A Operação Teia de Aranha da Ucrânia cruzou o limiar que pode desencadear uma resposta nuclear russa.
Em 2012, o presidente russo Vladimir Putin declarou que “as armas nucleares continuam sendo a garantia mais importante da soberania e integridade territorial da Rússia e desempenham um papel fundamental na manutenção do equilíbrio e estabilidade regionais.”
Nos anos seguintes, analistas e observadores ocidentais acusaram a Rússia e sua liderança de invocar irresponsavelmente a ameaça de armas nucleares como uma forma de “saber rattling”—um blefe estratégico para esconder deficiências operacionais e táticas nas capacidades militares russas.
Publicado originalmente no Substack do autor em 01 de junho de 2025
Em 2020, a Rússia publicou, pela primeira vez, uma versão não-classificada de sua doutrina nuclear. O documento, intitulado “Princípios Básicos da Política Estatal da Federação Russa sobre Dissuasão Nuclear”, afirmava que a Rússia “se reserva o direito de usar armas nucleares” quando Moscou estiver “respondendo ao uso de armas nucleares ou outros tipos de armas de destruição em massa contra ela e/ou seus aliados, assim como em caso de agressão contra a Federação Russa com o uso de armas convencionais, quando a própria existência do Estado estiver em perigo.” O documento também afirmava que a Rússia se reservava o direito de usar armas nucleares em caso de “ataque de um adversário contra instalações governamentais ou militares críticas da Federação Russa, cuja interrupção prejudicaria as ações de resposta das forças nucleares.”
Em 2024, Vladimir Putin ordenou que a doutrina nuclear russa fosse atualizada para considerar as realidades geopolíticas complexas decorrentes da Operação Militar Especial (OME) em curso na Ucrânia, onde o conflito se transformou em uma guerra por procuração entre o Ocidente coletivo (OTAN e EUA) e a Rússia.
A nova doutrina declarou que o uso de armas nucleares seria autorizado em caso de “agressão contra a Federação Russa e/ou seus aliados por qualquer Estado não-nuclear com a participação ou apoio de um Estado nuclear, sendo considerado um ataque conjunto.”
O arsenal nuclear russo também entraria em ação em caso de “ações de um adversário afetando elementos de infraestrutura estatal ou militar de importância crítica da Federação Russa, cuja neutralização prejudicaria as ações de resposta das forças nucleares.”
As ameaças não precisavam vir na forma de armas nucleares. De fato, a nova doutrina de 2024 afirmava especificamente que a Rússia poderia responder com armas nucleares a qualquer agressão envolvendo “o uso de armas convencionais que representasse uma ameaça crítica à sua soberania e/ou integridade territorial.”
A Operação Teia de Aranha, o ataque em larga escala a infraestruturas militares russas críticas diretamente relacionadas à dissuasão nuclear estratégica da Rússia, realizado por drones não-tripulados, demonstrou cruzar as linhas vermelhas da Rússia no que diz respeito a desencadear uma retaliação nuclear e/ou um ataque nuclear preventivo para evitar novos ataques. O SBU ucraniano, sob a direção pessoal de seu chefe, Vasyl Malyuk, assumiu a responsabilidade pelo ataque.
A Operação Teia de Aranha é um ataque direto e encoberto a infraestruturas e capacidades militares russas críticas, diretamente ligadas às capacidades de dissuasão nuclear estratégica da Rússia. Pelo menos três bases aéreas foram atacadas usando drones FPV lançados a partir de caminhões Kamaz civis adaptados como plataformas de lançamento. As bases aéreas de Dyagilevo (Ryazan), Belaya (Irkutsk) e Olenya (Murmansk)—que abrigam bombardeiros estratégicos Tu-95 e Tu-22, além de aeronaves de alerta antecipado A-50—foram atingidas, resultando na destruição e/ou danos graves a várias aeronaves.Isso seria equivalente a um ator hostil lançar ataques de drones contra bombardeiros B-52H da Força Aérea dos EUA estacionados na Base Aérea de Minot (Dakota do Norte) e na Base Aérea de Barksdale (Louisiana), ou contra bombardeiros B-2 na Base Aérea de Whiteman (Missouri).O momento da Operação Teia de Aranha foi claramente planejado para perturbar as negociações de paz marcadas para ocorrer em Istambul em 2 de junho.
Em primeiro lugar, é impossível que a Ucrânia se prepare seriamente para negociações de paz substanciais enquanto planeja e executa uma operação como a Teia de Aranha. Embora o SBU possa ter executado o ataque, ele não poderia ter acontecido sem o conhecimento e consentimento do presidente ucraniano ou do ministro da Defesa.Além disso, esse ataque não poderia ter ocorrido sem o consentimento dos parceiros europeus da Ucrânia, especialmente Reino Unido, França e Alemanha, todos envolvidos em consultas diretas com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky nos dias e semanas anteriores à execução da operação.
A Ucrânia foi encorajada pela Europa a parecer estar apoiando ativamente o processo de paz de Istambul, com a ideia de que, se as negociações fracassassem, a culpa recairia sobre a Rússia, não a Ucrânia, facilitando assim o apoio militar e financeiro contínuo da Europa.
