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Dowbor: Eis a nova estrutura do poder global

Nossas atividades econômicas diárias geralmente são bem simples. A farmácia, as lojas, o supermercado, o ônibus, eventualmente um Uber, o posto de gasolina, levar as crianças para a escola e assim por diante. Parece bem local. Mas olhar para cima, em vez de obedecer ao filme Don’t Look Up, é o mais necessário, se quisermos entender por que os preços sobem, por que há tanto plástico e por que as prateleiras dos supermercados estão cheias de comida ultraprocessada. Sabemos que tudo isso é ruim, e as lojas também sabem. Tudo isso deveria ser regulado – mas se espalha, cada vez mais. Na verdade, quem está no comando?

Por Ladislau Dowbor

Finalmente, muitos pesquisadores ousaram olharam para cima e aos poucos trouxeram luz à bagunça que temos e às formas estamos começando a distinguir. Um bom ponto de partida é a crise financeira global de 2007, que levou o ETH, o principal instituto público de pesquisa suíço, a apresentar em 2011 o primeiro estudo abrangente sobre a rede de controle corporativo global2. Os resultados foram impressionantes: 737 corporações controlam 80% do mundo corporativo global. Destas, 147 controlam 40% — e 70% delas são instituições financeiras. Este é o topo da pirâmide: basicamente, gestão de dinheiro.

O governador do Banco da Inglaterra comentou à época que o estudo mudava nossa visão sobre como a economia funciona. Os autores da pesquisa afirmavam no artigo: não havia como evitar a constatação de que estávamos diante do “clube dos ricos”. Igualmente impressionante é o fato, destacado por eles, de que este foi o primeiro estudo global sobre o poder corporativo, embora o processo de sua formação estivesse em andamento por décadas – basicamente desde que Margareth Thatcher e Ronald Reagan colocaram-se a serviço das corporações. Claramente, não havia interesse em jogar luz sobre o assunto. Mas agora temos uma imagem mais clara.

A corporação Vale é um bom exemplo. É uma multinacional e a maior produtora de minério de ferro e níquel do mundo. De acordo com a Wikipedia, “também produz manganês, ferroligas, cobre, bauxita, potássio, caulim e cobalto, operando atualmente nove usinas hidrelétricas e uma grande rede de ferrovias, navios e portos usados para transportar seus produtos.” O total de ativos em 2021 é de cerca de US$ 90 bilhões, pertencentes a Ma’aden, Previ, BlackRock e Mitsui & Co. Foi uma empresa estatal brasileira, e na época seus lucros permitiam ao Estado financiar distintos projetos de desenvolvimento, como ocorria também com a Petrobrás. Atualmente, a Vale basicamente exporta matérias-primas brasileiras, gerando dividendos para acionistas internacionais e seus parceiros brasileiros. É uma corporação enorme e diversificada que serve interesses dos que estão no topo da pirâmide.

Privatização também é desnacionalização e representa, em essência, um escoamento das riquezas minerais do país. Isso fragiliza a capacidade de investimento público em políticas sociais como educação, saúde, segurança e outros serviços públicos essenciais que representam os “salários indiretos” da população. Também afeta infraestruturas como energia, transporte, comunicações e o complexo de água/esgoto, essenciais para a população, mas também para a produtividade da economia como um todo. A privtização tornou-se um dreno: a população e as empresas locais pagam o preço. As corporações de gestão de ativos, no topo, enriquecem mais. Tudo isso aprofunda o abismo global de desigualdade.

Ladislau Dowbor

Economista e professor titular de pós-graduação da PUC-SP. Foi consultor de diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios, além de várias organizações do sistema“S”. Autor e co-autor de cerca de 45 livros, toda sua produção intelectual está disponível online no website www.dowbor.org.

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