John Mearsheimer explica como a ilusão da primazia dos Estados Unidos gerou excessos, guerras e abriu espaço para a ascensão de rivais como China e Rússia.
Assim, a palestra funciona como um alerta para a sociedade americana: ignorar a realidade estrutural do declínio pode levar a erros ainda mais custosos. O colapso do chamado “Império americano” não é uma hipótese remota, mas um processo em curso, cujos efeitos já moldam a política mundial do século XXI. chamada “era unipolar” americana, inaugurada após o fim da Guerra Fria, nunca passou de uma ilusão que está se desfazendo diante da ascensão de potências rivais e do esgotamento da capacidade de Washington de sustentar seu papel hegemônico.
Segundo Mearsheimer, “a história do poder americano está entrando em uma nova e perigosa fase”. Ele ressalta que os sinais de declínio já não podem ser ignorados: divisões internas, excesso de compromissos militares, guerras fracassadas e o fortalecimento de competidores estratégicos estão corroendo os alicerces da supremacia norte-americana.
O mito da primazia incontestável
Mearsheimer explica que a ideia de que os Estados Unidos se tornaram a única superpotência absoluta após 1991 sempre foi mais uma narrativa conveniente do que uma realidade histórica. Embora Washington tivesse uma supremacia militar e econômica inquestionável, essa posição nunca poderia ser permanente. A lógica das relações internacionais é implacável: nenhuma grande potência aceita viver indefinidamente em posição subordinada.
“O poder é sempre relativo, nunca absoluto, e sempre provoca reações”, diz Mearsheimer.
O professor recorda que após a Guerra Fria, a política externa norte-americana foi moldada pela crença em um “momento unipolar”, em que não haveria rivais capazes de contestar os EUA. Essa ilusão levou à expansão da OTAN, às intervenções nos Bálcãs, no Afeganistão, no Iraque e a um padrão de comportamento imperial que ignorava os limites estruturais do sistema internacional.
As guerras que corroeram a liderança
O ensaio de Mearsheimer destaca que os principais erros estratégicos dos Estados Unidos vieram da confiança excessiva em sua superioridade militar. A invasão do Iraque em 2003 e a ocupação do Afeganistão são exemplos clássicos de superextensão imperial, que custaram trilhões de dólares, milhares de vidas e minaram a credibilidade internacional de Washington.
Ele lembra que outros impérios caíram pelo mesmo motivo: a União Soviética no Afeganistão, o Império Britânico sobrecarregado em suas colônias, a Espanha e a França napoleônica em guerras sem fim. Para Mearsheimer, os EUA repetiram esse padrão histórico, convencidos de que poderiam “remodelar sociedades inteiras à sua imagem”, quando na verdade estavam cavando sua própria decadência.
O peso econômico e o avanço da China
Nos anos 1990, os EUA ainda dominavam a economia global. Mas a globalização rapidamente redistribuiu riqueza e capacidade produtiva, principalmente em favor da China. Washington acreditava que integrar Pequim ao comércio internacional faria do país um “parceiro responsável” da ordem liberal americana. O resultado foi o oposto: a China aproveitou a globalização para se transformar na maior potência manufatureira, investindo em infraestrutura, tecnologia e defesa.
Hoje, a China não apenas é a segunda maior economia do mundo, mas também desenvolveu capacidades militares sofisticadas capazes de conter a projeção de poder dos EUA no Pacífico. Segundo Mearsheimer, “o objetivo estratégico da China é claro: negar às forças americanas acesso à sua periferia e estabelecer-se como potência dominante em sua região”.
A resiliência russa
Embora menor em termos econômicos, a Rússia se mostrou um adversário resiliente. Sob a liderança de Vladimir Putin, reconstruiu suas forças armadas, usou a energia como arma geopolítica e retomou influência em seu “exterior próximo”. A guerra na Geórgia (2008), a anexação da Crimeia (2014) e a invasão em larga escala da Ucrânia em 2022 ilustram a disposição de Moscou em desafiar o Ocidente.
