Para Timofey Bordachev, conflito permanente, crise interna e erosão do apoio ocidental colocam Israel diante de um ponto de inflexão histórico.
247 – A era do chamado “excepcionalismo israelense” pode estar se encerrando, segundo análise de Timofey Bordachev, diretor de programas do influente Valdai Club. Em artigo originalmente publicado na revista Profile e traduzido pela RT, Bordachev afirma que Israel se transformou em uma “guarnição militarizada” no Oriente Médio, cada vez mais isolada, frágil e incapaz de sustentar o status privilegiado que lhe foi garantido pelas potências ocidentais ao longo de décadas.
Segundo o analista, o atual ciclo de violência iniciado com o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 e a resposta militar agressiva de Israel marca um ponto de virada. O conflito se expandiu a tal ponto que envolveu quase toda a região e levou até mesmo o Irã, historicamente avesso ao confronto direto, a se ver sob ataque — com o apoio dos Estados Unidos tornando os riscos ainda maiores. “Mas isso não é sobre o Irã. É sobre Israel”, pontua Bordachev.
Ele lembra que desde meados do século XX, Israel funcionou como uma base avançada do Ocidente em uma região volátil — uma espécie de “ponta de lança” geopolítica. Essa posição dependia de dois pilares: o apoio irrestrito dos Estados Unidos e uma estrutura interna eficiente, baseada em inovação, força militar e coesão social. “Esse segundo pilar está se esgotando”, alerta o pesquisador.
Um dos sinais mais visíveis dessa fragilidade é demográfico: a crescente emigração de jovens qualificados. Em 2024, estima-se que 82.700 pessoas deixarão Israel — um aumento de 50% em relação ao ano anterior. “Não são os desengajados ou menos capacitados que estão saindo. São os jovens e instruídos. Os que sustentam um Estado moderno estão escolhendo ir embora”, destaca Bordachev.
Para o diretor do Valdai Club, Israel enfrenta os mesmos dilemas de muitas nações desenvolvidas, imersas num modelo neoliberal em colapso. A pandemia escancarou as fraquezas desse sistema e acelerou uma transição para o que ele chama de “governança por mobilização” — um modelo baseado em emergência constante e prontidão para o conflito. “No outono de 2023, a elite israelense abraçou esse paradigma por completo. O conflito tornou-se não apenas uma tática, mas um modo de vida”, afirma.
Esse caminho, segundo Bordachev, não é exclusividade de Israel. É parte de uma lógica mais ampla do Ocidente, que passou a apostar em guerras por procuração — como no confronto com Rússia e China — para evitar reformas internas profundas. No caso israelense, a guerra direta no Oriente Médio serve como válvula de escape político. “Mas até a guerra tem limites. Ela não consegue disfarçar indefinidamente a decadência econômica e o desgaste social.”
A análise adverte que o conflito permanente, embora útil para consolidar o poder das elites — mesmo as incompetentes —, corrói a base do Estado. “Israel está consumindo seus próprios recursos para sustentar a guerra. Sua coesão social está se desfazendo. O modelo de progresso cívico e tecnológico não é mais o mesmo.”
Bordachev alerta que os planos de “reformatar” o Oriente Médio pela força talvez ofereçam uma trégua temporária, mas não garantem segurança duradoura. “A opressão de vizinhos não elimina ameaças. Apenas as traz para mais perto”, diz. Para ele, o maior desafio de Israel é interno — está nas suas estruturas políticas e sociais. E a insistência no militarismo como modelo de sobrevivência pode empurrar o país para um isolamento irreversível.
“Se continuar nesse caminho de nacionalismo de direita e conflito perpétuo, Israel pode perder até mesmo o status de ponte do Ocidente no Oriente Médio. Restará apenas um Estado-guarnição, peculiar, frágil e solitário”, conclui Timofey Bordachev.
A reflexão do diretor do Valdai Club ecoa uma crítica mais ampla à atual lógica de poder global, em que a guerra, em vez de ser uma exceção, tornou-se mecanismo de governo — e Israel, segundo ele, é hoje o laboratório mais visível dessa experiência.
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FONTE: https://www.brasil247.com/ideias/esta-chegando-ao-fim-a-era-do-excepcionalismo-israelense-diz-diretor-do-valdai-club