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Bolsonaristas e lavajatistas renovam bancada ruralista e comandam desmonte ambiental

Quem são os parlamentares que comemoram a implosão do licenciamento ambiental no Brasil? Quais os interesses dos deputados e senadores que lutam contra a demarcação de terras indígenas e contra os sem-terra? E o que eles têm a ver com a Lava Jato e os grupos da “nova direita” que articularam o impeachment de Dilma Rousseff?

Por Bruno Stankevicius Bassi

Nos doze anos que nos separam das “jornadas de junho” de 2013, o lobby do agronegócio cresceu e se consolidou como principal força política do Congresso. Aliada ao Centrão, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) quase dobrou o número de parlamentares filiados. Hoje, ela controla dois terços da Câmara e do Senado e comanda o desmonte de leis ambientais e da proteção aos povos indígenas, quilombolas e camponeses.

Algo, porém, está mudando: a velha guarda da FPA está dando lugar a uma nova geração que, desde 2023, vem gabaritando os itens do Pacote da Devastação.

Entre eles, destacam-se parlamentares que se projetaram a partir de movimentos antipetistas, como os deputados Kim Kataguiri (União-SP), fundador do Movimento Brasil Livre (MBL); Ricardo Salles (Novo-SP), do Endireita Brasil; e a foragida Carla Zambelli (PL-SP), do Nas Ruas. A lista inclui o ex-juiz Sérgio Moro (União-PR), hoje no Senado, e duas admiradoras da Operação Lava Jato: as deputadas Bia Kicis (PL-DF) e Carol de Toni (PL-SC). Todos ocupam cargos na diretoria da FPA.

Essa nova geração encarregada de acelerar o desmonte socioambiental é tema de reportagem em vídeo, na editoria De Olho no Congresso. O conteúdo pode ser assistido no YouTube do observatório:

KIM KATAGUIRI, DO “BRASIL LIVRE” À FRENTE RURALISTA

Eleito deputado em 2018, aos 22 anos, o paulista Kim Kataguiri teve uma carreira meteórica dentro da FPA. Logo em seu primeiro mandato, assumiu o cargo de vogal — uma espécie de diretor-conselheiro da frente.

Em 2022, ele foi conduzido, com apoio da bancada ruralista na Câmara, à presidência da Comissão de Educação, onde pautou a mudança nos materiais escolares da rede pública para adotar uma visão mais favorável ao agronegócio. No ano seguinte, ganhou a vice-presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O grande marco de sua atuação contra o ambiente veio antes, em 2019, quando assumiu a relatoria do PL do Licenciamento. Sob a batuta de Kim, o Projeto de Lei (PL) nº 2159/2021 incorporou demandas históricas do agronegócio, da mineração, das empreiteiras e do setor imobiliário, flexibilizando as regras para emissão de licenças ambientais.

Após idas e vindas, o texto chegou no mês passado ao Senado, onde ganhou nova relatoria de Tereza Cristina, outro nome importante da renovação da FPA.

Kim Kataguiri ganhou destaque na cena política após as jornadas de junho de 2013, ao fundar o Movimento Brasil Livre (MBL). Emulando as estratégias do Passe Livre, o movimento foi um dos principais articuladores da queda de Dilma Rousseff, ao lado de organizações do agronegócio e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) — que se tornou financiadora da FPA em 2019.

O MBL voltou às manchetes no ano passado, após um militante discutir com o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) e ser expulso da Câmara. Kim entrou na briga e os dois quase foram às vias de fato após Glauber chamá-lo de “defensor do nazismo”. O líder do MBL é quem assina o pedido de cassação contra Glauber, que já foi tema de vídeo em nosso canal do YouTube.

SALLES LIDEROU MOVIMENTO ANTIPETISTA APOIADO POR SÓCIO DA SUZANO

Ministro do Meio Ambiente durante o governo de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles é outro rosto novo na bancada da devastação. Eleito em 2022, o paulista ganhou destaque ao assumir a relatoria de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para criminalizar ocupações de terras pelo MST, tentando equipará-las ao terrorismo: “Deputada aponta conflitos de interesses de Ricardo Salles, relator da CPI do MST“.

A CPI naufragou, mas resultou em uma nova frente parlamentar, em parceria com os mesmos fazendeiros responsáveis pelo assassinato da líder indígena Nega Pataxó, em janeiro de 2024. A Frente Invasão Zero é comandada pela mesma dobradinha da comissão: o gaúcho Luciano Zucco (PL-RS), que presidiu a CPI, também preside a frente. Salles é o vice. Ambos são vogais da FPA.

Este observatório publicou, no ano passado, um especial sobre o Movimento Invasão Zero. Em seis reportagens, mostramos que a presidente do grupo, Renilda Souza, é ré por tentativa de homicídio e possui fazendas incidentes em assentamentos da reforma agrária. Também descobrimos as multas ambientais da fazenda onde a líder Pataxó foi assassinada e a relação da mãe de um dos assassinos com os atos terroristas de 8 de janeiro. E mostramos as conexões do Invasão Zero com o lobby do cacau e grupos de extrema-direita.

Ricardo Salles é mais um egresso da direita pós-2013. Antes de assumir a secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, em 2016, ele fundou um movimento antipetista, o Endireita Brasil.

Em 2020, o portal DCM contou que profissionais do grupo eram pagos diretamente por Jorge Feffer, sócio da gigante Suzano. Segundo a reportagem, o empresário arcava com os salários de Valéria Andrade, responsável pelas mídias sociais do Endireita Brasil.