Mearsheimer observa que esses movimentos não foram “anomalias”, mas sim parte da lógica estrutural de um Estado que recusa a subordinação permanente.
A crise doméstica e a erosão da credibilidade
Além dos erros externos, os EUA enfrentam uma crise interna que amplifica sua fragilidade. A crise financeira de 2008 expôs vulnerabilidades do modelo econômico, aprofundou desigualdades e polarização política. Para Mearsheimer, “uma nação dividida internamente não pode liderar efetivamente no exterior”.
Esse quadro abriu espaço para que rivais percebessem um país enfraquecido, incapaz de agir de forma consistente. O resultado é a redução da credibilidade da dissuasão americana — o que explica, por exemplo, a ousadia da Rússia na Ucrânia e da China em relação a Taiwan.
O retorno da política de equilíbrio de poder
A tese central de Mearsheimer é que o sistema internacional voltou a ser marcado pela lógica do equilíbrio de poder. A aliança crescente entre China e Rússia, mesmo sem caráter formal, representa uma coalizão de contrapeso à hegemonia americana. Outros países — como Irã, Coreia do Norte, Turquia, Arábia Saudita e até aliados tradicionais — também estão ajustando sua política externa, buscando maior autonomia frente a Washington.
“O mecanismo de balanceamento é a lei mais próxima que temos nas relações internacionais, e hoje ele está funcionando contra os Estados Unidos”, afirma.
O império sobrecarregado
Mearsheimer dedica parte importante da palestra ao tema da superextensão. Os EUA mantêm tropas em mais de 70 países e uma rede de bases globais que consome enormes recursos. Isso não apenas drena a economia, mas também prende Washington a compromissos de defesa em regiões de importância marginal, tornando-o vulnerável a crises simultâneas.
Assim, enquanto gasta trilhões para sustentar guerras intermináveis, o país deixa de investir em infraestrutura, inovação e coesão social. O contraste com a China — que direciona recursos para o desenvolvimento doméstico e tecnologia — é cada vez mais evidente.
O colapso inevitável da ordem americana
Para Mearsheimer, o “momento unipolar” foi uma condição temporária e ilusória, resultado do colapso soviético e da ainda incipiente ascensão chinesa. Ao acreditar em sua permanência, os EUA cometeram erros estratégicos que aceleraram sua própria decadência.
Ele alerta que insistir na manutenção da hegemonia global pode levar Washington a novos conflitos desnecessários e perigosos. A consequência seria aprofundar o desgaste, em vez de revertê-lo.
Um mundo multipolar e instável
O cenário futuro descrito por Mearsheimer é de um sistema multipolar marcado por rivalidade, coalizões antiamericanas e maior risco de guerras regionais. O declínio da influência dos EUA também fragiliza instituições internacionais como ONU, OTAN e OMC, que sempre funcionaram como instrumentos de poder de Washington.
No lugar dessa ordem, surgem arranjos paralelos liderados por China e Rússia, como a Iniciativa do Cinturão e Rota e a Organização do Tratado de Segurança Coletiva, que oferecem alternativas ao Ocidente.
Conclusão: a lógica implacável da história
O professor encerra sua análise lembrando que nenhum império escapou do ciclo histórico da ascensão e declínio. Da Grécia antiga ao Império Britânico, todos sucumbiram ao peso da superextensão e ao surgimento de rivais determinados.
“A dura verdade é que os Estados Unidos estão em um ponto de inflexão perigoso. A era da primazia incontestável acabou, e o futuro será definido pela competição de grandes potências”, conclui Mearsheimer.
Assim, a palestra funciona como um alerta para a sociedade americana: ignorar a realidade estrutural do declínio pode levar a erros ainda mais custosos. O colapso do chamado “Império americano” não é uma hipótese remota, mas um processo em curso, cujos efeitos já moldam a política mundial do século XXI. Assista:
FOTO: Geoff Livingston
FONTE: https://www.brasil247.com/ideias/entenda-de-forma-clara-e-didatica-o-colapso-do-imperio-americano