Desmonte da companhia praticado por Temer e Bolsonaro teve influência direta no aumento do preço dos alimentos; governo Lula demora há dois anos na retomada
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) enfrenta uma grave crise, resultado do desmonte promovido pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, que impactou diretamente os preços dos alimentos. Em uma década, os estoques públicos de alimentos diminuíram em 96% na média anual, considerando seis tipos de grãos diferentes. Desde 2016, a nova matriz econômica adotada pelos ex-presidentes abandonou a política de estoques reguladores. Essa estratégia, que priorizava atender a demandas de mercado e aliados em detrimento do consumidor, resultou na drástica redução dos estoques.
A queda nos estoques é atribuída às administrações de Temer e Bolsonaro, embora indícios dessa política já fossem visíveis no segundo mandato de Dilma Rousseff. A Conab, vinculada ao Ministério da Agricultura, tem como função regular o mercado agrícola, monitorar safras e preços, e executar políticas de garantia de preços mínimos. Além disso, apoia a agricultura familiar e facilita a distribuição de produtos agrícolas, especialmente em situações de emergência.
Para os governos liberais, a manipulação dos preços, como a venda de grãos estocados, é considerada inaceitável. O liberalismo vê o preço como um componente essencial do sistema econômico, e a crise fiscal do Estado brasileiro torna inviável o investimento em estoques reguladores. A Conab adquire produtos apenas quando os preços de mercado caem abaixo do preço mínimo, beneficiando os produtores ao evitar quedas drásticas nos preços.
Especialistas alertam que a baixa nos estoques é uma decisão governamental que reflete uma política liberal, deixando os preços à mercê da oferta e da demanda do mercado. O professor José Guilherme Vieira, da Universidade Federal do Paraná, ressalta que os estoques poderiam ser utilizados para proteger os produtores e controlar os preços, especialmente em momentos de alta, como o que se observa atualmente com o arroz.
O Boletim Especial do Dieese já havia sinalizado a problemática, informando sobre o fechamento de 27 armazéns da Conab, que desempenhava um papel crucial na mitigação da carestia alimentar. Gustavo Monteiro, economista, destacou que a Conab foi criada para momentos de crise, mas sua diminuição impede que a população tenha acesso a alimentos a preços mais acessíveis.
Em entrevista, o presidente Lula enfatizou a importância da conscientização do consumidor sobre os preços. Ele ressaltou que, se as pessoas deixarem de comprar produtos caros, os vendedores terão que reduzir os preços para não perder vendas. Lula também criticou a irresponsabilidade do Banco Central em relação à alta do dólar, que afeta diretamente os preços dos alimentos. Tal declaração foi muito mal recebida pela população, já que não há formas de “boicote” quando todos os ítens estão em alta.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comentou sobre a propagação do aumento dos preços dos alimentos, destacando que o dólar e a estiagem contribuíram para essa situação. Ele se mostrou otimista em relação à safra deste ano, que pode ajudar a estabilizar os preços.
Para governo fazer a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) voltar a ser mais ativa nas operações com estoques reguladores, como prometido na campanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai ter que achar um jeito de driblar a lei que foi criada por ele mesmo ainda no primeiro ano do seu primeiro mandato, em 2003. Essa legislação impede que, toda vez que os produtos agrícolas estiverem acima do preço mínimo fixado, haja compras para formação de inventários.
Na prática, o armazenamento público servia para que os produtos fossem desovados no mercado, via balcão ou leilões, controlando a disparada dos preços e garantindo renda aos pequenos produtores. Produtos como soja, milho e trigo, por exemplo, com valorizações internacionais já antes da guerra na Ucrânia, estão muito acima do valor mínimo fixado. O resultado é que praticamente não há estoques, além de outros alimentos básicos para a população, como arroz, feijão e café.
A Conab também pode abrir leilão de compras, como o de milho conduzido recentemente, desde que as ofertas não ultrapassem o preço mínimo. No entanto, junto com a privatização de 19 armazéns pelo governo Bolsonaro, a Conab pouco atuou no mercado, deixando para a economia privada a responsabilidade de regular os preços.
Lentidão
Por outro lado, a nova administração ainda enfrenta desafios na recuperação dos estoques reguladores. Apesar das promessas, a política de retomada dos estoques está avançando lentamente, com muitos itens zerados no final de 2024 (veja gráficos ao final). A falta de estoques governamentais para controlar os preços fez com que os aumentos se tornassem uma realidade, resultado direto do desmonte da Conab durante o governo Bolsonaro.
E o controle dos preços passou a ser feito pelo agronegócio. Como os empresários conseguem obter mais lucro vendendo a produção para outros países, devido à alta do dólar, o mercado nacional acaba ficando desabastecido. E, com isso, os preços internos dos alimentos sobem. A comparação entre os estoques de arroz em anos anteriores evidencia a gravidade da situação: de 944 toneladas em 2013 para apenas 22 toneladas em 2020.
A falta de estoques governamentais compromete o apoio a programas sociais essenciais para milhões de brasileiros que vivem na pobreza. O controle de preços passou a ser dominado pelo agronegócio, onde a alta do dólar favorece as exportações, deixando o mercado interno desabastecido e elevando os preços dos alimentos.
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FONTE: https://dsrnewsbr.wordpress.com/2025/02/16/alta-dos-alimentos-conab-continua-em-crise-mesmo-apos-anuncio-de-retomada-dos-estoques-reguladores/