Aliança entre Rússia, China e Brasil fortalece o BRICS, desmonta ilusões pró-imperialistas e projeta um novo equilíbrio global, escreve José Reinaldo.
247 – A recente cúpula realizada no Alasca entre Vladimir Putin e Donald Trump e a subsequente reunião do inquilino da Casa Branca com o presidente ucraniano e líderes europeus, serviram como catalisadores para diferentes interpretações sobre a conjuntura política internacional, reacendendo antigas polêmicas. Alguns setores insistem em enxergar os acontecimentos em curso como a prova de que os Estados Unidos ainda comandam os rumos do planeta e seguem inamovíveis no seu papel de ordenador da ordem mundial.
No entanto, a realidade é outra. Os fatos demonstram que a multipolaridade já é fato consumado. O tema central dos eventos dos últimos dias foi a guerra na Ucrânia e a busca da paz, mas o verdadeiro pano de fundo foi o reposicionamento de forças, revelando novos protagonistas no cenário mundial em que os EUA já não ditam sozinhos os destinos da humanidade.
EUA já perderam a hegemonia absoluta
Durante o século 20, os Estados Unidos construíram uma supremacia militar, financeira e cultural que parecia incontestável. Essa hegemonia atingiu seu auge após a queda da União Soviética, quando Washington se permitiu ditar regras ao resto do planeta com suas guerras preventivas e “punitivas” sob falsos pretextos, contra o Iraque, a Iugoslávia, o Afeganistão, a Líbia, entre outros, enquanto promoviam desenfreada expansão militarista da Otan rumo às fronteiras russas e intervinham com sanções, bloqueios, golpes e ingerências em países da América Latina. Não cabem ilusões de que o imperialismo diminuirá ou cessará suas estratégias agressivas, mas o tempo em que mandava e desmandava no mundo acabou. A multipolaridade não é mais promessa, mas realidade.
A cúpula de Anchorage evidenciou essa transformação. O fato de a Rússia ser parte indispensável em qualquer negociação sobre a Ucrânia demonstra que Moscou deixou de ser tratada como inimigo a ser isolado, derrotado até ao ponto da fragmentação e “mudança de regime” para se afirmar como polo de decisão. A mudança não é fruto de generosidade de um “imperialismo benigno”, mas da mudança de correlação de forças. É um curvar-se ante a força dos fatos. Ao contrário do que sustentam vozes nostálgicas do imperialismo, Trump não tem mais o poder de impor unilateralmente a vontade dos EUA. O mundo já não se submete à lógica do “destino manifesto” estadunidense.
O “superpoder imbatível” dos EUA é um mito
Outro argumento equivocado é o de que Trump poderia, com seu “superpoder”, anular a transição em curso e restaurar a velha ordem unipolar. Tal interpretação é fruto de uma leitura distorcida e desconectada da realidade, que corresponde à quimera com que o bilionário se elegeu para o segundo mandato: “Fazer a América grande de novo”.
A multipolaridade é produto da força dos fatores objetivos: a potência econômica chinesa, sua estabilidade política, capacidade de influência via cooperação multilateral intensa e um novo tipo de assertividade, plasmado nas Iniciativas Globais – de Desenvolvimento, Segurança e Civilização, lançadas por Xi Jinping, presidente da República Popular e secretário-geral do Partido Comunista da China; o poder energético e militar, e o nacionalismo da Rússia; a concertação política do BRICS; a emergência de países do Sul Global e a recusa crescente de nações inteiras a se submeter às imposições de Washington. Nenhum líder norte-americano, por mais populista ou agressivo que seja, pode frear ou reverter este processo histórico.
A política mundial contemporânea se reorganiza em torno de redes de cooperação que já não podem ser desfeitas. A China e o Brasil, com a posterior adesão da África do Sul, por exemplo, apresentaram uma proposta para a paz na Ucrânia, defendendo respeito à soberania, diálogo e segurança coletiva. Isso mostra que o destino do planeta não é decidido em Washington, mas em múltiplos centros de poder.
Portanto, acusar os defensores da multipolaridade de “ingênuos” ou “apressados”, é inverter a realidade. Ingênuos são aqueles que ainda acreditam que os Estados Unidos podem, sozinhos, ditar os rumos da humanidade.
É falso que a relação EUA-Rússia anula a aliança Moscou-Pequim
Após a cúpula, alguns analistas chegaram a sustentar a tese de que Putin e Trump selaram uma parceria que fragiliza a aliança estratégica com Pequim. Nada mais equivocado.
