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Democratas precisam enfrentar a verdade inevitável sobre Biden

A verdade inescapável é que a maioria dos eleitores dos EUA, inclusive a maioria dos democratas, considera Biden velho demais para concorrer ao cargo novamente.

Quinta-feira deveria ter sido um dia bom para o presidente Joe Biden. A Suprema Corte dos Estados Unidos ouviu argumentos de que o ex-presidente Donald Trump não estava qualificado para exercer o cargo porque incitou uma insurreição; o ex-âncora da Fox Tucker Carlson divulgou uma entrevista com o presidente russo, Vladimir Putin, que defende melhor do que ninguém o argumento de que os trumpistas adulam o autocrata da Rússia; e surgiu a notícia de que o promotor especial Robert Hur não pediria abertura de processo contra Biden por reter documentos confidenciais.

Então a Casa Branca viu o texto repleto de frases-bombas de Hur. As “faculdades diminuídas e a memória fraca” de Biden significavam que nenhum júri o condenaria, escreveu Hur. O presidente dos Estados Unidos era um “homem idoso e bem-intencionado com uma memória ruim”, que nem mesmo conseguia lembrar em que ano seu filho Beau tinha morrido.

A notícia da versão desse promotor transformou instantaneamente a quinta-feira no pior dia do mandato presidencial de Biden. A entrevista coletiva que ele agendou às pressas para rebater a linguagem de Hur sugere que haverá mais dias ruins pela frente. A referência de Biden ao presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi, como “presidente do México” não ajudou em nada. Suas quatro palavras, “minha memória é boa”, podem não equivaler ao “não sou um bandido” de Richard Nixon, mas poderiam entrar para o folclore político dos EUA da mesma forma. Uma medida da escalada que Biden enfrenta é que ele fez uma declaração bombástica, ao dizer que as ações de Israel na Faixa de Gaza foram “excessivas”. Mas os jornalistas presentes só tinham uma coisa em mente: o declínio das faculdades mentais de Biden.

É bom salientar que a memória de Trump parece ser igualmente falha. Há pouco tempo, Trump confundiu a democrata Nancy Pelosi, ex-presidente da Câmara dos Deputados, com sua oponente republicana Nikki Haley. Ele também descreveu o presidente da Hungria, Viktor Orbán, como “o líder da Turquia”. Além disso, é mais do que razoável sublinhar que Biden não foi indiciado por causa dos documentos confidenciais, enquanto Trump enfrenta 40 processos criminais sobre a mesma questão e é acusado de outros 51 crimes que envolvem, entre outras coisas, tentar anular uma eleição democrática.

Também não é errado lembrar que Hur foi nomeado procurador dos EUA por Trump e tem interesses próprios. Como não conseguiu desencavar provas legais suficientes para levar Biden a julgamento, Hur espalhou gratuitamente algumas granadas políticas. Todas essas observações são verdadeiras. No entanto, a verdade inescapável é que a maioria dos eleitores dos EUA, inclusive a maioria dos democratas, considera Biden velho demais para concorrer ao cargo novamente. Na verdade, Trump está à frente de Biden por uma margem de dois dígitos nas pesquisas sobre qual dos dois é o mais competente para governar. Em termos eleitorais, a idade de Biden estará no centro das atenções. E isso não vai ficar nem um pouco melhor.

Já está claro faz bastante tempo que qualquer dos dois partidos que abandone seu candidato terá uma chance muito maior de vencer em novembro. Trump é dono do Partido Republicano, então sua saída pode ser descartada. Por outro lado, se Biden desistisse, haveria um suspiro coletivo de alívio democrata. Em público, os democratas têm mantido um apoio reservado à candidatura de Biden. Em particular, eles dizem coisas como “é hora de tirar as chaves do carro do vovô”. Além da convicção profunda de Biden de que só ele pode derrotar Trump, o principal argumento contra sua saída da disputa baseia-se na história. O exemplo mais marcante de um presidente no exercício do cargo que se recusou a concorrer a um segundo mandato é o de Lyndon Baines Johnson, em 1968. Seu vice-presidente, Hubert Humphrey, acabou por perder a eleição presidencial para Nixon.

Mas essa menção levanta mais perguntas do que respostas. LBJ abandonou a disputa em 31 de março de 1968. Ele fez o possível para minar a candidatura de seu vice-presidente, ao se recusar a ordenar a suspensão dos bombardeios no Vietnã do Norte. Isto praticamente garantiu que um Humphrey dividido, que ainda se sentia leal a LBJ, mas precisava muito se distanciar da guerra do Vietnã, enfrentaria uma convenção com rachas letais em Chicago. Aquela reunião, marcada por tumultos, não decepcionou. Biden, por outro lado, não está amarrado a uma guerra distante que ceifa as vidas de milhares de jovens americanos. A economia dos EUA vai bem. O único problema real é sua idade. Se Biden se dirigisse hoje à nação com a decisão de não concorrer à reeleição, isso daria a seu partido seis meses para encontrar um candidato antes de agosto. Por casualidade, a convenção de 2024 também será em Chicago.

O outro argumento contra a desistência de Biden é que sua vice-presidente, Kamala Harris, é ainda menos popular do que ele. Isso deixaria Biden em um dilema. Se a apoiasse, ele estaria entregando a eleição a Trump. Se não endossasse Harris, que é a primeira mulher e a primeira pessoa não branca a tornar-se vice-presidente, poderia dividir a base democrata. Em vez de rachar por causa de uma guerra sangrenta, desta vez Chicago poderia ser devastada por batalhas identitárias.

A opção é ruim. Pessoas próximas de Biden dizem que a única pessoa que poderia convencê-lo a desistir seria a primeira-dama, Jill Biden. Ela tenta limitar a exposição pública do marido constantemente. Mas a ausência não é uma estratégia. Em 2020, Biden conseguiu fazer sua campanha pelo Zoom por causa da pandemia de covid-19. Desta vez, ele precisará sair a campo. Ninguém, literalmente, pode argumentar que Biden não é velho demais, a não ser o próprio Biden.

Diz-se que Mark Twain brincou: “Idade é a mente sobre a matéria. Se você não se importa, ela não importa.” Infelizmente para Biden, os eleitores americanos parecem, sim, se importar.

FONTE:

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2024/02/10/ft-democratas-precisam-enfrentar-a-verdade-inevitvel-sobre-biden.ghtml