Encontro em Haia expõe submissão europeia a Donald Trump e aprofunda militarização em detrimento do bem-estar social.
Por trás das pompas oficiais, dos cliques constrangidos e dos jantares decorados com picles, consolidou-se uma mudança radical: a substituição do modelo europeu de bem-estar social por uma agenda de militarização em larga escala, com roteiro elaborado em Washington e carimbado por líderes europeus dóceis.
O eixo do acordo — a elevação dos gastos com defesa para exorbitantes 5% do PIB — vai muito além de uma decisão orçamentária. Representa uma rendição política, o fim do modelo social europeu, antigo alvo dos ataques de Trump, e prenuncia a ascensão ainda maior da extrema direita, cenário também desejado por ele. A fórmula, apresentada de forma a diluir sua gravidade (3,5% para defesa direta e 1,5% para infraestrutura e cibersegurança), foi montada sob medida para satisfazer Trump — que, ironicamente, nunca cumpriu metas semelhantes em seus próprios orçamentos.
A Espanha se destacou como rara voz dissidente, defendendo um patamar mais modesto de 2,1%. No entanto, foi prontamente repreendida pelo secretário-geral da Otan, Mark Rutte, que rejeitou abertamente a possibilidade de exceções, sentenciando: “a Otan não trabalha com acordos paralelos”.
Trump, o protagonista incômodo – Enquanto isso, Trump conseguiu exatamente o que desejava: uma cúpula sem questionamentos embaraçosos — nada sobre o comprometimento dos EUA com o Artigo 5º (que garante a defesa coletiva), nada de garantias para a entrada da Ucrânia na aliança, com Volodymyr Zelensky mantido nos bastidores. Em contrapartida, aliados bajuladores prometeram bilhões a projetos que, não por coincidência, favorecem a indústria bélica americana. Jornalistas europeus, temerosos, evitaram indagar se Trump honraria o pacto de defesa mútua que ele próprio já havia desdenhado repetidas vezes.
O que se viu, portanto, não foi diplomacia de aliança, mas uma coreografia feudal. Líderes europeus se curvaram diante de um governante em quem não confiam nem respeitam, na esperança de conter, ao menos temporariamente, sua fúria. Trocaram soberania por condescendência. Hipotecaram aposentadorias para financiar mísseis. E o fizeram num momento em que o apetite expansionista de Trump (basta lembrar de suas fantasias sobre Groenlândia e Canadá) segue intocado e sequer debatido.
A Europa não precisa da Otan em seu formato atual. Necessita, sim, de uma arquitetura de segurança autônoma — voltada para os interesses de seus cidadãos, e não para os desígnios imperiais dos EUA. Enquanto isso não ocorre, continuará sendo um continente-clientela: armado, endividado e obediente.
A performance grotesca de Mark Rutte: um secretário-geral envergonhado – Se o objetivo de Mark Rutte, secretário-geral da Otan, era conquistar o posto de europeu favorito de Trump, pode-se dizer que cumpriu seu papel com entusiasmo constrangedor. O ex-premiê holandês trocou o estadismo pela bajulação, tornando-se motivo de chacota tanto nos bastidores diplomáticos quanto na imprensa.
Suas declarações ganharam notoriedade — e escárnio — ao afirmar, em tom servil: “papai [Trump] precisa usar uma linguagem dura” e “querido Donald, parabéns e obrigado por sua ação decisiva no Irã”. Frases que poderiam ser tratadas como sátira, não fossem reais e proferidas publicamente. Pior: Rutte insistiu nesses elogios, inclusive enaltecendo ações militares controversas de Trump, o que representa uma impressionante degradação do decoro que se espera da liderança da Otan.
Não se trata de diplomacia. Trata-se de humilhação. O comportamento de Rutte foi abertamente submisso, bajulador e vexatório — uma tentativa desesperada de agradar ou apaziguar Trump, a quem parece tratar como um “papai” a ser idolatrado. Abandonou qualquer vestígio de dignidade para satisfazer o ego presidencial americano.
Sua adesão completa ao culto da personalidade de Trump foi tamanha que Rutte se tornou o rosto da “Cúpula de Trump” — uma reunião em que a pauta de segurança europeia não se definiu por estratégia, mas pela necessidade de agradar os caprichos de um único homem. Ainda mais alarmante, Rutte ajudou a disseminar desinformação ao repetir, sem provas, que a Rússia estaria preparando um ataque a um membro da Otan, sem apresentar evidências ou responder a perguntas críticas.
Quando o chefe da Otan se transforma em megafone de ameaças especulativas e cheerleader do poder americano, a aliança perde sua credibilidade. As atitudes de Rutte lançam uma sombra sobre toda a classe dirigente europeia e levantam a pergunta: a quem, afinal, a Otan serve?
A resposta esteve à mostra em Haia — entre tapetes vermelhos, piadas embaraçosas sobre a altura de Trump e cenas surreais com conservas e monarcas. Rutte diminuiu a si mesmo, acreditando que assim manteria a aparência de unidade da Otan. O efeito foi oposto: ele escancarou a fragilidade da aliança e sua dependência vergonhosa de um presidente dos EUA que mina os pilares da democracia e do multilateralismo.
A Europa merece mais. A liderança da União Europeia também se rendeu ao projeto militarista da Otan, abandonando os ideais de paz e prosperidade do bloco e desprezando seus cidadãos. A aliança precisa de visionários — não de cortesãos. E os europeus precisam de líderes que respondam a eles, não ao homem do Air Force One.
FOTO: The White House
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/cupula-da-otan-2025-a-capitulacao-da-europa-ao-imperialismo-americano