica de IA. Muitos especialistas acreditam que ainda estamos no começo.
AMY
 O que alcançou massa crítica foi a conscientização, pelo menos nos Estados Unidos. Meu pai, que tem 81 anos, está ciente de que a IA existe. Gente que nunca pensou em tecnologia de repente está interessada em IA. E há muitos jovens, especialmente universitários, usando a tecnologia diariamente. No Brasil, a situação provavelmente é diferente, porque a educação é desigual. E este é um ponto importante porque, em um futuro com IA, esse desequilíbrio poderá gerar uma população ainda mais dividida. Haverá pessoas que realmente entendem como usar a IA, o que vai mudar a sua perspectiva sobre trabalho e economia, e outras que nunca tiveram a chance de usá-la, o que as deixará ainda mais para trás. Isso pode ser um problema para o país.

NEGÓCIOS Em relação ao clima, vê algum movimento importante acontecendo?
AMY
 O que dá para dizer com certeza é que, no próximo ano, veremos mais desses eventos climáticos extremos, como as chuvas torrenciais em Valência, as inundações horríveis no sul do Brasil, os incêndios florestais em toda parte. E talvez ocorrências mais simples, mas ainda assim preocupantes: em 2024, pela primeira vez não houve neve no topo do Monte Fuji. Mas, respondendo a sua pergunta, não, governos e empresas não estão agindo e nem vão agir, porque o custo para fazer as mudanças necessárias é muito elevado. Alguns setores teriam que se transformar completamente, como a moda, por exemplo. E o uso de combustíveis fósseis teria que acabar. Essa é uma opinião bem controversa, mas acredito que uma boa solução seria recorrermos às usinas nucleares. Sei que, no passado, houve alguns acidentes horríveis. Mas estamos usando hoje mais energia do que jamais usamos, em parte por causa da IA. Precisamos gerar essa energia. E a energia nuclear é limpa.

NEGÓCIOS Você vê alguma solução para o desmatamento da Amazônia?
AMY
 Eu pensei em uma proposta bem interessante. As árvores da floresta levam muito tempo para crescer. E se usássemos biologia generativa para editar os genes das árvores e fazer com que elas crescessem dez vezes mais rápido do que crescem agora? Por um lado, talvez isso ajudasse a reflorestar a Amazônia mais rapidamente, resolvendo parte do problema. Por outro lado, talvez elas nunca parem de crescer. E aí você tem um problema totalmente diferente. Então precisaríamos pensar em uma solução para interromper o crescimento no momento certo.

NEGÓCIOS Já temos uma tecnologia capaz de fazer as árvores crescerem mais rapidamente?
AMY
 Sim. A tecnologia para edição genética em plantas já existe, e há várias empresas fazendo experiências nesse sentido. Não vejo por que não poderiam investir em uma edição que acelerasse o crescimento. Na minha opinião, devemos pensar em todas as soluções possíveis, em vez de apostar apenas na redução de emissões de CO2 – o que também é necessário, mas não será suficiente.

NEGÓCIOS Ainda em biotecnologia, como vê o avanço dos biocomputadores?
AMY
 Vejo com interesse. Neste momento, o mundo está faminto por IA. É complicado fabricar tantos chips, construir tantos data centers e ter eletricidade para alimentar todos os modelos. E o cérebro humano é muito poderoso. Então a proposta é construir um computador muito mais avançado, que não precise de tanta energia. Para isso usaríamos a corrente elétrica produzida pelo cérebro, além de suas células neurais. Sei que parece ficção científica, e ainda estamos longe disso, mas há experiências interessantes sendo feitas, como o DishBrain, da Cortical Labs. É plausível que, daqui a 25 anos, a IA possa nos ajudar a atingir um biocomputador completo.

NEGÓCIOS Você costuma dizer que somos a geração T, da transição, e que por isso temos uma responsabilidade sobre o futuro. Pode explicar?
AMY
 Ao longo da história da humanidade, tivemos alguns momentos de transição muito fortes: a descoberta do fogo, o surgimento do motor a vapor, a eletricidade. Eu acredito que estamos vivendo um momento como esse. Para mim, é muito empolgante, e sou grata por estar viva para assistir a tudo isso. Mas também é assustador. Porque é difícil pensar sobre o que está do outro lado. Eu me preocupo com o que vai acontecer quando as pessoas perderem seus empregos, em como isso pode gerar mais desigualdade. Os governos têm a responsabilidade de se preparar. O governo brasileiro precisa pensar em como vai ser essa transição, porque a economia do Brasil é baseada em tecnologia do século passado, indústrias do século passado.

NEGÓCIOS E os donos de empresas, qual a responsabilidade deles?
AMY
Os líderes das empresas de tecnologia estão tomando decisões hoje que terão implicações sérias no futuro. O problema é que os líderes respondem ao mercado, e o mercado não se importa com o futuro. Há um incentivo financeiro para prestar atenção apenas ao presente. É isso que gera o que eu costumo chamar de Ciclo Vicioso dos Líderes.

NEGÓCIOS O que é esse ciclo?
AMY
 Eu trabalho com IA há 15 anos. Mas levou muito tempo para eu conseguir que líderes empresariais se interessassem pela tecnologia, porque eles não sentiam um senso de urgência. Quando parece não haver pressa, é comum que o CEO decida esperar. Daí, em algum momento, percebe que demorou demais e terá que tomar decisões sob pressão. E acabam sendo decisões ruins. Isso acontece o tempo todo. Estamos em 2024. Cada empresa deveria, no mínimo, entender quais são seus dados. Que dados a empresa tem? Onde eles estão? O que é possível fazer com eles? Esperar pode ser fatal.

NEGÓCIOS Há quem diga que devemos capacitar profissionais que vão perder o emprego para trabalhar com IA. O que acha disso?
AMY
 Eu acho que capacitar nem sempre é a melhor opção. Vou dar um exemplo. Eu sei que vocês ainda têm muitos mineiros no Brasil. Pessoas que passaram a vida inteira fazendo isso e acumularam conhecimento. Por causa das questões ambientais, o trabalho dessas pessoas pode desaparecer. O que você deveria fazer? Dar cursos de programação? Isso não faria nenhum sentido. É muito melhor encaminhar essas pessoas para indústrias nas quais possam fazer uso das suas habilidades. Em relação à IA, é a mesma coisa. Não se deve jogar fora aquilo no qual o profissional trabalhou durante anos. Nem todo mundo precisa aprender a trabalhar com IA. Talvez seja melhor encaminhá-lo para setores onde suas capacidades atuais possam ser aproveitadas.

NEGÓCIOS Como será a IA em cinco, dez anos? Acredita que chegaremos à inteligência artificial geral (AGI)?
AMY
 Eu acho que isso já aconteceu. Depende do que você entende por AGI. A definição mais usada é a da Stanford University [Em resumo: “Trata-se de uma inteligência artificial capaz de realizar bem qualquer tarefa intelectual da qual o ser humano é capaz”.] Se você olhar para o Google DeepMind, eles estão desenvolvendo máquinas que, para mim, atendem a alguns dos critérios estabelecidos pela universidade. Mas, no final das contas, isso não importa. No mundo da tecnologia, as pessoas adoram rotular as coisas.

FONTE: https://epocanegocios.globo.com/tecnologia/noticia/2025/01/a-inteligencia-artificial-vai-aumentar-ainda-mais-a-desigualdade-no-brasil-diz-a-futurista-amy-webb.ghtml