Aparentemente, atores dos EUA também desempenharam um papel importante—os senadores Lindsey Graham (Republicano da Carolina do Sul) e Sydney Blumenthal (Democrata de Connecticut) visitaram a Ucrânia na semana passada, coordenando-se com o governo ucraniano sobre um novo pacote de sanções econômicas vinculadas à disposição da Rússia em aceitar termos de paz baseados em um cessar-fogo de 30 dias — uma das principais demandas da Ucrânia.A Operação Teia de Aranha parece ser um esforço concertado para afastar a Rússia das negociações de Istambul, seja provocando uma retaliação russa que justificaria a ausência ucraniana (e permitiria a Graham e Blumenthal avançar com a sua legislação de sanções), seja forçando a Rússia a abandonar as negociações enquanto avalia as suas opções — um ato que também desencadearia as sanções de Graham-Blumenthal.Desconhece-se até que ponto o presidente Trump, que tem pressionado por negociações de paz entre Rússia e Ucrânia, estava ciente das ações ucranianas — incluindo se aprovou a operação antecipadamente (Trump pareceu ignorar que a Ucrânia alvejou Putin com drones durante uma visita recente a Kursk).
A resposta da Rússia a essa última provocação ucraniana ainda é desconhecida. Os ataques com drones às bases militares russas ocorreram logo após pelo menos dois ataques ucranianos a linhas ferroviárias russas, causando danos significativos a locomotivas e vagões, além de matar e ferir dezenas de civis.
Mas uma coisa é clara: a Ucrânia não poderia ter realizado a Operação Teia de Aranha sem a aprovação política e assistência operacional de seus aliados ocidentais. Os serviços de inteligência estadunidense e britânico treinaram forças especiais ucranianas em ações de guerrilha e guerra não-convencional, e acredita-se que ataques anteriores contra infraestruturas críticas russas (como a ponte da Crimeia e a base aérea de Engels) tenham sido planejados e executados com assistência dos EUA e do Reino Unido. Inclusive, esses ataques foram vistos como gatilhos para as modificações da doutrina nuclear russa em 2024.
A Rússia respondeu a provocações anteriores da Ucrânia e seus aliados ocidentais com uma mistura de paciência e determinação. Muitos interpretaram essa postura como fraqueza, o que pode ter influenciado a decisão da Ucrânia e seus facilitadores ocidentais de realizar uma operação tão provocativa às vésperas de negociações de paz cruciais.
A capacidade da Rússia de manter o mesmo nível de contenção do passado está sendo testada pela natureza do ataque — um uso massivo de armas convencionais contra a sua força de dissuasão nuclear estratégica, causando danos reais.
Não é difícil imaginar essa tática sendo usada no futuro para decapitar os ativos nucleares estratégicos da Rússia (aeronaves e mísseis) e a sua liderança (o ataque contra Putin em Kursk reforça essa ameaça). Se a Ucrânia pode posicionar caminhões Kamaz perto de bases aéreas estratégicas russas, poderia fazer o mesmo contra bases de mísseis móveis russos.O fato de a Ucrânia realizar tal ataque também mostra até que ponto os serviços de inteligência ocidentais estão testando as águas para um futuro conflito com a Rússia —algo que membros da OTAN e da UE afirmam estar ativamente preparando.
Chegamos a um ponto de virada existencial na OME.Para a Rússia, as linhas vermelhas que considerou necessárias definir sobre o uso de armas nucleares foram flagrantemente violadas não apenas pela Ucrânia, mas por seus aliados ocidentais.O presidente Trump, que afirma apoiar um processo de paz entre Rússia e Ucrânia, agora deve decidir qual será a posição dos EUA diante desses acontecimentos. Seu secretário de Estado, Marco Rubio, admitiu que, sob o governo Biden, os EUA estavam envolvidos em uma guerra por procuração contra a Rússia. O enviado especial de Trump à Ucrânia, Keith Kellogg, recentemente fez a mesma afirmação sobre a OTAN.Em resumo, ao continuar apoiando a Ucrânia, EUA e OTAN tornaram-se participantes ativos de um conflito que agora cruzou o limiar do uso de armas nucleares.Os Estados Unidos e o mundo estão à beira de um Armagedom nuclear de nossa própria criação.
Ou nos distanciamos das políticas que nos trouxeram até aqui, ou aceitaremos as consequências das nossas ações — e pagaremos o preço.
Não podemos viver em um mundo onde o nosso futuro é ditado pela paciência e contenção de um líder russo diante de provocações pelas quais somos responsáveis.
A Ucrânia, não a Rússia, representa uma ameaça existencial à humanidade.A OTAN, não a Rússia, é responsável por encorajar a Ucrânia a agir de forma tão imprudente.O mesmo vale para os Estados Unidos. As declarações contraditórias de formuladores de políticas dos EUA sobre a Rússia fornecem cobertura política para a Ucrânia e seus facilitadores da OTAN planejarem e executarem operações como a Teia de Aranha.Os senadores Graham e Blumenthal deveriam ser acusados de sedição se a sua intervenção na Ucrânia tiver como objetivo sabotar deliberadamente um processo de paz que Trump considera essencial para a segurança nacional estadunidense.Mas é o próprio Trump quem deve decidir o destino do mundo.
Nas próximas horas, ouviremos o presidente russo sobre como a Rússia responderá a essa provocação existencial.
Trump também deve responder.
- Ordenando que Graham, Blumenthal e seus apoiadores recuem em relação às sanções contra a Rússia.
- Exigindo que a OTAN e a UE cessem o apoio militar e financeiro à Ucrânia.
- E escolhendo um lado na OME.
Escolher a Ucrânia significa desencadear uma guerra nuclear.Escolher a Rússia significa salvar o mundo.
FOTO: Wikimedia Commons
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/brincando-com-fogo