O que se revela agora é que a luta dessa família nunca foi pela democracia, nem pela liberdade, muito menos pelo povo que dizia representar.
O cerco em torno da família Bolsonaro – e de seus aliados mais próximos – se fecha a cada dia, revelando que o projeto político que tentaram impor ao país tinha menos a ver com democracia e mais com a defesa de interesses particulares e a busca desesperada por impunidade. As investigações da Polícia Federal trouxeram à tona diálogos que escancaram o funcionamento dessa engrenagem, desde transferências financeiras suspeitas entre Jair, Michelle e Eduardo, até as articulações políticas que cruzaram fronteiras, chegando aos Estados Unidos. A cada nova revelação, fica mais evidente que não se tratava de proteger manifestantes do 8 de janeiro, mas sim de blindar o ex-presidente golpista de qualquer responsabilização. O próprio Eduardo admitiu em áudio que sua defesa de uma “anistia light” tinha como único objetivo soltar o pai, deixando claro que a pauta não era coletiva, mas estritamente familiar.
A crise interna do clã também veio à tona em mensagens recheadas de xingamentos. Eduardo, que vive nos Estados Unidos, chegou a ofender o próprio pai em termos grosseiros, cobrando dele gratidão e postura política. Do outro lado, o pastor Silas Malafaia, um dos mais fiéis escudeiros do bolsonarismo, também perdeu a compostura e chamou o filho 03 de Bolsonaro de “babaca inexperiente”, prometendo expor publicamente suas falhas. Esse racha não é apenas um deslize, mas o sinal de que, diante do aperto das investigações, até mesmo os aliados mais próximos entram em colapso e se atacam mutuamente, tentando salvar a própria pele. Quando o barco está afundando, é sabido que os ratos pulam fora primeiro. Errados não estão.
As mensagens apreendidas ainda mostram o esforço em trazer pressões externas para dentro do Brasil. Eduardo tentava articular com aliados de Donald Trump, em meio ao tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros e à ameaça de aplicação da Lei Magnitsky contra autoridades do STF. A intenção clara era usar a diplomacia paralela para intimidar as instituições brasileiras. Independente da postura de Trump, o simples fato de um parlamentar brasileiro agir para que um governo estrangeiro interferisse na política interna já é, por si só, uma afronta à soberania nacional. Há quem diga que o presidente norte-americano pode estar se afastando do bolsonarismo, mas, independentemente disso, o estrago político e moral de tais articulações já está feito.
O que se revela agora é que a luta dessa família nunca foi pela democracia, nem pela liberdade, muito menos pelo povo que dizia representar. Foi sempre pela manutenção de privilégios, pela ocultação de recursos e pela tentativa de escapar da Justiça. As transferências fracionadas, os repasses milionários a Michelle, os áudios de Eduardo e os ataques de Malafaia escancaram que não existe um projeto de país, mas um projeto de autopreservação. A democracia brasileira não pode ser refém de uma família que usa seus seguidores como massa de manobra enquanto age nos bastidores para proteger apenas a si mesma.
Diante desse cenário bizarro, cabe às instituições manter firmeza e independência. O Supremo, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República têm a responsabilidade de seguir até o fim, sem se deixar intimidar por discursos inflamados ou tentativas de pressão internacional. O que está em jogo não é apenas a punição de Bolsonaro e seus aliados, mas a própria credibilidade do Estado de Direito no Brasil. Permitir que a impunidade prevaleça seria abrir as portas para novas aventuras autoritárias no futuro.
O país precisa virar essa página com justiça, e não com esquecimento. A democracia se fortalece quando mostra que a lei vale para todos, inclusive para quem já ocupou a Presidência da República. O Brasil já não aceita mais farsas nem salvadores da pátria que, na prática, só trabalham para salvar a si mesmos. O cerco está fechado, e cabe a nós, sociedade e instituições, garantir que dessa vez esse cerco não se rompa. Justiça e democracia precisam prevalecer, porque é delas que depende o futuro da nossa nação.
Foto / Lula Marques / Agência Brasil
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/era-uma-vez-o-bolsonarismo