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Desfeito o mistério: agora é guerra

A ordem de Trump é uma reestruturação das Forças Armadas, a maior já feita desde a Segunda Guerra Mundial.

A porta da rua é a serventia da casa. Os generais “gordos” e fora de forma, as mulheres que se alistaram, mas não aguentarem o tranco nas provas físicas, as trans que trocaram a farda masculina pela feminina, os “diferentes”, enfim, que não se adaptarem à nova ideologia do secretário de Defesa, Pete Hegseth, peçam para sair. A era “Woke” acabou. Agora é guerra.

Depois de uma semana de suspense, quando o mundo aguardou com a respiração presa no que resultaria, afinal, a reunião marcada para esta terça-feira (30/10), desfez-se, enfim, o mistério da convocação dos comandos militares de todo o mundo, sob a ordem de se deslocarem até a Virgínia, onde fica a sede do agora “Departamento de Guerra”.

Durante uma hora, assistido por Donald Trump – que deixou para ele o trabalho de dar o recado ao mundo e aos militares do país -, o secretário de Defesa, Pete Hegseth, falou a quase mil generais, dando as diretrizes do que se espera do universo militar dos EUA: todos pintados para a guerra.

A ordem de Trump é uma reestruturação das Forças Armadas, a maior já feita desde a Segunda Guerra Mundial, transformando-a em uma verdadeira máquina de poder: “Lutamos para vencer. Não para defender”, definiu logo na abertura do seu discurso.

Identificando aliados e inimigos

Numa era de mudança de ventos, quando os países tentam se organizar no bloco que chamamos de Sul Global – apesar do avanço da direita -, esse discurso representa uma guinada doutrinária que afeta diretamente o equilíbrio de poder global. As principais implicações são:

– Escalada com a China: o secretário antecipou que uma nova palestra abordará as ações americanas para conter Pequim, reforçando o Indo-Pacífico como principal teatro estratégico.

– Reaproximação com aliados armados: exigência de que países aliados compartilhem o peso da segurança com “poder real” e “liderança militar verdadeira”.

– Potencial aumento de presença militar no Hemisfério Ocidental, incluindo América Latina, para neutralizar ameaças e influências hostis.

– Pressão sobre OTAN e países europeus: os EUA não mais assumirão sozinhos o papel de garantidores da paz global.

O perigo dessa nova postura, é contaminar as Forças Armadas atreladas aos seus princípios, que bebem na fonte das suas orientações. A ideologia do retrocesso, do rigor físico, da exclusão da diversidade no interior das Forças Armadas, pode derramar para os comandos de unidades militares distantes, como as do Brasil, que desde 1945 anda sob o figurino militar estadunidense, com forte dependência de intercâmbios e formação dos seus quadros no Comando Sul dos EUA, por exemplo. Difícil acreditar em postura semelhante adotada pelo comandante do nosso Exército, Tomás Paiva, mas a questão é conter o retrocesso e a influência nas unidades todas.

O tom assumido por Donald Trump, que discursou depois, não deixou dúvidas: os Estados Unidos estão abandonando uma política militar defensiva e adotando uma doutrina ofensiva e agressiva, tanto no campo de batalha quanto na cultura interna das Forças Armadas. O secretário anunciou mudanças imediatas nos treinamentos, nos padrões físicos, nos critérios de promoção, na estrutura de comando e até no comportamento dos militares nas redes sociais.

Ao que parece, doravante, todas as normas de aptidão física, especialmente para funções de combate, voltarão aos padrões mais altos historicamente aplicados aos homens. O secretário de defesa chegou a citar que não quer militares e muito menos generais e almirantes obesos. Mulheres continuarão podendo se candidatar, mas terão que cumprir os mesmos requisitos: “Se mulheres não conseguirem atingir o padrão, que seja. Isso não é sobre impedir que sirvam, mas sobre garantir que quem estiver lá seja capaz de cumprir a missão.”

“Para garantir a paz, devemos nos preparar para a guerra… A única missão do recém-restaurado Departamento de Guerra é esta: lutar guerras. Preparar-se para a guerra e preparar-se para vencer”, evidenciando uma “doutrina” totalmente diferente daquele que busca o prêmio Nobel da Paz, ambição declarada por Trump até mesmo no seu discurso na ONU.

Entre as mudanças mais imediatas está o fim da política de diversidade, equidade e inclusão (DEI) nas Forças Armadas dos EUA. O secretário classificou essa agenda como “ideologia tóxica que compromete a letalidade”, e baniu de vez os padrões que ele afirma terem sido impostos por políticos progressistas.

“Acabou. Não haverá mais meses de identidade, escritórios de DEI, homens de vestido, nem culto à mudança climática. Ou você cumpre o padrão ou está fora. Isso é vida ou morte”, anunciou, Hegseth, de forma ameaçadora.

É morte aos avanços, principalmente. Morte aos princípios humanistas, morte à paz, que ele busca num prêmio, mas afasta com ameaças de uma guerra que pode virar os canos de suas armas, quem sabe, para os cidadãos do seu próprio país. O mundo, a partir de hoje, dormirá mais tenso.

FOTO: Gage Skidmore from Surprise, AZ, United States of America

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/desfeito-o-misterio-agora-e-guerra