A recente decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou explícita a encruzilhada em que se encontra o sistema financeiro brasileiro: pressionado entre a soberania jurídica nacional e a subserviência ao sistema financeiro e regulatório dos Estados Unidos. Dino estabeleceu, em despacho que gerou ampla repercussão, que leis estrangeiras, atos administrativos e ordens executivas — incluindo as originadas pela chamada Lei Magnitsky, utilizada pelos EUA para atingir indivíduos considerados “indesejados” por Washington — só têm validade no Brasil mediante homologação do STF. Em outras palavras, aquilo que não for chancelado pelo Judiciário brasileiro não deveria, legalmente, produzir efeitos em solo nacional.
No entanto, a realidade mostra-se bem mais amarga. A pressão de órgãos norte-americanos (como a OFAC) sobre bancos brasileiros é tamanha que executivos e dirigentes admitem: é impraticável, para eles, ignorar determinações vindas dos EUA sob pena de serem sancionados, excluídos do sistema de compensação internacional em dólar e até bloqueados de operar contratos essenciais. O exemplo da multa bilionária imposta ao banco francês BNP Paribas em 2014 serve de ameaça constante no horizonte das instituições financeiras globais — e, portanto, brasileiras. O dilema dos bancos é apenas aparente: cumpram a decisão do STF e arrisquem sanções financeiras devastadoras por parte dos EUA, ou obedeçam à imposição estrangeira e, assim, desafiem abertamente a ordem nacional.
Trata-se, fundamentalmente, de um retrato cristalino da dependência estrutural e da subserviência do sistema financeiro brasileiro (e de praticamente toda a periferia global) ao império regulatório americano. O caso Magnitsky apenas escancara a fragilidade da soberania: se a legislação brasileira veda a eficácia automática das normas estrangeiras, na prática, quem dita as regras é Washington — e os bancos locais fazem seus cálculos para saber de quem podem tomar multa mais barata, em vez de obedecer ao comando legal do seu próprio país.
A subserviência vai além do jurídico: revela uma dependência econômica, tecnológica e geopolítica — pois o país que domina o câmbio internacional em dólar e as grandes vias de pagamentos globais pode, na prática, impor sua vontade sobre Estados soberanos. A ideia de que instituições brasileiras cogitam desrespeitar decisão da Suprema Corte só para evitar retaliação financeira dos EUA é alarmante e revela como a “vassalagem” ao império financeiro se mantém camuflada no discurso da governança global, mas é sentida fortemente quando interesses americanos são tocados.
A questão, portanto, não é apenas sobre o caso Moraes, Magnitsky ou o STF. É sobre até quando o Brasil aceitará que seu sistema financeiro funcione como vassalo dos interesses estrangeiros — especialmente americanos — mesmo que isso contrarie frontalmente a soberania, a lei e o interesse nacional.
CHARGE : Nando Motta
FONTE: Agência de Notícias ABJ – Associação Brasileira dos Jornalistas
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