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Lula é o fantasma que assombra Trump

Soft power do presidente brasileiro isola a extrema-direita global e expõe a fragilidade da estratégia de Trump contra o Brasil.

Donald Trump ataca ministros, o STF e o Brasil, mas nunca ousou atacar diretamente Lula. O motivo é simples: cada golpe contra o presidente brasileiro fortalece sua imagem como líder global e símbolo da soberania. Com aliados na Europa, Ásia, Oriente Médio, África e América Latina, Lula se tornou a pedra no sapato do trumpismo — e pode transformar a ofensiva dos EUA e de Israel em um tiro pela culatra, ampliando ainda mais sua força na geopolítica mundial.

O poder invisível que Trump teme

Donald Trump não ataca Lula. Ataca o Brasil, suas instituições, ministros do Supremo e a democracia brasileira, mas evita o confronto direto com o presidente. O cálculo é simples: cada ataque a Lula ampliaria sua projeção como líder global e fortaleceria a narrativa de que o Brasil é hoje um contraponto estratégico ao trumpismo. O silêncio dirigido é, na prática, um reconhecimento do poder do adversário.

O presidente brasileiro não tem mísseis intercontinentais nem frota militar para rivalizar com os Estados Unidos. Sua força está no soft power: na capacidade de articular alianças, mobilizar discursos de soberania e projetar uma visão multipolar que ecoa na Europa, na Ásia, no Oriente Médio, na África e na América Latina. Em um mundo saturado de guerra, tarifas e ameaças, Lula oferece um discurso de estabilidade e soberania que encontra ressonância entre países que buscam alternativas à ordem unipolar.

É esse contraste que explica o cuidado de Trump. Se o atacasse pessoalmente, Lula deixaria de ser apenas presidente do Brasil e se consolidaria como o líder global capaz de enfrentá-lo no campo simbólico. O resultado seria óbvio: em vez de enfraquecer o governo brasileiro, Trump daria a Lula a estatura de antagonista legítimo, transformando o Brasil em voz central contra o conservadorismo global.

A estratégia de Trump: atacar o Brasil, não Lula

Desde o início de 2025, Donald Trump calibra sua ofensiva contra o Brasil mirando instituições, ministros e setores econômicos, mas mantém Lula fora da linha de tiro. O tarifaço de 50% sobre as exportações brasileiras veio acompanhado de uma ordem executiva que declarou “emergência nacional” contra o governo do Brasil — não contra seu presidente. Poucos dias depois, o alvo foram as instituições judiciais: o Tesouro americano sancionou Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, enquadrando-o como símbolo de “autoritarismo”.

Esse padrão não é acidental. O discurso trumpista e de seus estrategistas tenta fragilizar o Estado brasileiro e corroer a legitimidade de suas instituições, enquanto evita conceder a Lula o status de vítima direta. É a lógica da guerra híbrida: atacar a estrutura, minar a confiança da sociedade, desgastar a economia e criar o ambiente perfeito para a desestabilização.

A estratégia também se revela nas alianças internacionais. Enquanto Israel rebaixa relações diplomáticas e declara Lula persona non grata, a retórica de Washington insiste em retratar o Brasil como um país desviado dos “valores ocidentais”. São ataques calibrados contra o corpo institucional, sem dar munição para que Lula se apresente como antagonista legítimo — o que só aumentaria seu prestígio.

No cálculo da extrema-direita global, Lula não pode ser transformado em mártir ou em líder perseguido. Atacá-lo diretamente seria o erro estratégico que daria ao presidente brasileiro o protagonismo internacional que eles mais temem.

Bannon e a ultradireita: a leitura do inimigo

Steve Bannon nunca escondeu sua avaliação: Lula é um obstáculo central para a expansão do conservadorismo global. Ainda em 2019, chamou o presidente brasileiro de “maior ídolo da esquerda globalista”, reconhecendo que sua presença no tabuleiro mundial representa um risco ao projeto da extrema-direita. Em 2022, durante a eleição no Brasil, Bannon ecoou a narrativa de fraude eleitoral e disse que o país era um “alerta para o movimento MAGA”, colocando Lula no centro de um jogo maior do que a disputa brasileira.

Essas declarações são mais que bravatas: são diagnósticos estratégicos. A extrema-direita internacional sabe que Lula é capaz de articular uma rede multipolar, de Pequim a Bruxelas, de Teerã a Buenos Aires, e que sua liderança transcende a fronteira nacional. Por isso, Bannon e seus aliados insistem em atacar as instituições brasileiras — o STF, o TSE, a imprensa — mas preservam Lula como alvo indireto.

Ao não atacar o presidente brasileiro, eles evitam dar a ele o título de antagonista oficial do trumpismo. É a tentativa de sufocar o adversário sem transformá-lo em herói. Só que a leitura tem um efeito colateral: cada movimento contra as instituições brasileiras reforça a narrativa de que o país está sob pressão externa, e Lula aparece como o líder capaz de defender a soberania nacional.

O soft power de Lula como arma de soberania

O presidente Lula não precisa de ogivas nucleares para ser ouvido. Sua força está no capital simbólico acumulado ao longo de décadas e na capacidade de transformar experiência política em prestígio diplomático. Quando fala na ONU, no BRICS ou em encontros bilaterais, Lula projeta a ideia de que o Brasil é mais do que um país emergente: é uma potência soberana, capaz de influenciar os rumos da ordem mundial.

