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Diretor do Valdai Club explica como Israel se tornou o símbolo do declínio do Ocidente

Em artigo contundente, Timofey Bordachev analisa como a guerra permanente transformou Israel em um retrato do colapso estratégico do projeto ocidental.

247 – Israel está em guerra com seus vizinhos há quase dois anos. Desde o ataque liderado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, o país respondeu com uma ofensiva militar agressiva que se espalhou por quase toda a região. A escalada acabou envolvendo até mesmo o Irã, tradicionalmente cauteloso em evitar confrontos diretos. Com o apoio dos Estados Unidos, os riscos aumentaram, mas, segundo o cientista político russo Timofey Bordachev, diretor de programas do Valdai Discussion Club, o centro da questão está dentro de Israel – e não fora dele.

O texto, publicado originalmente na revista Profile e traduzido e editado pela RT, oferece uma crítica profunda à posição estratégica de Israel e à lógica que sustenta seu atual comportamento. O autor argumenta que o país, outrora uma base avançada do Ocidente no Oriente Médio, hoje representa o que há de mais problemático na estrutura de poder das potências ocidentais: a dependência de conflitos armados permanentes para sustentar a coesão interna e evitar reformas estruturais.

Fundado em 2004, o Valdai Discussion Club é um influente centro de estudos e debates com sede na Rússia. Criado com o apoio do Kremlin, o think tank tem como objetivo reunir especialistas internacionais para discutir os rumos da política global a partir de uma perspectiva multipolar. O clube tornou-se conhecido por suas análises críticas ao domínio geopolítico dos Estados Unidos e à hegemonia liberal ocidental.

Segundo Bordachev, Israel se sustentou durante décadas em dois pilares: o apoio incondicional de Washington e sua capacidade interna de inovação, força militar e modelo social coeso. Mas esse segundo pilar está desmoronando. Em 2024, cerca de 82.700 israelenses devem deixar o país – um aumento de 50% em relação ao ano anterior. “Não são os desengajados ou sem qualificação que estão saindo, mas os jovens e instruídos”, observa o autor. É a força viva de uma nação moderna que está indo embora.

Esse êxodo reflete uma crise mais profunda: a incapacidade de Israel, assim como outras democracias ocidentais, de enfrentar os efeitos de um modelo neoliberal em colapso. A pandemia expôs a fragilidade do sistema, empurrando Estados para uma lógica de “mobilização permanente” – ou seja, o governo via emergência constante e prontidão para a guerra. Para Bordachev, Israel tornou-se um laboratório dessa nova racionalidade: a guerra não como exceção, mas como norma.

“O conflito virou um modo de vida. A paz deixou de ser objetivo; a guerra passou a ser o mecanismo de coesão nacional e de sobrevivência política”, escreve o diretor do Valdai Club. Nesse sentido, Israel ecoa a postura ocidental frente à Rússia e à China, onde guerras por procuração substituem reformas reais. Mas, enquanto o confronto direto entre potências nucleares é limitado, no Oriente Médio, onde Israel atua diretamente, essas restrições não existem – o que transforma a guerra em uma ferramenta útil, porém autodestrutiva.

O autor alerta, contudo, que nem mesmo a guerra é capaz de esconder indefinidamente a decadência econômica e a fragmentação social. A guerra consome os próprios recursos do Estado, destrói a coesão interna e corrói a legitimidade das instituições. O outrora celebrado modelo israelense de progresso tecnológico e dinamismo cívico já não funciona como antes.

A elite de Jerusalém Ocidental pode sonhar com a reconfiguração do Oriente Médio pela força, mas, segundo Bordachev, esse tipo de vitória, mesmo que temporária, não resolve o essencial. “Os problemas mais profundos de Israel não são externos, mas internos – estão enraizados em suas estruturas políticas e sociais”, afirma.

E conclui: “A guerra pode definir um Estado, sim. Mas esses Estados – como Esparta ou a Coreia do Norte – tendem a ser ‘peculiares’. E mesmo para eles, a guerra não substitui a diplomacia, as políticas públicas ou o crescimento.” Se Israel continuar trilhando o caminho da militarização permanente e do nacionalismo de direita, poderá perder até mesmo o papel de aliado estratégico do Ocidente – e transformar-se em uma fortaleza isolada, rígida e solitária.

FOTO: REPRODUÇÃO DAS REDES

FONTE: https://www.brasil247.com/ideias/diretor-do-valdai-club-explica-como-israel-se-tornou-o-simbolo-do-declinio-do-ocidente