Equiparar o narcotráfico ao terrorismo não fortalece a Justiça — pelo contrário, enfraquece o país.
O Brasil vive uma epidemia de atalhos morais. Diante de cada tragédia, ressurge a pressa de batizar leis, de criar categorias punitivas que soam fortes nos microfones e fracas nos tribunais. Agora, pretende-se equiparar o narcotráfico ao terrorismo — um erro conceitual, jurídico e ético. Não é com analogias que se enfrenta o crime; é com leis claras, penas duras e execução eficiente.
A proposta de tratar o tráfico como terrorismo parece tentadora: soa heroica, veste-se de patriotismo e promete resultados rápidos. Mas o efeito seria o oposto. Seria abrir mão da soberania penal brasileira e entregar nossa definição de crime grave à interpretação de outros países. O terrorismo, por definição internacional, está ligado a motivações ideológicas, políticas ou religiosas. O narcotráfico é movido por lucro e domínio territorial. Misturar os dois é o mesmo que confundir poder econômico com ideologia — e isso, além de juridicamente incorreto, é moralmente perigoso.
A saída racional não está em copiar o léxico estrangeiro, mas em fortalecer o Código Penal Brasileiro. O caminho mais simples, correto e pertinente é reformar as penas aplicáveis ao narcotráfico e às organizações criminosas que o estruturam — como o PCC e o Comando Vermelho — colocando-as sob o regime das penas mais severas previstas no ordenamento nacional.
Minha proposta é clara: que o crime de narcotráfico — especialmente quando associado a organizações criminosas estruturadas — passe a ter pena máxima de 40 anos de prisão, o teto permitido pelo Código Penal Brasileiro. Essa é hoje a maior sanção aplicável no país, conforme o artigo 75, após a reforma introduzida pela Lei nº 13.964/2019. Mesmo que a soma das condenações ultrapasse esse limite — como ocorre em casos de múltiplos homicídios, tráfico internacional ou lavagem de dinheiro — a execução da pena é unificada, de modo que nenhum condenado pode cumprir mais de 40 anos de reclusão.
Essa proposta garante proporcionalidade, rigor e clareza ao sistema penal, fortalecendo a soberania jurídica brasileira e dispensando comparações impróprias com o terrorismo ou legislações importadas que não refletem nossa realidade.Além dessa redefinição central, proponho também o endurecimento complementar da legislação, nos seguintes pontos:
1. Tornar o crime imprescritível.Significa que o tempo não apaga a responsabilidade penal. Hoje, após certo número de anos, o Estado perde o direito de punir. Se o narcotráfico fosse imprescritível, o traficante seria punível a qualquer tempo, como acontece com crimes de racismo e com a ação de grupos armados contra a ordem constitucional.
2. Tornar o crime inafiançável.O acusado não poderia pagar fiança para responder em liberdade. Isso impede que o poder econômico — justamente o motor do narcotráfico — compre a liberdade antes do julgamento. A fiança, nesse contexto, deixa de ser garantia judicial e vira instrumento de privilégio.
3. Impedir a progressão de pena.Nada de reduzir o tempo de prisão por bom comportamento. A sentença seria cumprida integralmente. A progressão de regime é benefício reservado a quem o sistema reconhece como recuperável; no narcotráfico, o crime é estrutural, reincidente, profissionalizado e sustentado por hierarquias que continuam operando de dentro dos presídios. Enquanto houver comando externo e lucro interno, não há ressocialização possível.
4. Vedação absoluta do perdão judicial, da graça presidencial e de qualquer forma de anistia.Nenhum presidente da República, magistrado ou parlamentar poderia perdoar, reduzir ou extinguir a pena de um condenado por narcotráfico. Fica vedada toda e qualquer modalidade de anistia — individual ou coletiva, política ou penal — que permita apagar o crime, suspender seus efeitos ou reabilitar o criminoso. Essa blindagem impede o uso oportunista da clemência estatal, prática recorrente em momentos de conveniência política, e garante que o combate ao tráfico permaneça imune à manipulação de governos, bancadas ou coalizões partidárias. Justiça, aqui, não pode ser moeda de troca nem instrumento de negociação.Essas medidas tornariam o combate ao tráfico mais duro e mais justo — sem precisar importar conceitos de guerra externa. A clareza da lei é o primeiro passo da soberania. Uma lei mal tipificada gera impunidade, e impunidade é o oxigênio do crime.A diferença essencial entre narcotráfico e terrorismo deve ser preservada. Primeiro: a motivação — o terrorismo busca fins políticos, religiosos ou ideológicos; o tráfico, apenas lucro. Segundo: a estrutura — o terrorismo é célula de propaganda e intimidação; o tráfico é empresa do crime, com contabilidade, hierarquia e rede logística.
Terceiro: o território — o terror ataca para espalhar medo; o tráfico ocupa para controlar renda e poder local. São naturezas distintas. Misturar ambas não fortalece a lei, mas destrói o rigor jurídico e confunde o papel do Estado.Quando o Brasil decide chamar o tráfico de terrorismo, abre mão de sua própria soberania jurídica. Passa a aceitar, na prática, que um brasileiro possa ser tratado segundo leis estrangeiras — leis feitas para outros contextos, outras guerras, outras constituições. É importar a lógica penal de potências que confundem segurança com controle e justiça com vingança.
Ao permitir isso, o país viola o artigo 5º da Constituição, que garante a todos o devido processo legal e a proteção das liberdades civis. Equiparar tráfico a terrorismo, portanto, não é endurecer o combate ao crime — é cometer um ato de submissão nacional, um erro de lesa-pátria disfarçado de coragem jurídica.
O discurso que pretende comparar o PCC e o Comando Vermelho a organizações terroristas é uma forma disfarçada de terceirizar a soberania. Sob a máscara da eficiência, esconde-se a servidão jurídica. Nenhum país que se respeite permite que conceitos internacionais ditem a forma como pune seus próprios criminosos. Ao contrário: países soberanos protegem sua tipificação penal como quem protege sua língua — porque cada termo jurídico carrega séculos de história, cultura e jurisprudência.
Combater o tráfico exige inteligência, coordenação, leis severas e um Estado que funcione — não slogans, nem comparações indevidas. O crime organizado deve ser enfrentado como o que é: um império econômico paralelo, e não um grupo ideológico armado.Confundir narcotráfico com terrorismo é o caminho mais curto entre a ignorância e a submissão. Que os três Poderes da República repudiem essa fantasia e reafirmem o óbvio: soberania penal não se terceiriza, se exerce.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/chamar-trafico-de-terrorismo-e-submeter-o-brasil-a-tutela-estrangeira