Faz-se necessário um só discurso, para escapar das armadilhas que as crises no capitalismo cêntrico produzem.
A guerra tarifária desencadeada pelo presidente Donald Trump contra a globalização financeira, que desindustrializou os Estados Unidos, serve ou não de reflexão para os governos latino-americanos, unidos, contestarem os efeitos da financeirização globalista especulativa que impedem o desenvolvimentismo nacionalista por meio do tripé econômico neoliberal?
A financeirização, antagônica ao sistema produtivo, inicia-se justamente quando os Estados Unidos, nos anos 1980, reagem ao perigo da inflação que ameaçava o dólar, depois de o governo Nixon, nos anos 1970, descolar a moeda americana do padrão ouro, que vigorou desde o pós-guerra, com o Acordo de Bretton Woods, em 1944.
A partir de então o dólar começou a flutuar, desvinculado das reservas em ouro, ao mesmo tempo em que os Estados Unidos exigiram desregulamentação das economias em geral e liberdade total dos mercados, para fazer negócios lucrativos.
A flutuação do dólar elevou a oferta em relação à demanda de moeda e os juros baixos, porém, flutuantes, permitiram que o mundo inteiro se endividasse em dólar, para tocar projetos de desenvolvimento industrial.
Tal estratégia imperialista objetiva exportação para os Estados Unidos, mediante moeda desvalorizada para produzir déficit comercial americano, como forma de apropriação de riqueza externa.
O temor de que o excesso de endividamento dos tomadores de dólar viesse provocar, de um lado, concorrência futura para a economia americana, e, de outro, que ocorressem perigos de calote, diante do excesso de liquidez monetária, desencadeada pela desregulamentação global, levaram o Banco Central americano a proteger a moeda nacional.
A estratégia foi elevar, em 1979, brutalmente a taxa de juro de 5% para 21% ao ano.
QUEBRADEIRA GERAL
O resultado foi a quebradeira das economias endividadas e a transferência do seu patrimônio, em forma de juros, para os Estados Unidos.
Paralelamente, nasceria, com o Consenso de Washington, regras draconianas para os endividados cumprirem: 1 – câmbio flutuante; 2 – metas inflacionárias e 3 – superávits primários.
Eis as bases do famoso tripé econômico neoliberal.
Dos anos 1980 até agora, os países capitalistas periféricos, na América Latina, transformaram em economias cronicamente devedoras, sujeitas, permanentemente, aos ajustes fiscais ortodoxos, em nome do combate à inflação, cujo diagnóstico, do ponto de vista dos devedores, passou a ser o de que ela decorre do excesso de demanda, contra o qual o império exigiu juro alto.
Os Estados Unidos haviam expandido a oferta monetária para comprar barato no mercado mundial, mantendo inflação e juros baixos, mas quando sentiram que os devedores se encalacrariam nos juros flutuantes, jogaram-nos na lógica destrutiva da financeirização.
Os americanos ganharam com a realização de crescentes déficits comerciais, produzidos pelo superávit financeiro, garantido pela hegemonia do dólar, mas perderam competitividade com exportação de empresas americanas para terceiros países, de onde exportavam barato para os Estados Unidos.
A desindustrialização americana veio acompanhada do crescimento da dívida pública, que não pararia mais de crescer conforme a lógica da financeirização globalista.
Agora, o jogo de Trump, diante do estouro da dívida, é atacar a globalização financeira, para reindustrializar a economia americana, que perdeu competição com a China e os tigres asiáticos, aliados aos chineses, em escalada pela conquista do mercado mundial.
IMPASSE DA GLOBALIZAÇÃO
Se Trump busca se desvencilhar da globalização e dos seus efeitos desindustrializantes, para quem submete a ela, por que manter fidelidade aos instrumentos que ela utiliza – como é o caso do tripé econômico neoliberal –, se eles se transformaram em empecilhos ao desenvolvimento sustentável das economias capitalistas periféricas, como as da América Latina?
Torna-se, ainda, mais incompreensível a continuidade da fidelidade à globalização, que Trump descarta, por ser prejudicial à indústria americana, no contexto da guerra tarifária.
Se é ruim para eles, não seria pior ainda para nós?
As exportações da periferia capitalista para os Estados Unidos, mediante câmbio desvalorizado, garantido pelo déficit comercial americano, deixam, com a guerra tarifária, de ser vantajosas, ao mesmo tempo em que se torna pernicioso continuar em vigor o câmbio flutuante, as metas inflacionárias e a busca de superavit primários, que mantém rentismo especulativo cujo favorecido é, apenas, o mercado financeiro, a Faria Lima.
Se Trump tenta despachar, a qualquer custo, os ônus anti desenvolvimentistas que a globalização financeira produziu em termos de desindustrialização nos Estados Unidos, levando-os à derrota na corrida capitalista para a China, com muito mais razão, Lula e os demais presidentes latino-americanos teriam motivações para se safar da armadilha tirânica do tripé neoliberal que inviabiliza crescimento econômico sustentável.
CONDENAÇÃO AO SUBDESENVOLVIMENTO ETERNO
Manter o tripé, em meio à nova conjuntura global, desatada pela guerra tarifária, é condenar a América Latina à eterna condição de subdesenvolvimento econômico, que favorece, escala mais reduzida, tão somente os setores primários exportadores, sem alcançar valor agregado que leve à economia latino-americana à sustentabilidade econômica.
O perigo, agora, é a invasão de produtos industrializados que terão dificuldades de entrar nos Estados Unidos, maior consumidor mundial, chegando em grandes proporções nas economias subdesenvolvidas, inviabilizando, de vez, os esforços industrializantes, como os que tentam fazer o BNDES, na linha das parcerias público privadas.
Romper o tripé neoliberal, portanto, virou condição sine qua non para abrir espaço capaz de libertar-se da financeirização globalizante que sufoca a economia nacional, por meio da tirania dos juros altos, que garantem, tão somente, lucros aos especuladores da Faria Lima, enquanto inviabiliza qualquer projeto desenvolvimentista.
Na próxima terça-feira, o Fundo Monetário Internacional deve divulgar novas projeções relativas ao crescimento da economia mundial, diante da guerra tarifária.
Em entrevista à mídia, a diretora geral do FMI, Kristalina Georgieva, mostrou-se pessimista: novas expectativas diante das incertezas globais produzirão quedas das atividades econômicas, inflação, desemprego e recessão.
Portanto, diante dessa bola cantada pela representante do império, a América Latina, como defenderam os presidentes latino-americanos em recente reunião da CELAC, em Tegucigalpa, Honduras, tem de agir unida.
Faz-se necessário um só discurso, para escapar das armadilhas que as crises no capitalismo cêntrico produzem, transferindo seus prejuízos para a periferia capitalista sucateada pela concentração de renda e desigualdade social, que inviabiliza desenvolvimento sustentável, com justa distribuição da riqueza nacional.
FOTO:Reprodução: BandNews TV
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/guerra-tarifaria-de-trump-clama-uniao-latino-americana-contra-tripe-neoliberal