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EUA e Venezuela: entre provocações militares e o risco iminente de escalada bélica

Escalada militar no Caribe expõe desprezo dos EUA pelo direito internacional e coloca Venezuela no centro de um confronto iminente.

Nada sugere um ataque militar dos EUA contra alvos nos arredores da Venezuela, tampouco há algo que impeça uma resposta violenta por parte do país.

Somente o direito internacional limita o governo Trump a não tomar medidas imprudentes nesse sentido. Mas será que os EUA respeitaram os limites do direito internacional no recente ataque ao Irã? Ou após o episódio em que atacaram um navio venezuelano próximo às águas territoriais do país, matando mais de dez pessoas a bordo sob a justificativa de que seriam traficantes de drogas, sem qualquer prova concreta das acusações?

Embora o bombardeio ao navio e às pessoas a bordo tenha sido classificado como uma “provocação” pelos venezuelanos, os acontecimentos que se seguiram indicam que a escalada é iminente. O confronto tornou-se refém de uma única faísca capaz de desencadear um cenário de guerra — ainda que sob o título de “guerra contra as gangues do tráfico”, conforme a narrativa estadunidense.

O governo venezuelano interpretou a decisão do presidente dos EUA, Trump, anunciada na sexta-feira passada, de substituir o nome do Departamento de Defesa por Departamento de “Guerra”, como uma mensagem direta dirigida a Caracas. Talvez por isso o presidente Nicolás Maduro tenha aparecido em uniforme militar, gesto simbólico interpretado como prontidão para o confronto, especialmente por ocupar o cargo de “Comandante-em-Chefe das Forças Armadas”.

Esse episódio soma-se a outros indicadores inequívocos, como os reforços militares estadunidenses no sul do Caribe, que incluem 4,5 mil soldados, o envio de oito navios de guerra destroyers, embarcações anfíbias da classe Iwo Jima, aeronaves de inteligência P-8 e um submarino de ataque de propulsão nuclear, além de 1,2 mil mísseis apontados para a fronteira venezuelana.

A tensão aumentou ainda mais com a chegada do secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, acompanhado pelo chefe do Estado-Maior Conjunto, general Dan Keane, à base militar da ilha de Porto Rico, em preparação para o envio de dez caças F-35.

O presidente venezuelano, por sua vez, reagiu a esses acontecimentos no programa “Uma Conversa com a Coreia”, da Russia Today, afirmando que essa demonstração “hollywoodiana” de poder militar estadunidense foi uma provocação contra as autoridades venezuelanas. Acrescentou ainda que o deslocamento e a preparação militar dos EUA na região lembram o bloqueio cubano de 1962. No entanto, desta vez, a exibição exagerada de capacidades entrou em uma nova fase, sem precedentes no mundo. Observou também que o deslocamento de caças F-35 para Porto Rico, a apenas 29 minutos do território venezuelano, implica diretamente a administração da Casa Branca e a governadora da ilha, Jennifer González, em um cenário de guerra delirante.

Anteriormente, após o ataque dos EUA a um barco que transportava 11 venezuelanos próximo às águas territoriais do país — ataque que resultou na eliminação completa da embarcação e de seus tripulantes —, o presidente Maduro descreveu o episódio como “uma cena gerada por IA”, embora tenha se acalmado rapidamente em seguida.

Além disso, o envio de milhares de soldados do Departamento de Defesa dos EUA para Porto Rico foi precedido pelo anúncio de Maduro sobre a mobilização de aproximadamente 4,5 milhões de militares venezuelanos e seu posicionamento ao longo da costa do país, sob a designação de “milícias nacionais”.

Entretanto, essa medida gerou controvérsias. As ações tomadas pelas autoridades venezuelanas — e que parecem ter sido a faísca para a ira estadunidense — decorreram do voo de dois caças F-16 venezuelanos, na última quinta-feira, nas proximidades de um contratorpedeiro de mísseis guiados da classe Arleigh Burke, pertencente à Marinha dos EUA, em águas internacionais. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos classificou o episódio como “ato altamente provocativo”.

Questionado sobre o incidente, o presidente dos EUA, Trump, alertou que suas Forças Armadas têm autoridade para abater qualquer aeronave, se necessário. A maioria dos analistas, porém, considera essa autoridade inconstitucional, visto que qualquer ação militar na região violaria inevitavelmente o direito internacional, além de que o único órgão com competência para autorizar uma declaração de guerra é o Congresso.

Ainda assim, o presidente Trump e seus ministros sustentam possuir uma justificativa legal para a escalada e para a ameaça de guerra, sob o argumento de que há risco à segurança do país e de sua população. Para eles, as “gangues de drogas” que contrabandeiam entorpecentes e seres humanos de países como México e Venezuela para os Estados Unidos legitimam o combate por todos os meios possíveis. Essa justificativa abriu caminho para operações contra organizações transnacionais como o Cartel Trans-Aragua, da Venezuela, e o Cartel de Sinaloa, do México, após sua classificação como grupos terroristas. Pouco depois, o presidente Trump anunciou oficialmente a designação de Nicolás Maduro como líder do cartel venezuelano Los Solis e aumentou a recompensa por informações que levassem à sua captura para 50 milhões de dólares.

De fato, tal cenário não é improvável para os Estados Unidos. Em 2021, prenderam Alex Saab, conselheiro e braço direito de Maduro, durante uma escala em Cabo Verde em avião particular, deportando-o posteriormente para os EUA a fim de ser julgado, apesar de sua imunidade diplomática.

Talvez o aspecto mais interessante seja o fato de que a designação dessas gangues como organizações terroristas pelo governo estadunidense, assim como a classificação do presidente Maduro como líder da gangue Los Solis, composta por veteranos militares venezuelanos, conquistaram o apoio de alguns governos da região, como Equador e Argentina. Esse posicionamento foi descrito por alguns críticos como uma “reaproximação tola” com os Estados Unidos.

Por sua vez, a reação do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, foi marcada pelo sarcasmo. Em entrevista à Russia Today, ele afirmou que a narrativa de demonização de figuras e povos latino-americanos, utilizada pelos Estados Unidos para rotulá-los como traficantes de drogas e justificar guerras com base nisso, é “enganosa”. Segundo ele, essa narrativa ignora o fato de que o combate ao tráfico de drogas começa pelo fim do lucro gerado por esse comércio.

Maduro ressaltou que 85% do dinheiro proveniente do tráfico de drogas é lavado em bancos dos Estados Unidos e que, se o governo dos EUA realmente levasse a sério o combate a esse comércio “sujo”, perseguiria os proprietários desse capital e impediria que suas instituições financeiras participassem do ciclo de lavagem de lucros.

Essa declaração remete à do ex-presidente boliviano Evo Morales, que afirmou que a guerra estadunidense contra as gangues do tráfico carece de credibilidade, já que a luta contra as drogas deveria começar pela redução do consumo — sendo o mercado dos Estados Unidos o maior nesse sentido.

A resposta do presidente Donald Trump — “Vocês verão!” —, dada a um jornalista há dois dias, quando questionado sobre a possibilidade de ataque à Venezuela, reforça a percepção de que uma escalada é cada vez mais provável. A visita urgente de seu secretário de Estado, Marco Rubio, ao Equador, realizada recentemente, aumentou as preocupações do governo venezuelano, sugerindo que uma possível ofensiva dos EUA contra o tráfico poderia ser lançada a partir de território equatoriano.

FOTO: RS/via Fotos Publicas

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/eua-e-venezuela-entre-provocacoes-militares-e-o-risco-iminente-de-escalada-belica