A contradição está explícita: não é o gasto social que desequilibra as contas públicas, é a desigualdade tributária.
Os apóstolos da austeridade, com suas tesouras erguidas contra o orçamento público, se calaram nos últimos dias. Desapareceram das mídias as velhas e surradas frases ideológicas: “Tem que cortar gastos”, “Não pode gastar mais do que arrecada”, “A conta não fecha”, e outras, para dar lugar ao noticiário policial, envolvendo magnatas sonegadores, do crime organizado.
As investigações dos órgãos federais, (Polícia Federal, Receita Federal e Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf), em parceria com Ministério Público Estadual, polícias civil e militar, secretarias de fazenda de alguns estados, nas operações Carbono Oculto e Poço do Lobato, contra o crime organizado, expuseram com riqueza de detalhes a movimentação de fundos no sistema financeiro, de mais de R$ 42 bilhões. Apenas na Refit, dona da Refinaria de Manguinhos, a sonegação do grupo chegou a R$ 26 bilhões de impostos.
Esse valor é apenas parte da sonegação fiscal no Brasil, que ultrapassou R$ 727 bilhões, em 2024, segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – Sinprofaz. É mais do que o país investe em educação básica, mais do que o orçamento federal da saúde, quase duas vezes o valor anual do Bolsa Família. A cada segundo, quase R$ 20 mil são sonegados sem que os defensores do corte em investimentos do governo federal, erga a voz.
E não para por aí. Somam-se a essa sangria dos cofres públicos, R$ 678 bilhões de isenções, renúncias fiscais e benefícios tributários estimados pela Receita Federal em 2024, muitos sem avaliação, sem critérios objetivos e, sobretudo, sem contrapartida social.
Entre isenções sobre lucros e dividendos, regimes especiais, subsídios setoriais e brechas legais, que grandes escritórios de advocacia dominam, o Brasil abre mão do equivalente a 5,78% do PIB, enquanto se exige contenção de gastos sociais que, nem de longe, alcançam esse montante.
No topo dessa pirâmide, está o contencioso tributário brasileiro, o maior no ranking mundial da OCDE: R$ 5,7 trilhões, aproximadamente 75% do PIB, acumulados em litígios administrativos e judiciais, boa parte arrastada há décadas por grandes conglomerados empresariais que, na maioria das vezes, se recusam a pagar impostos, R$ 6,53 trilhões. Para efeito de comparação, isso representa quase duas vezes o orçamento federal inteiro de um ano.
Para efeito de comparação, a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil beneficia aproximadamente 25 milhões de pessoas e injeta na economia cerca de R$ 28 bilhões. Para compensar a perda de arrecadação foi estabelecida uma alíquota extra progressiva de até 10% para aqueles que recebem mais de R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil por mês). Para lucros e dividendos remetidos ao exterior, a alíquota é de 10%. Logo após anunciado que a compensação seria taxar o andar de cima, uma gritaria se espalhou pela mídia, como se o governo tivesse cometendo um pecado mortal.
O país convive com um paradoxo: por um lado, pressão para cortes de investimentos. Por outro, a teimosia do Presidente Lula e seu governo em botar o pobre no orçamento com investimentos na erradicação da fome, na redução das desigualdades, na educação, na pesquisa científica, na geração de oportunidades para quem mais precisa, no acesso à saúde, na transição energética e programas sociais estruturantes.
Nesse deserto de coerência, a crítica ao investimento público se torna perversa. A mesma sociedade que tolera a evasão fiscal recorde acusa o Estado de “gastar demais” quando financia o SUS, que atende 75% dos brasileiros, ou quando investe nos Institutos Federais que formam jovens, ou nos programas de moradia que recolocam famílias no mapa da dignidade.
O custo anual do Bolsa Família, cerca de R$ 168 bilhões, é tratado como gasto que poderia ser cortado, embora represente menos de 2% do PIB e tenha impacto direto na economia local, no comércio, na produção rural, na redução da fome. Já a sonegação, que equivalente a 6% do PIB, recebe complacência.
Nesse cenário, destaca-se a determinação política do governo do Presidente Lula, que recupera a função civilizatória do Estado. A retomada do PAC, com mais de R$ 1,7 trilhão previstos em investimentos, reativa empregos, impulsiona cadeias produtivas e devolve dinamismo a municípios esquecidos.
O salário mínimo voltou a ter ganhos reais, elevando a renda de 40 milhões de brasileiros. A educação teve mais de 5 mil obras retomadas, entre creches, escolas e instalações técnicas. A agricultura familiar recebeu o maior Plano Safra da história: R$ 77,7 bilhões. A transição energética, antes paralisada, concentra mais de US$ 200 bilhões em investimentos privados e públicos previstos até 2030.
O debate nacional tem mirado o alvo errado: culpa programas sociais de alto impacto e baixo custo, e poupa privilégios fiscais que consomem cifras faraônicas. Questiona o aumento do investimento, mas não questiona os R$ 300 bilhões anuais que grandes empresas deixam de recolher em discussões sobre PIS/Cofins. Critica políticas públicas, mas ignora que só o setor de mineração, com gigantescas margens de lucro, paga proporcionalmente menos impostos que um trabalhador assalariado.
Essa mentalidade empresarial, de recusa de pagamento de impostos, se cristalizou no Brasil desde tempos coloniais. Trocando em miúdos, colônia é para arrancar tudo que for possível e não contribuir para crescer, prosperar.
Diante desse quadro, a escolha do governo Lula de colocar o pobre no Orçamento e exigir dos ricos o básico, pagar o que devem não é apenas uma decisão política, é reparação histórica. Cada obra retomada, cada reajuste do salário mínimo, cada política de erradicação da fome é um gesto de recomposição da República sobre seus próprios alicerces. O Brasil não é pobre. É um dos países mais desiguais do mundo. Quando o Estado investe e inclui o pobre no orçamento, a economia, o emprego e a renda crescem, e a desigualdade é reduzida.
A contradição está explícita: não é o gasto social que desequilibra as contas públicas, é a desigualdade tributária. Não é o pobre que pesa no Orçamento, é a sonegação que pesa no Brasil. Governar é ter coragem de enfrentar a desigualdade com determinação e fazer justiça fiscal e social.
Foto: Agência Brasil
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/combater-a-sonegacao-reduzir-a-renuncia-fiscal-e-os-beneficios-tributarios-para-incluir-o-pobre-no-orcamento