Desfile militar de grande porte em Pequim não é apenas uma demonstração de força, e sim uma enfática defesa de um novo ordenamento global.
Em um movimento cuidadosamente planejado e executado sem aparentes falhas, a República Popular da China lançou dois recados categóricos que não passaram despercebidos no Ocidente: o desfile militar massivo pelo 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial (com mais de 10 mil soldados, uma centena de aviões e seus equipamentos de defesa mais modernos) evidenciou o crescente poderio militar chinês que alguns países insistem em subestimar, em um cenário internacional marcado por disputas, ameaças e guerras comerciais. A isso, o presidente Xi Jinping somou uma ousada proposta — feita à Rússia e a outros 25 países — para estabelecer um novo ordenamento global em detrimento da hegemonia dos Estados Unidos e seus aliados.
“A humanidade hoje se depara novamente com a escolha entre paz ou guerra, diálogo ou confronto, ganhos compartilhados ou jogos de soma zero”, advertiu Xi durante o ato que, na China, é chamado de comemoração da vitória na Guerra de Resistência do Povo Chinês contra a Agressão Japonesa e na Guerra Antifascista Mundial.
“Somente quando as nações se tratarem como iguais — acrescentou —, viverem em harmonia e se apoiarem mutuamente, será possível salvaguardar a segurança comum, eliminar as raízes que causam as guerras e evitar a repetição de tragédias históricas.”
“A revitalização da nação chinesa é imparável. A modernização da China é a modernização do desenvolvimento pacífico”, afirmou Xi no discurso proferido na Praça Tian’anmen, diante de mais de 20 chefes de Estado estrangeiros, incluindo o presidente russo Vladimir Putin e o líder da República Popular Democrática da Coreia, Kim Jong Un.
Em recado a aliados e adversários, o chefe de Estado chinês lembrou o “imenso sacrifício” do povo durante uma guerra de resistência que — para a China — se prolongou por 14 anos (1931-1945), resultando em 80 milhões de deslocados, mais de 1.100 cidades destruídas e 35 milhões de vítimas entre civis e militares (cerca de um terço de todas as baixas da Segunda Guerra).
Em sinal de apoio político a Pequim, Putin reiterou sua condenação a qualquer tentativa de distorcer a história da Segunda Guerra Mundial e destacou que seus resultados já “estão consagrados na Carta das Nações Unidas e em outros instrumentos internacionais, que são invioláveis e não estão sujeitos a revisão”.
“A Rússia nunca esquecerá que a heroica resistência da China foi um dos fatores que impediram que o Japão atacasse a União Soviética pelas costas durante os meses mais sombrios de 1941-1942”, afirmou Putin em entrevista por escrito à agência Xinhua.
Nesse contexto, em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, denunciou uma suposta conspiração entre Xi, Putin e Kim para minimizar o papel norte-americano no conflito, Xi reconheceu que a vitória também “foi alcançada graças à luta conjunta do povo chinês com os aliados e os povos antifascistas de todo o mundo”.
“A humanidade deve permanecer unida em tempos de dificuldade, viver em harmonia e nunca recair na lei da selva, onde os fortes se aproveitam dos fracos”, declarou Xi, em mais um recado indireto a Washington.
Reembaralhar as cartas
Dois dias antes do desfile militar, Xi havia proposto uma ambiciosa Iniciativa para a Governança Global (IGG) durante o encerramento da cúpula da Organização de Cooperação de Xangai Plus (OCS), realizada em Tianjin, com a presença de líderes de 26 países que representam mais de 40% da população mundial e 22% do PIB global.
A imagem de Xi ao lado de Vladimir Putin e do primeiro-ministro indiano Narendra Modi — os três principais líderes da cúpula — alimentou especulações sobre a relevância de uma organização que não apenas convoca à união pelo crescimento econômico, mas que também parece cada vez mais disposta a se contrapor a eventuais imposições dos Estados Unidos e da Europa.
Ao explicar a necessidade de avançar para um novo ordenamento global, Xi lamentou que “a mentalidade da Guerra Fria, o hegemonismo e o protecionismo ainda assombrem o mundo”, configurando “novas ameaças e desafios” que os países devem enfrentar em um período de “turbulências e transformações”.
“A governança global chegou a uma nova encruzilhada”, sentenciou Xi, acrescentando que “não deve haver dois pesos e duas medidas, e as ‘regras da casa’ de um punhado de países não devem ser impostas aos demais”, em clara referência às potências ocidentais.
A China defendeu que a IGG se baseie em cinco princípios fundamentais: adesão à igualdade soberana dos países, respeito ao direito internacional, prática do multilateralismo, promoção de uma abordagem centrada nas pessoas e compromisso com ações concretas.
Segundo Pequim, os países que compartilharem esses princípios poderão solicitar adesão à maior organização regional do mundo — cuja cooperação abrange mais de 50 áreas, com investimentos chineses superiores a 84 bilhões de dólares e uma produção econômica conjunta de quase 30 trilhões de dólares. Muitos já veem o bloco como o principal centro estratégico alternativo aos modelos tradicionais criados no Ocidente.
“Devemos permanecer firmes do lado certo da história e unir esforços com todas as forças progressistas do mundo, para construir uma comunidade de destino comum para a humanidade e trabalhar pela nobre causa da paz e do desenvolvimento. Essa é precisamente a importância histórica da introdução da IGG”, destacou um editorial do Global Times, lido por dezenas de milhões de pessoas nas redes sociais chinesas.
“Devemos continuar derrubando muros, não erguê-los”, acrescentou Xi.
Foto: Xinhua
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/china-marcha-ao-passo-firme-e-observa-trump-de-perto