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Congresso deve derrubar semana que vem vetos na Lei Geral do Licenciamento

A próxima semana se anuncia como um momento definidor para o futuro da política ambiental brasileira. No próximo dia 16, uma sessão conjunta do Congresso, convocada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, se tornará o palco para a análise de vetos presidenciais que incidem sobre a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei 15.190/2025).

A magnitude do ato presidencial atinente a lei votada com ampla maioria no Congresso é notável: foram 63 dispositivos vetados dos 400 originalmente aprovados no projeto de lei (PL 2.159/2021). Considerando o cenário político de 2025, marcado por uma notável assertividade do Legislativo em relação às propostas do Executivo — um exemplo claro foi a derrubada do decreto presidencial que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em junho —, é altamente plausível prever que a sessão conjunta não será uma mera formalidade.

Diante da relevância dos temas vetados na Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que tocam em pontos sensíveis como autonomia federativa, eficiência processual e segurança jurídica para setores produtivos vitais, a tendência é que o Congresso, impulsionado por sua crescente independência e pela pressão de diversos segmentos interessados (incluindo todos os setores produtivos, os próprios ministérios vinculados a atividades econômicas que não foram ouvidos no processo referente aos vetos e os próprios órgãos estaduais de meio ambiente), opte por derrubar parte significativa dos 63 vetos presidenciais.

Essa deliberação, que antecede a entrada em vigor da nova lei em fevereiro, portanto, além de elevar os níveis de pressão política a um grau bastante alto, terá alta relevância jurídica e ambiental, com repercussões profundas para todo o cenário nacional do licenciamento ambiental.

A atual tensão que permeia a relação entre o Congresso e o Poder Executivo, notadamente articulada pelo Ministério do Meio Ambiente em relação a esses vetos, transcende a mera divergência política. Ela se manifesta como uma verdadeira queda de braços, impulsionada por um crescente e legítimo clamor social e econômico por segurança jurídica, eficiência e previsibilidade nas regras do jogo ambiental.

Nesse cenário, a discussão é frequentemente capturada por uma narrativa polarizada. Rótulos como “PL da Devastação” que estão no contexto do entendimento do MMA, embora chamativos, tendem a exagerar as nuances do debate, criando uma dicotomia artificial que opõe o desenvolvimento econômico à proteção ambiental como se fossem interesses irreconciliáveis. Contudo, essa polarização, em vez de fomentar a busca por um interesse nacional unificado que concilie ambas as agendas, apenas expõe e aprofunda as divisões já existentes no país sobre a forma e a intensidade da proteção ambiental.

Insere-se nesse debate, de uma forma contundente, os órgãos estaduais de meio ambiente, que detêm a responsabilidade por mais de 90% dos licenciamentos ambientais no país e que expressaram, por meio da Abema (Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Meio Ambiente), sua profunda preocupação e descontentamento ao suscitarem a ausência de diálogo entre o governo federal e as entidades estaduais e municipais antes da imposição dos vetos, desconsiderando o papel fundamental que os estados realizam nesse tema.

A reclamação da entidade denuncia tal postura do executivo federal por, não apenas ignorar a expertise acumulada por essas entidades, mas também por se mostrar desalinhada com o pacto federativo e o princípio de cooperação interfederativa, essenciais e previstos na Lei Complementar nº 140/2011, que rege a repartição de competências ambientais no Brasil.

De minha parte, considero os argumentos pela derrubada de diversos desses vetos não apenas pertinentes, mas juridicamente e constitucionalmente sólidos, e cruciais para a efetividade de uma gestão ambiental moderna e eficaz.

A restrição à autonomia dos estados na definição de critérios de licenciamento, por exemplo, contraria a própria essência do federalismo brasileiro. O argumento de que a União deve definir normas gerais não pode ser interpretado como um poder para esgotar o assunto, inviabilizando a atuação legislativa dos estados.

Prerrogativa

A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal tem reiterado que as normas gerais devem traçar diretrizes básicas e padrões mínimos, cabendo aos estados pormenorizar e complementar essas regras, considerando suas realidades sociais, econômicas e ambientais únicas. Desconsiderar essa prerrogativa significa negligenciar as particularidades regionais e a capacidade técnica já comprovada pelos órgãos estaduais.

No tema das tipologias e portes de empreendimentos licenciáveis, por exemplo, registre-se que há décadas os estados regulamentam o porte e potencial poluidor dos empreendimentos de forma responsável, refutando a retórica de uma suposta “guerra antiambiental” entre os entes federativos.

Similarmente, o veto que limita a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) exclusivamente ao porte do empreendimento representa um retrocesso significativo. A modalidade de licenciamento simplificado, como a LAC, deve ter sua aplicação balizada pela previsibilidade e pelo domínio das variáveis ambientais envolvidas, e não por um critério meramente dimensional relativo ao porte do empreendimento.

Impedir que a autoridade licenciadora defina quais atividades e empreendimentos são passíveis de LAC, mesmo que de médio porte mas com impactos conhecidos e controláveis, esvazia a capacidade de gestão e otimização dos recursos. A experiência de sucesso em diversos estados, aplicando a LAC a atividades de médio potencial poluidor (com previsibilidade técnica), demonstra que a manutenção da redação original seria um avanço, permitindo concentrar os esforços em empreendimentos de maior complexidade e impacto real.

