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Guerra híbrida em curso: o ataque coordenado às instituições do Brasil

O país enfrenta ofensiva articulada em múltiplas frentes — judicial, legislativa, midiática e internacional — que ameaça desestabilizar STF, TSE e democracia.

As defesas sincronizadas no Supremo, a delação corroída de Mauro Cid, as acusações explosivas contra Moraes, a pressão por anistia no Congresso e as sanções dos EUA formam um tabuleiro de guerra híbrida. Não é disputa jurídica: é uma operação psicológica para destruir a confiança da sociedade nas instituições nacionais.

Introdução

Hoje, 3 de setembro de 2025, o Brasil atravessa um dia que ficará marcado como uma linha de corte em sua história democrática. O que se desenrola não é apenas um julgamento no Supremo, mas uma ofensiva coordenada que avança em múltiplas frentes contra as instituições nacionais.

As sessões no STF, as manobras no Congresso, as acusações lançadas em praça pública e até as pressões internacionais compõem uma engrenagem de guerra híbrida em curso. Não se trata de divergências pontuais, mas de uma estratégia clara: deslegitimar os árbitros, corroer a confiança social e enfraquecer as bases do Estado de direito.

A sociedade precisa compreender com urgência que o que está em jogo não é apenas o destino de alguns réus, mas a própria capacidade do país de sustentar instituições capazes de arbitrar conflitos e proteger a democracia. O ataque é direto, sincronizado e calculado para instalar o caos cognitivo — e ele já está em andamento.

A frente judicial: o ataque ao árbitro e a corrosão do delator

No plenário do STF, a ofensiva assumiu forma explícita. As defesas de Heleno, Braga Netto e Bolsonaro marcharam no mesmo compasso: acusar Alexandre de Moraes de atuar como “juiz inquisidor”, transformar o julgamento em disputa política e colocar em xeque a própria legitimidade da Corte. O número de perguntas feitas por Moraes, o manejo de provas e a condução dos inquéritos foram apontados como sinais de parcialidade. A mensagem é simples: se o árbitro é parte, não há jogo justo.

Paralelamente, o eixo probatório sofreu um golpe calculado. A reportagem da Veja expôs que Mauro Cid mentiu ao STF, usando perfil clandestino para comentar sua delação, atacar advogados e afirmar que “o problema não é jurídico, é político”. O risco de anulação de sua colaboração premiada tornou-se munição imediata para as defesas, que passaram a pedir sua nulidade.

Esse duplo movimento — destruir a imagem do relator e corroer a credibilidade do delator — forma a pinça central da frente judicial. O objetivo não é apenas absolver réus, mas implodir a confiança da sociedade no processo. A cada palavra repetida em plenário, planta-se a dúvida: se o juiz é parcial e o delator é mentiroso, o que sobra?

A frente legislativa: anistia como arma política

Enquanto o STF é pressionado em plenário, no Congresso se articula a blindagem política. Lideranças como Davi Alcolumbre oferecem uma “anistia alternativa”, calibrada para soar como gesto de pacificação, mas com efeito prático de neutralizar condenações. A narrativa é a mesma: transformar crimes contra a democracia em excessos políticos passíveis de perdão.

Essa movimentação não é isolada. É a segunda pinça da ofensiva: se o Judiciário não cede, o Legislativo cria atalhos. Ao mesmo tempo em que o relator é atacado como parcial e o delator desmoralizado como mentiroso, o Congresso prepara a rede de proteção institucional. O objetivo é cristalino: esvaziar o efeito das decisões do STF e impor a tese de que a última palavra cabe à política, não à Justiça.

A anistia, apresentada como reconciliação, é na prática um instrumento de guerra híbrida: legitima a impunidade, enfraquece o sistema de freios e contrapesos e sinaliza que as instituições podem ser dobradas pela pressão.

A frente informacional: psyops e saturação narrativa

Se no Supremo a disputa é jurídica e no Congresso é política, no campo da informação a batalha é psicológica. As narrativas foram afinadas e repetidas até virar mantra: “juiz parcial”, “farsa”, “fraude”. No noticiário, nas redes e até em audiências públicas, esses rótulos circulam em loop, criando a impressão de consenso.

O efeito é clássico de psyops: bombardear a sociedade com mensagens simplificadas e sincronizadas, de modo que a dúvida se torne mais forte que o fato. Não importa quantas provas existam ou quantas decisões sejam sustentadas — o público é induzido a acreditar que tudo está contaminado.

