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Destruindo Gaza “com amor”: os novos iognazis de “israel”

Quem disse que espiritualidade e limpeza étnica não combinam? “israel” está cheio de pessoas espiritualizadas que veem a aniquilação do outro como uma forma de crescimento pessoal.

Rivka Lafair é uma “facilitadora de workshops, encontros e sessões em grupo sobre temas de ioga, professora de ioga feminina e desenvolvimento pessoal”. Ela mora no assentamento de Shiloh, no sul da Cisjordânia, e se autodenomina uma “judia orgulhosa” que “pensa fora da caixa”. Adorável. Além disso, ela também quer aniquilar e expulsar dois milhões de seres humanos da Faixa de Gaza.

Por Alon Idan*

Lafair pertence a uma corrente dentro do judaísmo israelense que pode ser descrita como “iognazis”: pessoas cujo espiritualismo sustenta seu nazismo. Eles são um substrato relativamente novo – embora com raízes profundas na cultura local – que ganhou popularidade desde 7 de outubro, em grande parte devido à sua capacidade de unir conceitos que, superficialmente, parecem opostos: espiritualidade e aniquilação, empoderamento e expulsão, ioga e fome, retiros e bombardeios radicais.

Lafair acredita que “a música tem o poder de alterar nossa consciência”, mas também que expulsar e aniquilar dois milhões de habitantes de Gaza começa com “alterar a própria consciência”. Para ter sucesso nessa importante mudança cognitiva, precisamos entender que “temos um inimigo aqui – que olhamos nos olhos e eliminamos”. Sim, olhe-os nos olhos – não faça isso pelas costas, porque precisamos estar em contato direto e imediato com aqueles que estamos aniquilando.

E para deixar claro que por “inimigo” ela não se refere apenas aos terroristas do Hamas, ela esclarece: “Estamos comprometidos em nos vingar e destruir Gaza. Da infância à velhice.” Ela completa com um versículo bíblico apropriado: “Apagarás a lembrança de Amaleque de debaixo do céu; não te esquecerás.”

Lafair entende que as pessoas tendem a ficar confusas ao se depararem com essa dissonância entre espiritualidade e aniquilação. Por isso, em um de seus vídeos, ela tem “uma mensagem para todos que não entendem como é possível ser espiritual, ensinar ioga e realizar retiros, enquanto clama pela expulsão e aniquilação do seu inimigo.”

De fato, sua resposta é simples: “Amo meu povo com um amor eterno e odeio meu inimigo com um ódio eterno… Um não contradiz o outro. Uma pessoa pode ser repleta de valores e amor e, ao mesmo tempo… também sabe o que é certo e o que é errado, permanece firme contra seu inimigo e sabe o que deve ser feito com ele.”

Então, o que deve ser feito com eles? (Xiiiii… não conte a ninguém.)

M., a mesma mulher que cuida de crianças “com uma abordagem gentil e acolhedora”, explica: “Sabe de uma coisa? Depois de 7 de outubro, não tenho um pingo de compaixão por ninguém lá. Nem mesmo pelas crianças.”

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E se o espiritualismo nazista de Lafair pode ser descartado por ela ser uma colona que encontrou uma solução eficiente para concretizar a ideia de um Grande Israel, vale a pena notar que este é um fenômeno muito mais amplo que não se limita aos territórios ocupados.

Um dia antes do Dia da Memória do Holocausto, por exemplo, o comediante e satirista Gil Kopatz, que flerta com a espiritualidade e a religião há anos, postou o seguinte: “Se você alimentar tubarões, eles eventualmente o comerão. Se você alimentar os moradores de Gaza, eles eventualmente o comerão. Eu apoio a extinção dos tubarões e o extermínio dos moradores de Gaza. Reflexões para o Dia da Memória do Holocausto de 2025.”

Depois que a postagem gerou uma “tempestade”, Kopatz publicou um esclarecimento: “Não tenho um pingo de compaixão pelos moradores de Gaza. Pelos árabes como um todo, sim, pelos seres humanos como um todo, sim, pelos tubarões – não, e não por animais humanos.” É claro que seu desejo de erradicar milhões de pessoas não implica que ele seja uma má pessoa. De fato, “me considero uma pessoa humana, liberal e moral”, escreve ele. Para completar, ele encerra a postagem com um toque de humor negro: “Não é genocídio, é pesticida, e é essencial.” Uma verdadeira confusão, hein?

