Glenn ressurge como aliado da extrema-direita, ataca o STF e reforça suspeitas de que sua trajetória no país faz parte de uma operação de guerra híbrida.
Ontem, 30 de abril de 2025, véspera do feriado do Dia do Trabalhador, Glenn Greenwald compareceu à Comissão de Segurança Pública do Senado Federal. A sessão, esvaziada da atenção de parte da imprensa e da opinião pública, passou quase despercebida, um efeito colateral da data e da estranheza da própria cena. Convidado por parlamentares alinhados à extrema direita, como Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Eduardo Girão (NOVO-CE), Greenwald foi chamado a comentar o vazamento de áudios envolvendo um ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes. Sua presença, por si só, escancarou um processo em curso: a reconfiguração de sua imagem de jornalista investigativo para a de operador retórico alinhado a uma agenda transnacional de desestabilização institucional. A seguir, expõe-se como sua trajetória, alianças e discursos revelam um reposicionamento político com função estratégica na guerra híbrida contemporânea.
Por Sara Goes e Reynaldo Aragon
Farinha do mesmo saco – Durante audiência pública no Senado, o jornalista Glenn Greenwald voltou a criticar duramente o ministro Alexandre de Moraes. Em sua fala, sugeriu que os processos conduzidos pelo magistrado representariam um escândalo de proporções ainda mais graves que a Operação Lava Jato. Greenwald traçou paralelos entre os métodos adotados atualmente pelo Judiciário e as práticas abusivas frequentemente associadas à força-tarefa anticorrupção.
As declarações do jornalista encontraram eco imediato entre parlamentares da direita. A senadora Damares Alves (PL-DF) afirmou, em tom acusatório: “Isso é realmente mentalidade dele. Eu não sou psicóloga, mas, para mim, essa é uma mentalidade muito perturbadora, muito perigosa.” Filho do ex-presidente inelegível e prestes a responder por atos golpistas, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) agrediu o ministro do STF afirmando que “há um louco na corte, e eu tenho medo que este louco coloque fogo em Brasília.”
Já o senador Eduardo Girão (NOVO-CE) aproveitou a oportunidade para atacar a oposição, destacando a ausência de parlamentares progressistas: “Aliás, quero fazer aqui uma observação antes de começar. Engraçado que ninguém da esquerda tá aqui, nenhum deputado, nenhum senador.”
Desculpa esfarrapada – O pretexto para a convocação de Glenn Greenwald ao Senado foi o vazamento de mensagens extraídas do celular de Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Alexandre de Moraes. O conteúdo sugere que, durante sua atuação no TSE, Tagliaferro teria produzido relatórios informais que acabaram subsidiando investigações no STF, entre elas, as que apuram a tentativa de golpe de 8 de janeiro. Embora os registros não demonstrem proximidade pessoal ou ilegalidades cometidas por Moraes, setores da extrema direita têm explorado o caso para insinuar uma relação direta e comprometedora entre o ministro e seu ex-funcionário. A estratégia é clara: sem conseguir desqualificar juridicamente as investigações sobre a tentativa de subversão institucional, busca-se criar a imagem de um conluio informal, uma espécie de “gabinete paralelo do Judiciário”, para minar a legitimidade dos processos e fabricar escândalos que enfraqueçam os alicerces democráticos. Nesse cenário, Greenwald surge como peça útil na engrenagem de desinformação que pretende reescrever os eventos de 8 de janeiro como se fossem reação legítima, e não atentado à ordem constitucional.
Trajetória sinuosa – Glenn Greenwald tornou-se conhecido mundialmente em 2013 ao publicar, no jornal britânico The Guardian, reportagens baseadas em documentos vazados por Edward Snowden. As revelações escancararam os programas de espionagem massiva operados pela NSA e seus aliados. O trabalho rendeu a ele, e à redação do Guardian, o Prêmio Pulitzer. Em 2014, cofundou o site The Intercept, com financiamento de Pierre Omidyar, e passou a atuar com maior liberdade editorial, defendendo a proteção de fontes e a vigilância sobre o poder estatal.