Outro ponto de grande preocupação é a vinculação da dispensa de licenciamento ambiental para atividades agropecuárias à validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Embora a intenção possa ser louvável, a realidade operacional do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) é de notórios atrasos e falhas técnicas, tornando a exigência de validação prévia uma medida desproporcional e violadora do princípio da eficiência administrativa, consagrado no artigo 37 da Constituição. Impor aos órgãos estaduais a obrigação de processar um volume massivo de CARs, sem ferramentas adequadas e em um prazo exíguo, criará um colapso administrativo, paralisando o setor e gerando um ônus indevido ao produtor rural.

Essa exigência, na prática, inviabiliza a gestão ambiental e gera uma grave insegurança jurídica para o setor produtivo. Ao contrário do princípio da razoabilidade, a medida penaliza o administrado pela inação ou ineficiência estatal, impedindo que o produtor, mesmo de boa-fé, obtenha a dispensa de licenciamento por uma burocracia ineficaz. A redação original do texto vetado apresentava uma abordagem mais pragmática, reconhecendo a necessidade do registro, mas sem criar um gargalo inviável que compromete tanto a proteção ambiental quanto o desenvolvimento econômico para um setor tão estratégico para a economia nacional.

Outro ponto importante, objeto de veto, é a declaração de utilidade pública para barragens de pequeno porte para fins de irrigação, sob o argumento manifestado nas razões de veto de que essa situação geraria direitos indenizatórios e de que não é possível declarar de utilidade pública o que está em propriedade privada. Contudo, tais estruturas, embora em propriedades privadas, conferem benefícios coletivos inquestionáveis: segurança hídrica, regularização de mananciais, controle de enchentes e recarga de aquíferos.

Essas funções se alinham perfeitamente às exceções previstas no Código Florestal para intervenções em Áreas de Preservação Permanente (APPs) em casos de utilidade pública. O veto, ao focar na premissa de benefício exclusivamente privado, desconsidera o caráter multifuncional e de serviço ambiental que essas barragens proporcionam, e não implica desapropriação automática, mas sim um reconhecimento que legitima a obra por sua relevância socioambiental.

Finalmente, a essência do princípio da autoridade única no licenciamento ambiental, consagrado pela Lei Complementar nº 140/2011, é comprometida pelos vetos que buscam tornar vinculantes as manifestações de outras “autoridades envolvidas” ou permitir que sua inação paralise o processo. A autoridade licenciadora possui a visão holística e a responsabilidade final pela análise integrada do empreendimento.

Tornar as manifestações de órgãos setoriais vinculantes ou permitir a inação desses atores configura um poder de veto descentralizado, fragmentando a competência e gerando morosidade e insegurança. As manifestações devem ser consultivas e técnicas, fornecendo subsídios valiosos, mas a decisão final, que sopesa todos os aspectos — ambientais, sociais, econômicos —, deve pertencer à autoridade licenciadora para assegurar a celeridade e a eficiência que o licenciamento ambiental exige.

O debate em torno dos vetos à Lei Geral do Licenciamento Ambiental revela uma complexa dialética que denota uma disputa de visões entre o Executivo, a sociedade civil ambientalista, os entes estaduais e o setor produtivo com riscos reais para a própria eficácia da gestão ambiental do país. De um lado, o Executivo Federal, ao justificar os vetos, sustenta que determinadas disposições poderiam fragilizar a proteção ambiental.

Para controlar esses riscos, propõe a centralização e uniformização de processos, mas essa abordagem desconsidera as realidades locais e as competências federativas, impondo uma burocracia adicional que, paradoxalmente, pode comprometer a própria eficiência do sistema. De outro, os estados defendem sua autonomia federativa e a eficiência dos processos que lhes são inerentes, enxergando na manutenção da redação original de alguns dispositivos centrais, a chave para uma gestão ambiental ágil, desburocratizada e protetiva. O setor produtivo, por sua vez, clama por previsibilidade e clareza nas regras, essencial para seus investimentos e operação.

Essa divergência de visões, ao invés de convergir para um modelo de gestão ambiental eficiente e integrada, que harmonize os interesses da União, dos estados e do setor produtivo, acaba por acentuar as incertezas e os problemas sistêmicos. A crítica à burocracia excessiva, ecoada por diversas frentes, esbarra em soluções propostas que, ao invés de simplificar, podem gerar novos entraves ou fragilizar a proteção ambiental.

A insegurança jurídica, portanto, não advém apenas de normas falhas ou vetos impraticáveis, mas da ausência de um consenso e de uma abordagem cooperativa que promova um ambiente regulatório estável e funcional para todos os envolvidos. A sessão conjunta do Congresso assume, assim, um papel decisivo: caberá aos parlamentares ponderar entre essas distintas perspectivas e forjar um caminho que verdadeiramente molde o futuro da governança ambiental e do desenvolvimento sustentável no Brasil, superando as fragmentações e construindo uma base sólida para a implementação da lei.

FOTO: Spacca

FONTE: https://www.conjur.com.br/2025-out-11/a-votacao-dos-vetos-na-lei-geral-do-licenciamento-ambiental/