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De fato, a maior parte do vocabulário espiritual em Israel foi mobilizada a serviço do ioga. Veja M., por exemplo, uma mulher de uma grande cidade abastada a poucos quilômetros ao norte de Tel Aviv. Ela administra um estúdio descrito como “um espaço agradável, repleto de inspiração”, que defende três valores: “Criatividade. Emoção. Experiência”.

Nesse espaço agradável, ela facilita “grupos de criatividade para crianças – a partir dos quatro anos de idade; orientação emocional pessoal para crianças e jovens – com uma abordagem gentil e acolhedora”. Tudo isso acontece, é claro, em “um ambiente acolhedor e profissional” (os interessados são “carinhosamente convidados”).

No entanto, quando essa mesma M. assiste a um vídeo mostrando uma criança faminta na Faixa de Gaza, ela afirma imediatamente: “Não é confiável. Desculpe. Já vi como os clipes são encenados – posicionamento, aplicação de maquiagem, elaboração de um roteiro”. Não importa que não seja crível, mas a mesma mulher que cuida de crianças “com uma abordagem gentil e acolhedora” explica: “Sabe de uma coisa? Mesmo que seja real, depois de 7 de outubro, não tenho a mínima compaixão por ninguém lá. Nem mesmo pelas crianças.” Além disso: “Me entristece ver pessoas entre nós compartilhando essa merda e, pior, se identificando com ela e expressando dor.”

Para deixar claro que não é uma pessoa insensível, ela resume: “A escritora é mãe, amante da humanidade e uma ótima pessoa em todos os aspectos.” É só que “7 de outubro tirou minha inocência”. Pobre mulher, ela está realmente lutando.

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A. também não é uma colona. Ela mora em uma cidade bem estabelecida em Israel e está simplesmente procurando um novo lar para “uma cachorra incrível!!!! Ela é totalmente treinada para fazer as necessidades no lugar certo, uma cachorra cheia de amor que precisa de um lar acolhedor e cheio de amor.”

Tanto carinho, tanto amor, tanta compaixão. E, no entanto, quando ela se depara com a fotografia de uma criança de Gaza morta em um bombardeio israelense, ela imediatamente percebe que alguém está tentando confundi-la e publica: “Vamos deixar as coisas claras. Se não tivesse havido massacre aqui, não haveria massacre lá!! Não é o caso do ovo e da galinha!!!”

Depois, quando a galinha e o ovo parecem não entender o que ela quis dizer, ela recorre a algumas das “melhores” calúnias desmascaradas espalhadas após o horrível massacre – “depois que bebês aqui foram queimados, suas cabeças decepadas e colocadas em um forno” – e conclui com veemência: “Não havia motivo para enviar um contêiner de roupas para seus filhos.”

Claro, ela também já foi uma pessoa compassiva e sensível – “Não me entenda mal, eu pensava exatamente como você até 6 de outubro, mas se alguém vier te matar… é caso encerrado. Eles começaram e nós terminaremos!!!” (você não quer dizer ‘terminar, xiiii?’).

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Há muitos assim no Israel atual. Pessoas espirituais que veem a aniquilação do outro como uma forma de crescimento pessoal e a erradicação do inimigo como empoderamento. Vivem em um grande retiro, onde a consciência está tão afinada que todo ruído desaparece, todas as perturbações são silenciadas, de modo que lhes restam apenas a si mesmos, a si mesmos e ao seu ser interior – puro, compassivo, imaculado – e finalmente capazes de se conectar com o que residia ali o tempo todo, esperando para ser revelado: o desejo de aniquilar e destruir milhões de pessoas, incluindo crianças, mulheres e idosos. Com muito amor.

* Coluna publicada em 18/05/2025 no jornal israelense Haaretz.

FOTO: Captura de tela da página do Facebook de Rivka Lafair

FONTE: https://fepal.com.br/destruindo-gaza-com-amor-os-novos-iognazis-de-israel/