Associação Brasileira dos Jornalistas

Seja um associado da ABJ. Há 12 anos lutando pelos jornalistas

Brasil conduz bem o BRICS

No contexto mundial muito delicado, difícil e belicoso, a diplomacia brasileira se conduz muito bem na presidência do BRICS, escreve Marcelo Zero.

A tentação de ver o mundo sob a lógica belicosa e restritiva da nova “Guerra Fria”, da grande disputa pelo poder global, é grande.

A divisão do mundo entre “democracias” e “autocracias”, entre o suposto “Bem” e o suposto “Mal”, é propalada pelo chamado Ocidente e pela direita e extrema-direita mundial e brasileira, de forma constante e sistemática.

Há, de fato, uma pressão geopolítica muito grande para que os países do assim denominado Sul Global “escolham” o lado supostamente “correto” e “democrático” da nova Guerra Fria, e se alinhem aos EUA e aliados, em sua luta contra o crescente protagonismo de nações como a China, a Rússia etc.

Não faltam também os membros da “quinta-coluna” interna, cada vez mais assanhados e verborrágicos. Em posições comprometedoras para a soberania nacional, abundam.

Ademais, especialmente com a ascensão de Trump, há uma forte degradação das instituições multilaterais e dos princípios do multilateralismo e do direito internacional público.

Em 1935, Bertold Brecht escreveu um texto intitulado “O Fascismo é a Verdadeira Face do Capitalismo”, no qual argumentava que o fascismo não era um desvio do capitalismo, mas sim sua nova e verdadeira face.

Creio que, no mesmo sentido, Trump é o “Império desnudado”. O Império, em curva descendente, sem as máscaras ideológicas que sempre o buscaram legitimar. Trump está tentando criar uma ordem mundial hobbesiana, sem freios e medidas, na qual os interesses são impostos unicamente pela força do Big Stick, financeiro, comercial e militar.

Pois bem, nesse contexto mundial muito delicado, difícil e belicoso, acredito que a diplomacia brasileira se conduz muito bem na presidência do BRICS.

Ao contrário de alguns, não vejo tibieza ou dubiedade do Brasil, na sua inserção no BRICS e na sua decidida defesa da multipolaridade e do multilateralismo.

O Brasil e o BRICS não devem tomar parte na nova Guerra Fria. Ao contrário, devem contribuir para desmontar essa verdadeira arapuca geopolítica.

Não creio que países como China e Rússia tenham algum interesse em uma ofensiva “anti-Ocidente”, ou algo que o valha. A postura estratégica desses países sempre me pareceu meramente defensiva. Apenas reagem às agressões.

Putin, lembre-se, queria, no início deste século, integrar a Rússia à União Europeia e até mesmo à Otan. Nunca teve interesse algum em voltar a dividir o mundo em novas áreas de influência exclusiva.

Acabou sendo forçado a intervir na Ucrânia porque estava sendo sufocado estrategicamente pela geopolítica muito agressiva dos EUA e aliados.

A China também sempre procurou ter boas relações com os EUA e a Europa. Mas virou a grande “inimiga estratégica” simplesmente porque teve a “audácia” de crescer muito, se industrializar bastante e rivalizar em ciência e tecnologia com os EUA e aliados.

No plano internacional, esses países, denominados de “autocráticos”, sempre evitaram intervir nos assuntos internos de outras nações. Em geral, buscaram a cooperação pacífica e investiram em multilateralismo e multipolaridade. Isso significa ser democrático, nas relações internacionais.

Quem costuma ser autocrático e autoritário nas relações mundiais são justamente as “democracias” dos EUA e aliados, que promovem, com alarmante frequência, guerras e sanções econômicas em todos os países que julgam que interferem negativamente em seus interesses. Sanções e guerras que já mataram centenas de milhares de pessoas. Mortos, observe-se, não são portadores de direitos.

Por certo, não é do interesse do Brasil seguir a lógica obtusa e obsoleta de uma Guerra Fria. Do jogo de soma zero imposto pelo Império.

É do interesse do Brasil seguir um caminho estratégico que invista na multipolaridade, no multilateralismo, na paz e no desenvolvimento sustentável. Esse é o verdadeiro interesse do Sul Global.

