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A nova farsa norte-americana

O governo de Donald Trump retoma a estratégia da mentira como argumento para o uso da força contra outro país. A vítima da vez é a Venezuela.

A história dos ataques dos Estados Unidos a outras nações revela um padrão criminoso: governos norte-americanos, ao longo de décadas, recorrem a narrativas distorcidas – ou abertamente falsas – para justificar intervenções militares contra outros povos. O episódio do Golfo de Tonkin, em 1964, é emblemático: o governo do então presidente Lyndon Johnson afirmou que destroieres norte-americanos haviam sido atacados pelos vietnamitas, fato que autorizaria a escalada da Guerra do Vietnã; décadas depois, ficou comprovado que o ataque nunca ocorreu.

Em 2003, o governo de George W. Bush repetiu o roteiro de mentiras ao divulgar que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa em seu território. Inspeções posteriores provaram que o Iraque não tinha tais arsenais, mas a mentira já havia mergulhado o país no caos. Pouco mais de uma década antes, em 1990, durante a Primeira Guerra do Golfo, a história das supostas incubadoras com bebes que teriam sido arrancadas por soldados iraquianos no Kuwait mobilizou a opinião pública mundial – provou-se falsa. A jovem que relatou o episódio era filha do embaixador do Kuwait nos EUA, e o depoimento, como se comprovou, fora produzido por uma agência de relações públicas.

Outros casos completam essa lista de manipulações da opinião pública: a explosão do USS Maine, usada para justificar a guerra contra a Espanha em 1898, provavelmente foi um acidente; a Operação Northwoods, nos anos 1960, mostrou que setores do governo chegaram a propor atentados de falsa bandeira para culpar Cuba; golpes fomentados pela CIA na Guatemala, em 1954, e no Chile, em 1973, foram encobertos por discursos sobre “defesa da democracia”, enquanto interesses econômicos – como os da United Fruit – e a geopolítica regional estavam por detrás das operações. Em Granada, no Panamá ou mesmo no México do século XIX, o recurso à mentira serviu para sustentar ações de força que depois se revelaram desprovidas de verdade.

E, agora, o governo de Donald Trump retoma a estratégia da mentira como argumento para o uso da força contra outro país. A vítima da vez é a Venezuela. A retórica descreve o país como “narcoestado”. Ainda que possam existir figuras venezuelanas ligadas ao tráfico, não se sustenta a narrativa, na dimensão apresentada por Washington, de relacionar Nicolas Maduro com as organizações criminosas. Da mesma forma que seria incorreto relacionar o presidente norte-americano com os seus compatriotas que vivem do narcotráfico, pois que eles existem, existem. Além do fato de a Venezuela não ser considerada um grande produtor de cocaína.

A acusação funciona como ferramenta política para justificar operações clandestinas, presença militar no Caribe e planos de ataques seletivos sob o pretexto do combate ao narcotráfico. Paralelamente, medidas econômicas de grande impacto, como tarifas punitivas e o bloqueio de operações petrolíferas, mostram que o eixo central da disputa não é apenas moral ou de segurança. A verdade está no fato de a Venezuela deter as maiores reservas de petróleo do mundo, e no desejo norte-americano de reordenar o mercado energético global e de recuperar influência geopolítica na América Latina.

O padrão se repete: primeiro constrói-se a narrativa; depois, busca-se a legitimação pública da intervenção; por fim, redesenham-se os interesses estratégicos. No caso venezuelano, é difícil ignorar que o petróleo ocupa o lugar que outrora foi do “comunismo”, das “armas inexistentes” ou das “agressões fabricadas”. O discurso da ameaça serve como cortina para a verdadeira disputa – econômica e geopolítica.

A pergunta que se impõe, diante desses precedentes, não é se a Venezuela representa um perigo real aos Estados Unidos, mas o que o governo Trump tem a ganhar ao fabricar esse perigo. A resposta parece antiga, conhecida e repetida: petróleo, poder e controle.

FOTO: U.S. Navy photo by Mass Communication Specialist 2nd Class Jackson Adkins 

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/a-nova-farsa-norte-americana