A produtora de papel e celulose foi uma das beneficiadas pela fraude ambiental cometida por Salles em São Paulo, quando o então secretário tentou alterar o plano de manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê. A ligação com a empresa foi revelada com exclusividade por este observatório: “Ricardo Salles beneficiou Suzano em São Paulo; futuro ministro é acusado de fraude ambiental“.

CARLA ZAMBELLI E BIA KICIS: DAS RUAS À DIRETORIA DA FPA

O Endireita Brasil de Ricardo Salles não foi o único movimento patrocinado por Jorge Feffer. Ao lado do irmão, David Feffer, CEO da Suzano, ele patrocinou diversos grupos da chamada “nova direita”. Entre eles o Nas Ruas, fundado por Carla Zambelli.

Agora uma foragida da justiça, com vídeo gravado nos Estados Unidos, em Fort Lauderdale, a deputada foi condenada a dez anos de prisão por hackear o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Antes disso, ela vinha sendo um dos principais destaques da “nova FPA”. Até fevereiro, Carla aparecia como vogal no site da frente. Em 2021, assumiu a Comissão de Meio Ambiente da Câmara com apoio ruralista.

Quem também recebeu dinheiro de Jorge Feffer foi Bia Kicis (PL-DF), que já advogou para Carla Zambelli em processos judiciais movidos contra o Nas Ruas. Procuradora aposentada do Distrito Federal e apoiadora da Operação Lava Jato, Bia recebeu R$ 3 mil do empresário na campanha de 2018.

A deputada é coordenadora jurídica da frente ruralista e integra no STF a câmara de conciliação do Marco Temporal. Quando presidia a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Bia manobrou junto a Arthur Lira para aprovar de forma relâmpago o PL 490/2007, que transfere ao Congresso a prerrogativa de demarcar terras indígenas.

PAUTA ANTI-INDÍGENA GANHA REFORÇO DE LAVAJATISTAS E BOLSONARISTAS

A atuação anti-indígena nos leva a outro líder da nova safra ruralista: Sérgio Moro, ex-juiz da Lava Jato e ministro da Justiça de Bolsonaro. Foi ele o relator de um texto substitutivo ao Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 717/2024, aprovado pelo plenário do Senado no fim de maio. O decreto desmonta o rito de demarcação de terras indígenas com base no Marco Temporal.

PDL 717/2024 tratava originalmente apenas das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, homologadas por Lula em dezembro. Sob a caneta de Moro, o texto passou a sustar dispositivos do decreto presidencial nº 1775/1996, que regulamentou o processo demarcatório.

Não foi a primeira vez que o ex-juiz travou demarcações. Em 2019, quando era ministro da Justiça, Moro travou a homologação de 17 territórios, utilizando um parecer de Michel Temer.

O desprezo pelos direitos indígenas parece ser uma marca da ala lavajatista. Aliada de Moro, a deputada Carol de Toni se notabilizou pelo discurso de ódio na Câmara. Em 2023, quando era coordenadora jurídica da FPA, a catarinense prometeu um “banho de sangue” caso o Marco Temporal não virasse lei. A ameaça, destacada por este observatório, gerou ações no Ministério Público Federal e na Procuradoria-Geral da República: “Fala de Caroline de Toni sobre “banho de sangue” ganha repercussão jurídica“. Hoje, De Toni é vice-presidente da FPA para a Região Sul.

A pauta anti-indígena conecta outras estrelas ascendentes da bancada da devastação. Por exemplo, a ex-policial militar Fernanda Diniz de Siqueira, a Coronel Fernanda (PL-MT). Desde o ano passado, ela vem tentando emplacar uma nova CPI para investigar a demarcação de terras indígenas, reeditando a CPI do Incra e da Funai, de 2016.

Sua campanha, em 2022, foi financiada por um grupo seleto de empresários do agronegócio. A lista de doadores é encabeçada pelo sojeiro Inácio José Webler, que doou R$ 100 mil para a deputada. Um de seus filhos, Cleto Webler, presidiu o Sindicato Rural de Sapezal e foi um dos principais articuladores dos “índios sojeiros”, um grupo aliado de Bolsonaro, pró-agronegócio, formado por membros das etnias Paresí e Enawenê-Nawê.

Fernanda também recebeu R$ 25 mil de Cátia Regina Randon Rossato, ex-esposa de Dilceu Rossato, prefeito de Sorriso entre 2013 e 2016. Em março de 2025, o juiz Glauber Lingiardi Strachicini proibiu que o Grupo Safras, do ex-prefeito, realizasse novos desmatamentos após destruir uma área de 88 hectares em Sorriso. A empresa possui R$ 144 milhões em dívidas.

A deputada também é apoiada por uma família denunciada no esquema de venda de sentenças na Operação Faroeste. Segundo a investigação da Polícia Federal, os irmãos Geraldo e Nelson José Vigolo repassaram, a partir de intermediários, R$ 250 mil à desembargadora Sandra Inês Rusciolelli, do Tribunal de Justiça da Bahia, para que ela os favorecesse em uma disputa de terras no oeste do estado. Os dois fazendeiros doaram R$ 50 mil cada para a campanha da Coronel Fernanda.

FONTE: https://deolhonosruralistas.com.br/2025/06/09/bolsonaristas-e-lavajatistas-renovam-bancada-ruralista-e-comandam-desmonte-ambiental/