Acabar com a pobreza, com a fome, com as doenças, com as assimetrias e investir fortemente em desenvolvimento sustentável e em uma ordem mundial mais cooperativa e pacífica, baseada em regras claras e críveis que beneficiem a todos, e em uma governança global efetiva.

Para atingir esses objetivos não é necessário ser “antiocidental”. Basta ser pró-humanidade.

Em suma, a posição do Brasil de “não-alinhamento” me parece correta. Como afirmou Lula em seu discurso “a Conferência de Bandung refutou a divisão do mundo em zonas de influência e avançou na luta por uma ordem internacional multipolar. O BRICS é herdeiro do Movimento Não-Alinhado.”

Além de ser correto como estratégia, o não-alinhamento permite mediar melhor os interesses diversos dos diferentes países do grupo, nem sempre coincidentes. Temos de buscar os consensos possíveis.  E temos de observar nossos limites de potência média e essencialmente desarmada.

Não obstante, a bem da verdade é o próprio Ocidente é que está reduzindo seu protagonismo mundial e, com isso, aumentando o protagonismo de países como a China e de grupos como o BRICS.

Os EUA, há bastante tempo, reduzem sua presença no mundo, especialmente em investimentos e cooperação.

Hoje, Trump está investindo fortemente numa atitude isolacionista. O “Make America Great Again” parece ser mais um chamado para um “Make America The Only One Country.” Ou, pelo menos, o único país de real importância no mundo.  Ao resto, mesmo aos antigos aliados, caberia apenas uma rasa vassalagem.

Por isso, o BRICS, um BRICS inclusivo, cooperativo e pacífico, é cada vez mais necessário.

Claro está que gostaríamos de ver certos processos avançando mais rapidamente.

O uso de moedas locais para compensação comercial e a desdolarização poderiam caminhar mais rapidamente, ainda mais em um momento tão brutalmente protecionista e unilateralista.

Porém, esse é um processo inevitável que vai se acelerar cada vez mais, em razão do uso do dólar como instrumento geopolítico e pela crescente ascensão da China e de outros países nos fluxos comerciais internacionais. A tendência ao aumento exagerado da dívida dos EUA, recentemente agravada pela aprovação da Big, Beautiful Bill, é outro fator que tende a acelerar a desdolarização.

Há, contudo, algumas iniciativas que poderiam ser aceleradas com simples decisões políticas.

Por exemplo, o Brasil, liderando o Mercosul, poderia fazer fechar logo um acordo de livre comércio com a União Econômica Euroasiática (bloco formado por Rússia, Belarus, Cazaquistão, Quirguistão e Armênia). O Memorando de Cooperação Econômica e Comercial entre o MERCOSUL e a União Econômica Euroasiática (UEE) foi assinado já em 2018, abrindo caminho para um possível acordo de livre comércio entre os dois blocos. Basta negociá-lo.

Poderíamos também avançar mais rapidamente em áreas sensíveis de cooperação, como energia nuclear e tecnologia aeroespacial. Alcântara bem que poderia ser uma base de lançamentos aberta ao BRICS.

Mas, no geral, a diplomacia brasileira me parece ter o norte correto, que é o da inserção cada vez maior no Sul Global, fundamentada na integração regional e em uma aposta racional e necessária no multilateralismo renovado.

Não-alinhado não significa ser indiferente ante as agressões cada vez mais brutais do Império em desespero, que percebe seu inevitável apequenamento. Não-alinhado não significa também não ousar defender seus interesses próprios.

Significa simplesmente, como diria meu amigo Paulo Nogueira Batista Júnior, não caber no quintal de ninguém.

Não caber no quintal de ninguém, mas, de outro lado, fazer caber os interesses de todos, principalmente dos mais fracos, numa ordem mundial mais simétrica, justa, fraterna e pacífica.

E isso o Brasil sabe fazer bem. Temos considerável soft power, uma diplomacia profissional e eficiente e um líder único no mundo: Lula.

Dá samba.

Foto: Reprodução (YT)

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/brasil-conduz-bem-o-brics