Greenwald mudou-se para o Brasil em 2005, motivado por seu relacionamento com o então ativista David Miranda. Ganhou notoriedade no país com a “Vaza Jato”, série de reportagens que mostravam conluios entre o juiz Sérgio Moro e procuradores da Lava Jato. Em entrevista à Democracy Now! Afirmou: “Os vazamentos mostram que Moro agiu não como juiz imparcial, mas como coordenador da acusação”. O impacto das revelações foi profundo, culminando na anulação das condenações de Lula e na exposição internacional do lawfare como método político.
(https://www.democracynow.org/2019/6/10/glenn_greenwald_brazil_car_wash_corruption)
Mas a partir de 2020, Greenwald passou a mudar de foco. Após deixar o Intercept alegando censura, referindo-se a um texto sobre Hunter Biden, começou a publicar em plataformas como Substack, Locals e Rumble. Essas plataformas têm sido centrais na arquitetura da extrema-direita digital global, ao defenderem um modelo de “liberdade irrestrita” de expressão que, na prática, abriga negacionismo, discurso de ódio e desinformação. Em entrevista ao programa de Tucker Carlson, Greenwald afirmou: “A grande mídia agora atua como extensão do Estado. A censura vem disfarçada de combate à desinformação” (Tucker Carlson Tonight, 13/03/2022).
A cruzada contra Moraes – No Brasil, o alvo de suas críticas passou a ser o Supremo Tribunal Federal, especialmente o ministro Alexandre de Moraes. Greenwald passou a acusá-lo de autoritarismo, censura e perseguição política. Em 2023, declarou ao portal “Reason”: “O Brasil tem um ministro da Suprema Corte que é também chefe do TSE, investigador, vítima e juiz de seus próprios casos. Isso é incompatível com qualquer democracia (https://reason.com/podcast/2023/09/12/glenn-greenwald-why-did-brazil-ban-x/).
As declarações de Greenwald coincidiram com o aumento dos ataques bolsonaristas ao STF e com o fortalecimento das redes de desinformação que instrumentalizam a retórica da “liberdade de expressão” para proteger crimes digitais. A aproximação do jornalista com parlamentares como Flávio Bolsonaro e Eduardo Girão e sua frequência crescente em audiências do Senado que promovem pânicos morais contra o Judiciário o colocam como um agente legitimador da agenda da extrema-direita.
É também revelador seu alinhamento com Elon Musk, que o promove constantemente na plataforma X. Em abril de 2024, Greenwald afirmou no Substack: “As tentativas do STF de regular as redes sociais não têm nada de democráticas. São táticas de silenciamento institucional”. Essa narrativa não apenas se aproxima do discurso das big techs que lucram com desregulação informacional, mas ajuda a internacionalizar o conflito, apresentando o Brasil como exemplo de censura estatal, mesmo quando a realidade é o combate a milícias digitais organizadas.
(https://greenwald.substack.com/p/how-silicon-valley-in-a-show-of-monopolistic)
Greenwald, nesse processo, tornou-se um operador discursivo da guerra híbrida. Ao denunciar as instituições brasileiras em arenas internacionais, ao proteger os interesses do Vale do Silício sob o pretexto da liberdade e ao articular-se com os agentes políticos da nova direita global, sua atuação ultrapassa o jornalismo investigativo. Constrói-se como escudo retórico, mas também como arma cognitiva, ajudando a corroer a legitimidade de estruturas democráticas que ainda resistem à captura algorítmica e à colonização informacional.
A trajetória de Glenn Greenwald mostra que o jornalismo pode ser trincheira ou cavalo de Troia. No contexto da guerra informacional, é urgente observar não apenas o conteúdo do discurso, mas o lugar de onde ele é pronunciado, seus efeitos políticos e seus aliados objetivos. No caso brasileiro, a defesa da soberania informacional exige não só vigilância contra fake news, mas também contra aqueles que, sob o disfarce da liberdade, operam silenciosamente para sabotar a democracia.
FOTO: ABR
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/glenn-greenwald-de-jornalista-a-funcionario-do-mes-da-extrema-direita