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“Backfire” das big techs

Ao mirar Moraes, big techs podem ter cruzado uma linha que escancara sua submissão a Trump e ameaça a soberania jurídica brasileira.

Nessa disputa Trump vs. Lula, somente os desavisados ou aqueles que pretendem distorcer a realidade propositalmente, desvirtuando informações e deturpando os fatos nesse novo mundo de pseudoespecialistas e “influencers”, acreditam cegamente – ou fazem acreditar – que este embate se dá em razão do julgamento do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro.

O julgamento de Bolsonaro é apenas um pano de fundo para encobrir o real objetivo do governo estadunidense, qual seja: a proteção dos interesses financeiros e políticos das “big techs”. Basta rememorar a recente posse do presidente Trump, em que, pela primeira vez, como o mundo pôde assistir, os CEOs dessas gigantes da tecnologia tiveram lugar cativo e de destaque. Não se trata, portanto, de um embate político entre bolsonaristas e o Judiciário brasileiro. Longe disso.

Estrategicamente, o governo Trump vem apostando nas “big techs” em detrimento de outros setores da economia, inclusive gigantescos para os norte-americanos, por dois grandes motivos escancaradamente expostos, quais sejam: o financeiro e o eleitoral, no qual um fala tão alto quanto o outro, sem gradação explícita de importância.

Diferentemente de outras áreas da economia americana, essas gigantes da tecnologia são líderes mundiais, com ampla margem de folga comparada a empresas de tecnologia de outros países, e representam significativa fonte de desenvolvimento financeiro-econômico para o país. Esse setor, extremamente competitivo, é visto como fator indispensável para a manutenção da liderança econômica mundial nas próximas décadas, hoje fortemente ameaçada pela China.

Logo após a vitória eleitoral de Trump, intensificou-se a aproximação das big techs com os republicanos. Se, por um lado, o governo afrouxou a regulamentação do setor, reduzindo os processos antitruste e aumentando a liberdade para fusões e aquisições, incrementando os contratos governamentais e os incentivos estatais para o setor, por outro, concedeu às gigantes da tecnologia a tão cobiçada moderação de seu conteúdo, resultando em posturas muito menos rígidas no combate à desinformação e ao discurso de ódio.

É assim, portanto, que as “big techs” se tornaram um importante braço político e eleitoreiro dos republicanos. A ausência ou o controle ineficiente das plataformas digitais, com o pretexto de atendimento ao princípio da liberdade de expressão, é um terreno fértil para a desinformação vertiginosamente propagada e para a disseminação do discurso de ódio calcado em preconceitos e discriminações. Nesse cenário, os republicanos e a extrema direita mundial, melhor do que ninguém, trabalham com a desinformação e a secessão social.

No Brasil, particularmente, o processo é justamente o inverso. No entanto, se a restrição e intensificação do controle das “big techs” não ocorrem propriamente pela legislação federal, tampouco pela atuação do Congresso Nacional, elas se dão perante o Poder Judiciário.

O Supremo Tribunal Federal vem impondo sucessivas derrotas aos interesses das “big techs”, e a mais acachapante delas, sem sombra de dúvidas, é a recente decisão, em meados deste ano, que julgou parcialmente inconstitucional o art. 19 do Marco Civil da Internet. Os ministros do STF endureceram as responsabilidades das gigantes de tecnologia, obrigando-as à retirada de conteúdo ofensivo mesmo sem decisão judicial, fazendo com que estas tenham um aumento substancial de custos operacionais e riscos de punições, como multas pelo não cumprimento das novas regras. O Supremo, portanto, passa a responsabilizá-las pelo conteúdo inserido ou postado em suas plataformas, algo impensável quando comparado à situação de pouca ou quase nenhuma regulamentação norte-americana.

É dentro desse contexto, portanto, que advém a aplicação da “Lei Global Magnitsky” em face do ministro Alexandre de Moraes, um dos mais duros julgadores a favor da responsabilização das plataformas de tecnologia por seus respectivos conteúdos, chegando inclusive a bloquear a rede “X” no território nacional por desrespeito a decisões judiciais.

Entre as sanções impostas nesta semana ao ministro Alexandre de Moraes, com base nessa lei, ocorrerão: i) o bloqueio de bens, contas bancárias e investimentos existentes nos Estados Unidos, se houver; ii) o cancelamento de cartões de crédito das grandes bandeiras que operam nos Estados Unidos; iii) a suspensão de contas em redes sociais que tenham sede nos Estados Unidos.

A princípio, circula a notícia de que o ministro não possui contas bancárias, investimentos ou patrimônio nos Estados Unidos. No que concerne ao cancelamento dos cartões de crédito das bandeiras que operam nos Estados Unidos, será uma celeuma para o jurídico das instituições financeiras no Brasil, pois, pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a bandeira do cartão de crédito não poderá utilizar como justificativa a “Lei Global Magnitsky”.

Não há que se falar, neste caso, em aplicação de legislação estrangeira, pois esta sequer teria qualquer convergência com os princípios mais basilares do nosso ordenamento jurídico, bem como com os da Constituição Federal.

Sobre esse tema, a jurisprudência pátria é pacífica em determinar a nulidade do cancelamento unilateral de forma abrupta, inexistindo pendência financeira, gerando inclusive direito a danos morais ao consumidor, no caso, o ministro Alexandre de Moraes.

Situação pior ainda é a das “big techs”, que, se por um lado conseguiram “capturar” o Estado norte-americano, personificado neste momento em Trump e suas idiossincrasias, fazendo com que aquele governo, em detrimento do interesse público do país, atue sempre a favor delas, neste particular episódio, ao sancionar de forma radical um ministro brasileiro cujas decisões, muito embora passíveis de críticas, estão inseridas no nosso sistema constitucional e, portanto, são formalmente legais, as obriga agora, pela Lei Global Magnitsky, a cancelarem ou suspenderem as contas do ministro Alexandre de Moraes sob pena de sanções dos EUA.

Assim sendo, uma vez mais, seja pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, seja pelo Marco Civil da Internet, a suspensão das contas do ministro Alexandre de Moraes, imotivada e injustificada, é ilegal, podendo gerar danos morais, multas diárias e até mesmo a suspensão das plataformas por descumprimento da ordem judicial — situação similar à que ocorreu com a plataforma X.

Backfire! Pelo visto, o tiro das big techs pode sair pela culatra.

Foto: Divulgação

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/backfire-das-big-techs