Estatal chinesa comprou participação na Vast Infraestrutura, que opera o único terminal da América do Sul capaz de receber navios VLCC.
247 – A China acaba de dar mais um passo importante para consolidar sua presença na infraestrutura portuária da América do Sul, ao adquirir uma participação relevante na empresa Vast Infraestrutura, responsável por um dos terminais mais estratégicos do Brasil para exportação de petróleo. A informação foi divulgada pelo portal Click Petróleo e Gás e repercute entre especialistas que alertam para os riscos à soberania nacional com o avanço do capital estatal estrangeiro em setores sensíveis.
A operação foi realizada pela China Merchants Port Holdings (CMPORT), braço logístico do grupo estatal China Merchants Group (CMG). O acordo foi firmado no fim de fevereiro e ainda depende de aprovação de órgãos reguladores brasileiros. A CMPORT comprou uma participação na Vast Infraestrutura, empresa controlada pela holding Prumo Logística, que administra o Porto do Açu, em São João da Barra (RJ).
Embora a venda não envolva o complexo portuário como um todo — que abriga 28 empresas e 11 terminais privados —, o movimento foi suficiente para acender um sinal de alerta. A Vast opera o único terminal da América do Sul capaz de receber navios do tipo VLCC (Very Large Crude Carrier), essenciais para o escoamento em larga escala de petróleo. Atualmente, o Porto do Açu movimenta cerca de 560 mil barris por dia e tem licença para operar até 1,2 milhão de barris diários.
Em nota, a Prumo Logística explicou os objetivos da transação:
“A Prumo Logística confirma que concluiu a negociação de termos e condições para a venda de uma participação na subsidiária Vast Infraestrutura à China Merchants Port (CMP), após o cumprimento de certas condições precedentes. A operação está em linha com a estratégia da holding de atrair parceiros estratégicos para seus ativos, potencializando a capacidade de investimento no crescimento do Porto do Açu”.
Avanço coordenado da China em portos da América do Sul – A aquisição de parte da Vast Infraestrutura é mais um episódio dentro de uma estratégia articulada por Pequim para consolidar sua presença em pontos-chave da logística sul-americana. Em 2018, a CMPORT já havia comprado o Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP), no Paraná, e também participa de iniciativas no Porto de Santos (SP) e em novos terminais no Maranhão.
O professor Marcos Pedlowski, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), apontou ao Diálogo que se trata de um movimento sistemático:
“Os casos de Chancay [megaporto chinês recém-inaugurado no Peru], Paranaguá e agora a participação na Vast, no Açu, são exemplos da penetração das empresas chinesas em áreas portuárias e outras estruturas de manuseio de commodities na América do Sul”.
Pedlowski também alertou que esse tipo de investimento pode comprometer a soberania dos países anfitriões, dificultando o controle e a fiscalização do trânsito de mercadorias em áreas portuárias.
Riscos geopolíticos e a diplomacia da dívida – O histórico do grupo CMG em outros países gera inquietação. Um dos exemplos mais emblemáticos é o porto de Hambantota, no Sri Lanka, que acabou sendo entregue à empresa chinesa em um contrato de arrendamento de 99 anos após o país não conseguir honrar seus compromissos financeiros com a China — o que ficou conhecido como “diplomacia da armadilha da dívida”.
Ainda que a estrutura fosse voltada para uso civil, em 2022, o governo chinês enviou ao local um navio de pesquisa militar, demonstrando o potencial uso dual das instalações. Para críticos, esse tipo de precedente deve ser levado em consideração quando se trata da concessão de infraestrutura estratégica a estatais estrangeiras.
Infraestrutura sob influência estrangeira: soberania em xeque – Embora o governo brasileiro ainda analise a operação, especialistas já avaliam os possíveis impactos. O professor Pedlowski destacou que o Porto do Açu já apresenta dificuldades de fiscalização, e a entrada de um sócio estatal chinês pode agravar o cenário:
“Não vejo por que a situação atual seria minimizada com o controle chinês. Ao contrário, a tendência é que o monitoramento se torne mais rigoroso”.
O acadêmico alerta ainda para o risco de que a compra da Vast represente apenas o início de uma “sinicização” progressiva de partes da infraestrutura nacional, repetindo o padrão de penetração econômica verificado em outros países sul-americanos.
Desafios para o Brasil diante da ofensiva chinesa – O caso da Vast Infraestrutura reabre o debate sobre os limites da atuação de empresas estrangeiras — especialmente estatais — em áreas que afetam diretamente a segurança energética e a autonomia econômica do país. Ainda que os investimentos chineses tragam recursos e impulsionem setores como o portuário, cresce a preocupação com a perda de controle sobre segmentos fundamentais da cadeia produtiva nacional.
“O controle de áreas estratégicas por empresas estatais chinesas em outro país cria uma série de dificuldades em relação à soberania nacional e ao exercício da autoridade nacional sobre a área adquirida”, conclui Pedlowski.
Às autoridades brasileiras, cabe agora a tarefa de avaliar com rigor os impactos desse tipo de operação. A questão transcende o campo econômico e toca o cerne da autonomia estratégica nacional.
Foto: Divulgação
FONTE: https://www.brasil247.com/brasil/china-amplia-influencia-no-brasil-ao-adquirir-parte-de-terminal-estrategico-de-petroleo-no-porto-do-acu