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Afrouxamento das regras ambientais vai bater no Supremo, que poderá nos salvar mais uma vez

O afrouxamento das regras de licenciamento ambiental desmonta um arcabouço protetivo avançado.

Definitivamente, quase ninguém nas estruturas de poder – especialmente no Executivo no Legislativo e nas grandes corporações privadas – preocupa-se de fato com o meio ambiente. O compromisso ambiental e com a sustentabilidade cai muito bem nos discursos em que os atores pretendem demonstrar sintonia com a contemporaneidade científica, posar de modernos. Ao primeiro sinal de prejuízo político paroquial, abandonam os pudores ambientalistas.

A teratológica Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2.159 / 2021), aprovada no Senado na quarta-feira 21 de maio, é fruto da mentalidade canhestra de parlamentares, sempre suscetíveis a lobistas de setores ou empresas ocupadas exclusivamente de seus lucros imediatos. A despeito de o projeto, em sua versão atual, ser relatado pela “musa do veneno” e ex-ministra da Agricultura bolsonarista Tereza Cristina (PP-MS), a interferência de parlamentares governistas nos debates foi, no mínimo, tímida.

O afrouxamento das regras de licenciamento ambiental – seja para obras de infraestrutura, exploração do subsolo ou desmatamento com fins agrícolas ou pecuários – desmonta um arcabouço protetivo avançado, até modelar, consolidado desde a criação do Ibama, em 1989, e do ICMBio, em 2007, e instrumentalizado mediante a reforma do Código Florestal, em 2012 , a Lei dos Crimes Ambientais, em 1998, o Estatuto das Cidades, em 2001, a Lei da Mata Atlântica, em 2006, e a Lei da Biodiversidade, em 2015.

A COP30 bate às portas. As lideranças globais ocupadas do futuro do planeta não darão a mínima para o fato de o presidente Lula estar amarrado ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, fiador da nova lei de licenciamento ambiental. Tampouco lhes comoverá o tanto que a exploração de petróleo na Margem Equatorial trará de ganhos econômicos à Petrobras e ao Brasil.

Os sinais são de que, mais uma vez, restará ao Supremo Tribunal Federal nos redimir. O caminho desenha-se com a Câmara ratificando o PL 2.159, o presidente Lula aplicando-lhe vetos pontais pouco relevantes, os quais, se antes combinados com o Parlamento, não serão derrubados. A nova lei será contestada no STF, pois infringe o artigo 255 da Constituição (“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado…”).

Ouvido na sexta-feira 23 pela coluna, o constitucionalista Pedro Serrano avaliou que o tema pode, sim, ser apreciado pelo Supremo. “Em princípio, o direito à preservação ambiental é um direito fundamental, um direito da comunidade e um direito constitucional. Caso essa nova regra de licenciamento demonstre-se ofensiva à preservação ambiental além do limite necessário para equilibrar desenvolvimento e meio ambiente, o STF pode intervir, sim”, explicou-nos Serrano.

De tudo isso, o que mais impressiona é a incapacidade de governantes, parlamentares e empresários perceberem o quanto a devastação ambiental já compromete a vida humana, aproximando o planeta do ponto de não-retorno.

As regras para concessão de licença ambiental precisam ser duras, detalhistas, criteriosas, não genéricas e tolerantes. É a vida humana futura que está em jogo. Quando se desmata para plantar soja, para o gado pastar, para construir uma estrada ou extrair um minério do subsolo, pode-se estar não apenas comprometendo o futuro, mas patrocinando catástrofes iminentes.

“A cobertura vegetal tem uma importância fundamental na precipitação e na temperatura. Nas últimas décadas, é notável – e isso está publicado, são dados observáveis – como a chuva está diminuindo na maior parte do Brasil, com exceção da região Sul, e como a estação chuvosa está se tornando cada vez mais curta”, observou à coluna Marcelo Seluchi, coordenador de Operações do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Desastres Naturais), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. “De uma floresta tropical evapora quatro vezes mais umidade que de uma área de pastagem. Para ter chuva, é preciso fonte de umidade. Nós estamos diminuindo as fontes de umidade. Eu imagino que a lei que está sendo aprovada agora facilita o desmatamento – isso é uma coisa terrível”, afirma.

“Precisamos de uma atividade agropecuária, pois  precisamos comer, e é praticamente impossível uma atividade agropecuária que não impacte em nada o meio ambiente. Agora, a pergunta é: onde está a linha ideal do custo-benefício? Hipotecar o futuro, hipotecar o planeta para ter um conforto agora é no mínimo criticável.

Onde está a linha do bom senso?”, questiona Seluchi.

A linha do bom senso, certamente, não está no Congresso Nacional.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/afrouxamento-das-regras-ambientais-vai-bater-no-supremo-que-podera-nos-salvar-mais-uma-vez