Nesse cenário, a acusação de Tagliaferro é combustível puro: ao falar em relatórios fraudulentos e em uma “milícia paralela” no TSE, ele adiciona uma nova camada de suspeição institucional. Verdade ou não, o simples ato de lançar a dúvida já cumpre o objetivo da operação: corroer a confiança.

A frente informacional funciona como o megafone da guerra híbrida. É ela que amplifica os ataques do STF e do Congresso, costurando-os em uma narrativa unificada: a de que o sistema é ilegítimo, manipulado e inimigo da sociedade.

A lógica da guerra híbrida

O que estamos vivendo não são episódios desconexos, mas uma engrenagem típica de guerra híbrida que opera de forma coordenada. No Supremo, as defesas atacam o árbitro — Alexandre de Moraes — para minar sua autoridade, ao mesmo tempo em que corroem o delator Mauro Cid, tratado como mentiroso e instável, com o objetivo de implodir a espinha probatória. No Congresso, a anistia surge como atalho político para neutralizar eventuais condenações, sob a retórica de pacificação. Nas redes e na mídia, slogans como “fraude”, “farsa” e “milícia paralela” são repetidos até se tornarem senso comum, gerando saturação informacional e fadiga cognitiva. E no plano internacional, sanções e tarifas impostas pelos Estados Unidos reforçam a narrativa de perseguição, dando legitimidade externa ao discurso interno.

Tudo isso compõe um tabuleiro onde o mérito jurídico se torna irrelevante. A operação não busca a verdade dos fatos, mas instalar o caos cognitivo: a sensação de que nada é confiável, que todos os árbitros são parciais e que todo o processo é manipulado. Quando a dúvida é maior do que a prova, quando a confiança nas instituições se dissolve, a guerra híbrida cumpre sua função. O colapso não ocorre por tanques nas ruas, mas pela erosão silenciosa da legitimidade.

Análise preditiva de cenários

A ofensiva híbrida de hoje abre três cenários prováveis. No primeiro, o mais moderado, o STF preserva parte das provas — sobretudo as independentes da delação de Mauro Cid — mas o desgaste político é profundo. O tribunal mantém a espinha do processo, mas a narrativa de parcialidade se espalha, reduzindo a confiança pública e pressionando por saídas políticas como a anistia.

No segundo cenário, mais agressivo, a delação de Cid é anulada ou drasticamente relativizada, o que enfraquece acusações centrais contra Bolsonaro e seus generais. O resultado seria uma combinação de condenações mitigadas e fortalecimento da tese de que tudo não passou de perseguição. Essa vitória narrativa pode pavimentar a aprovação de uma anistia legislativa ampla.

O terceiro cenário, o mais disruptivo, envolve a convergência plena das frentes: anulação seletiva de provas no STF, aprovação de anistia no Congresso e intensificação da pressão externa dos EUA. Esse encadeamento criaria a sensação de inevitabilidade: os réus se tornam intocáveis, o STF aparece enfraquecido e a sociedade é empurrada para um estado de descrença estrutural. Nesse ambiente, abre-se espaço para retrocessos institucionais mais profundos e para a normalização do ataque às bases democráticas.

Todos os cenários convergem em um ponto comum: a erosão da confiança. A guerra híbrida não precisa de tanques ou rupturas explícitas. Ela se cumpre quando a sociedade passa a acreditar que nada mais tem legitimidade.

Conclusão

O dia 3 de setembro de 2025 precisa ser lembrado como o momento em que o Brasil enxergou, sem disfarces, a engrenagem da guerra híbrida funcionando em plena potência contra suas instituições. STF, Congresso, imprensa e até a diplomacia internacional estão hoje atravessados por uma ofensiva calculada para corroer a confiança da sociedade e enfraquecer a democracia por dentro.

Não se trata de réus defendendo-se em um tribunal. Trata-se de uma operação psicológica em múltiplas frentes, com o objetivo de instalar o caos cognitivo: um país em que juiz e provas são vistos como farsas, em que decisões do Supremo podem ser anuladas pelo Congresso, em que acusações de fraude institucional circulam sem filtro e em que potências estrangeiras reforçam a narrativa de perseguição. Esse é o tabuleiro.

Se não enxergarmos o que está em curso como guerra híbrida, acordaremos tarde demais. O perigo que se avizinha não é apenas a absolvição de culpados ou a anistia de golpistas. O verdadeiro risco é a destruição daquilo que mantém o Brasil de pé: a crença de que nossas instituições ainda podem proteger a democracia.

O alerta está dado. Cabe a nós decidir se seremos espectadores da erosão silenciosa ou protagonistas da resistência.

Foto: Antonio Augusto/STF

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/guerra-hibrida-em-curso-o-ataque-coordenado-as-instituicoes-do-brasil