‘O Brasil pode ter petróleo, banco de fomento e apoio da China. Mas enquanto a narrativa for de fracasso, continuaremos derrotados por dentro’.
Nesta semana, o Brasil 247, o BNDES e a Agenda do Poder realizaram um evento que precisa ser celebrado não apenas pelo conteúdo, mas pelo gesto político: colocar a Nova Indústria Brasil em cena, em voz alta, diante das câmeras e das palavras. Não foi apenas um seminário técnico sobre reindustrialização. Foi um esforço concreto de comunicar um projeto de país. E isso, neste momento da história brasileira, vale tanto quanto um investimento bilionário.
Não adianta falar em petróleo, banco de fomento, industrialização verde, BRICS ou apoio da China se o povo acredita, dia após dia, que o Brasil está quebrado. De nada vale anunciar investimentos em tecnologia ou avanços diplomáticos se a percepção geral, alimentada por jornalistas colonizados e influenciadores a soldo, é de fracasso iminente, desgoverno e terra arrasada. O inimigo de qualquer projeto soberano hoje não está apenas nos mercados ou nas bases militares. Está nas manchetes, nas hashtags, nas narrativas repetidas à exaustão. Está no senso comum moldado por interesses externos e em cérebros condicionados para o auto desprezo.
Ao transmitir ao vivo um evento em que ministros falam sobre desenvolvimento, o evento provou que a esquerda também pode, e deve, disputar corações e mentes. Porque, sejamos honestos, o campo progressista está atrasado nessa guerra. Ainda pensa que desenvolver é fazer, quando, na verdade, desenvolver é também contar, explicar, emocionar, seduzir, construir linguagem.
Enquanto falamos em soberania energética, industrial e tecnológica, a extrema direita ganha corações com vídeos curtos, frases prontas e a força de uma mentira bem contada. Não adianta retomar a Petrobras se o povo acredita que ela é um antro de corrupção. Não adianta o BNDES voltar a investir bilhões se a manchete diz que o governo “desperdiça dinheiro público”. Não adianta Lula sentar ao lado de Xi Jinping ou Putin se o povo assiste à Globo dizendo que o Brasil está virando colônia chinesa ou apoiando ditaduras.
O problema não é o projeto. O problema é que a narrativa do projeto ainda não existe. Pensar em desenvolvimento sem pensar em soberania informacional é ingenuidade. Defender soberania sem investir em guerra cultural é um convite à rendição silenciosa. A guerra já está em curso e é uma guerra pelo controle da linguagem, da memória e do sentido. Se o Brasil quiser se desenvolver de forma soberana, precisa começar pelo essencial: garantir sua infraestrutura informacional, sua soberania cognitiva e sua capacidade de disputar ideias com método, estratégia e investimento. Sem isso, qualquer projeto será sabotado por dentro, antes mesmo de nascer.
Muito antes da era digital, a direita ocidental já havia entendido Gramsci melhor do que boa parte da esquerda. Nos Estados Unidos do pós-guerra, fundações, think tanks, editoras, universidades e meios de comunicação foram articulados para criar um ecossistema cultural capaz de sustentar a hegemonia do capitalismo liberal. A guerra cultural, para eles, nunca foi uma metáfora. Foi um projeto estratégico, metódico e financiado. Essa arquitetura da dominação narrativa atravessou o século XX com pleno sucesso. Ao final da Guerra Fria, o neoliberalismo já não precisava mais se justificar: ele era o senso comum global. Não porque venceu nos números, mas porque venceu na linguagem, nos afetos, nos símbolos e no imaginário.