A estabilidade da cooperação entre Rússia e China não foi afetada pelas conversações de Anchorage. Moscou e Pequim mantêm uma parceria estratégica abrangente, que vai da energia à ciência e tecnologia, passando por segurança e defesa. A ideia de que uma aproximação pontual com Washington poderia destruir essa relação é simplista e desconsidera os interesses estruturais de ambas as nações. Trata-se de uma falha interpretativa que demonstra desconhecimento da realidade e o desprezo ao método dialético, cuja essência é a unidade e a luta entre contrários e a eclosão do novo pelo moto-perpétuo das transformações. A visão estreita não percebe que ao dialogar com Washington, Moscou não abandona seus aliados, pelo contrário, o que faz é afirmar-se como potência capaz de dialogar com todos os polos sem romper com aqueles.
A Rússia não traiu o BRICS nem o Sul Global
Outra opinião falaciosa é a de que Moscou teria “traído” o BRICS e o Sul Global ao sentar-se à mesa com os Estados Unidos. Este argumento ignora completamente a prática política do Kremlin.
Após o encontro, Putin ligou pessoalmente para Lula, Modi, Ramaphosa e líderes de seu entorno na Ásia Central para informá-los sobre o conteúdo das negociações. A Rússia não esconde nada de seus parceiros estratégicos, tampouco toma decisões à revelia do BRICS. Ao contrário, fortalece os vínculos de confiança ao compartilhar diretamente as informações.
A Rússia continua sendo uma das colunas centrais da multipolaridade. É a Rússia que, ao resistir às pressões da OTAN e defender sua soberania, abre espaço para que o Sul Global atue com mais autonomia. O BRICS não é um adereço para a Rússia, mas parte essencial de sua política internacional.
Sob a liderança de Lula, o Brasil é protagonista
Dizer que o Brasil é irrelevante na cena internacional é desconhecer a diplomacia contemporânea. Sob a liderança de Lula, o país voltou a desempenhar papel central. Prova disso é o reconhecimento explícito de Putin ao trabalho brasileiro no grupo de paz para a Ucrânia, conduzido em parceria com a China.
Lula é, ao lado de Xi Jinping e Vladimir Putin, um dos grandes artífices da multipolaridade. Sua habilidade em dialogar com diferentes blocos confere ao Brasil papel único ao abrir canais de diálogo para a paz e a cooperação econômica.
O país é hoje voz ativa em organismos multilaterais, atua pela democratização do Conselho de Segurança da ONU e defende a integração latino-americana no âmbito da Celac. Tudo isso reforça a centralidade brasileira no novo equilíbrio global.
Uma falha precisa ser urgentemente corrigida. O Brasil pode e deve cessar a hostilidade e o desdém para com a Venezuela, aliado estratégico indispensável, um país vizinho, fraterno, solidário e sempre disposto à parceria estratégica.
Por outro lado, a extrema direita é entreguista e vassala
Neste contexto, chama atenção a postura do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que chegou a afirmar que o Brasil deveria “ceder uma vitória a Trump” ajudando a derrotar a Rússia. Essa fala é, além de diplomática e estrategicamente absurda, um ato de subserviência colonial.
Ao sugerir que o Brasil deveria alinhar-se à estratégia do imperialismo estadunidense no momento em que este exerce pressão máxima contra o País, com seguidos intentos de violação da soberania, Tarcísio trai o interesse nacional. Subordinar o país a um projeto bélico de Trump significaria renunciar à independência e à multipolaridade, colocando o Brasil na contramão de sua história.
Multipolaridade e luta anti-imperialista
O encontro no Alasca e suas repercussões deixam uma lição inequívoca: o mundo não pode mais ser explicado pela lógica da hegemonia absoluta dos Estados Unidos. Vivemos uma era de consolidação da multipolaridade. Rússia, China e Brasil, juntos no BRICS, são protagonistas dessa nova configuração de forças. Seus esforços apontam para um sistema internacional baseado em cooperação, respeito à soberania e busca pela paz. A luta anti-imperialista já não é bandeira marginal, mas prática concreta e luta central, estratégica e tática, que orienta a política de dezenas de países.
A mobilização e a união dos povos do mundo contra a dominação imperialista não são apenas necessárias, mas inevitáveis. A multipolaridade é uma ferramenta estratégica para que a humanidade conquiste um futuro de equilíbrio, justiça e paz duradoura. O imperialismo não é invencível, será derrotado.
FOTOS: Fernando Frazão/Agência Brasil // Kremlin
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/a-multipolaridade-tomou-forma-e-seus-lideres-sao-lula-xi-e-putin#google_vignette