No século XXI, é a vez da Rússia e, sobretudo, da China. Ambos os países não apenas entenderam o jogo, como decidiram jogar em alto nível. A China investe pesado na construção de imagem, articula redes de mídia internacional, treina comunicadores, financia bolsas, cria parcerias com veículos locais e ocupa os espaços de fala antes dominados pelo Ocidente. A Rússia faz o mesmo com menos recursos, mas com alta capacidade de manobra narrativa, tática digital e infiltração em redes locais. E o Brasil? Ainda trata a guerra cultural como exagero retórico ou birra ideológica. Seguimos vendo lideranças progressistas que consideram a comunicação uma questão secundária, enquanto a população repete chavões, memes e slogans que sabotam qualquer tentativa de soberania real. Em vez de disputar corações e mentes, entregamos as nossas.
A batalha que define os rumos do século XXI não se trava no campo físico, mas na arquitetura da percepção. O alvo já não é o corpo, é a cognição. Não se trata de ocupar territórios com tropas, mas de ocupar subjetividades com estímulos, imagens, discursos e padrões mentais que passam despercebidos como armas. É no neocórtex, onde se constroem julgamentos, memórias, linguagem e decisões, que os conflitos contemporâneos estão sendo vencidos ou perdidos. E é ali que os mecanismos de dominação já operam com precisão cirúrgica.
Essa guerra não destrói o inimigo. Ela o convence. Não explode o alvo. Ela o converte. O objetivo não é o território, é a mente. A guerra neocortical não impõe ideias pela força, ela modula desejos, percepções e crenças até que o sujeito aja contra si, acreditando estar fazendo o certo. O bolsonarismo entendeu isso. Construiu um ecossistema de guerra cognitiva com conteúdo, estética, mobilização e presença permanente. Conseguiu fazer parte significativa da população acreditar que a vacina mata, que ditadura foi liberdade e que soberania é submissão aos Estados Unidos.
Durante décadas, tratamos comunicação como se fosse uma etapa secundária. Como se bastasse fazer, que um dia alguém veria. Como se fosse possível desenvolver um país sem antes desenvolver a linguagem que esse país precisa para se enxergar. E enquanto isso, a extrema-direita ocupou o vácuo. Produziu sentido, organizou ódio, viralizou simplificações, espalhou pânico moral e transformou ressentimento em ideologia. Ela entendeu que quem nomeia, domina. Que é possível destruir a Petrobras com uma manchete. Desacreditar o BNDES com uma edição de jornal. Ridicularizar a China com um meme. Criminalizar o social com uma palavra.
Não existe soberania se a base da percepção coletiva continua sob controle alheio. A independência de um país começa na forma como seu povo entende o mundo, o passado, o presente e o próprio país. Não adianta ter petróleo, indústria nacional ou banco público se a maioria acredita que o Brasil é inviável por natureza. Não adianta vencer no mundo real se se perde todos os dias no mundo simbólico.
A soberania informacional não é um luxo, é um pilar. Isso significa garantir meios próprios de produção, circulação e proteção da informação. Significa investir pesado em uma comunicação pública estratégica, robusta e descolonizada. Significa criar redes soberanas de dados, plataformas digitais nacionais, escolas de formação comunicacional, educação midiática e incentivo à produção cultural comprometida com o país. Não há desenvolvimento se a infraestrutura da mente está ocupada. E não há soberania cognitiva sem infraestrutura informacional. Essa é a equação que o Brasil precisa aprender com urgência.
A guerra já começou. E ela é informacional. É cultural. É estética. Não basta termos petróleo se ele vem com a narrativa de destruição. Não basta reindustrializar se a indústria for vendida como gasto. Não basta o BRICS prometer um novo mundo se a Globo convencer que é uma aliança do mal. Não basta Lula negociar como estadista se a imprensa pinta como delírio.
Desenvolver é comunicar. É mais do que construir usina, estrada, porto ou escola. É construir uma linguagem capaz de dizer o que isso tudo significa. É criar imagem, música, palavra, símbolo, grito. É ativar a imaginação popular para que ela deseje o que se pretende fazer. Porque nenhum povo defende o que não entende. Nenhum projeto se sustenta no silêncio. Nenhuma nação sobrevive sem narrativa. É a comunicação, abestado!
Foto: Divulgação
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/desenvolver-e-comunicar