Esse soft power se expressa em várias frentes. Com a China e a Rússia, Lula fortalece o BRICS como espaço de disputa pela multipolaridade. Na Europa, dialoga com governos que resistem à linha dura de Washington. No Oriente Médio, denunciou abertamente o genocídio em Gaza, colocando-se como voz do Sul Global contra a barbárie. Na América Latina, retoma a tradição integracionista, articulando respostas coletivas às tarifas impostas pelos EUA.

Cada gesto amplia sua estatura e isola Trump. Enquanto o republicano aposta em guerras tarifárias e sanções, Lula aparece como a figura que defende estabilidade, soberania e cooperação. O contraste é brutal: Trump representa o unilateralismo agressivo, Lula encarna a alternativa multipolar.

É justamente essa força intangível — a capacidade de influenciar opiniões públicas, mobilizar líderes e articular alianças — que torna Lula um adversário perigoso para o trumpismo. E é por isso que Trump prefere mirar em instituições, nunca diretamente em Lula. Um ataque frontal só confirmaria ao mundo que o presidente brasileiro é o verdadeiro antagonista da extrema-direita global.

Cenário 2026: o plano de desestabilização

O objetivo central da extrema-direita internacional, com Trump de volta ao poder nos EUA e Israel como aliado estratégico, é claro: enfraquecer Lula e as instituições brasileiras antes das eleições de 2026. A engrenagem já está em movimento e combina pressão externa, ataques econômicos e narrativas de deslegitimação.

Nos Estados Unidos, o pacote de tarifas de Trump e as sanções contra o Supremo são parte de uma mesma estratégia: fragilizar o Estado brasileiro e preparar o terreno para questionar a lisura do processo eleitoral. Em paralelo, Israel tensiona a relação diplomática com o Brasil, usando o conflito em Gaza como catalisador para pintar Lula como “inimigo do Ocidente”.

No plano doméstico, o bolsonarismo raiz ainda não tem candidato. Jair Bolsonaro é visto como inepto e disfuncional, mas preso pode ser convertido em mártir, alimentando a narrativa de perseguição política. Nesse vácuo, surgem dois movimentos: Tarcísio de Freitas tentando se consolidar como presidenciável de direita, e Eduardo Bolsonaro operando dos Estados Unidos como “exilado político”, mantendo os direitos políticos e alimentando a campanha internacional contra as instituições brasileiras.

A estratégia não para aí. O campo progressista também pode ser alvo de infiltração com a construção de uma “terceira via” falsa, personificada por figuras como Ciro Gomes — crítico a Lula, mas incapaz de oferecer um projeto consistente. O objetivo seria dividir a esquerda, tirar votos decisivos e impedir uma vitória de Lula no primeiro turno. Num eventual segundo turno, a terceira via se abstém ou se alia à direita, abrindo espaço para a extrema-direita retomar fôlego.

O roteiro é o mesmo testado em outras democracias: desestabilizar, desacreditar e dividir. Se Lula chegar enfraquecido a 2026, os EUA e seus aliados terão cumprido a missão de reduzir sua força simbólica e de criar as condições para não reconhecer a legitimidade da vitória brasileira.

Regulação das mídias: o eixo da disputa

Se há um campo onde a disputa entre Lula e Trump se torna visceral, é o da informação. O presidente brasileiro assumiu a dianteira no debate sobre a regulação das plataformas digitais, tocando diretamente no nervo exposto da extrema-direita global: o uso das big techs como instrumentos de desinformação, manipulação política e guerra cultural.

Ao defender a soberania informacional, Lula não fala apenas ao Brasil, mas ao mundo. Sua proposta de regular o poder das plataformas ecoa em parlamentos da Europa, em organismos multilaterais e no BRICS, desenhando um modelo alternativo ao laissez-faire digital norte-americano. Para Trump e seus aliados, isso é uma ameaça dupla: expõe a cumplicidade das big techs com a difusão do ódio e, ao mesmo tempo, oferece ao Sul Global um roteiro de resistência.

A ofensiva contra o STF e contra ministros como Alexandre de Moraes, enquadrados pelo trumpismo como “censores”, tem exatamente essa função: desacreditar o processo de regulação no Brasil e impedir que Lula o transforme em referência internacional. É um ataque preventivo contra uma agenda que pode marginalizar Trump, já que sua força política depende de um ecossistema digital sem limites, onde a mentira e o ódio circulam como armas legítimas.

Assim, a regulação das mídias deixa de ser apenas um debate técnico: ela se converte no coração da guerra híbrida contemporânea. O que está em disputa não é só a política brasileira, mas o futuro da comunicação global — e nesse terreno, Lula aparece como protagonista de uma transformação que ameaça a extrema-direita em escala mundial.

O fantasma do desenvolvimentismo

Donald Trump e seus estrategistas sabem que Lula é mais do que um presidente: ele é um símbolo. Atacá-lo diretamente seria um erro fatal, pois cada golpe apenas ampliaria sua imagem como líder global do Sul e referência de soberania diante de um mundo multipolar. Por isso, os ataques são canalizados às instituições, aos ministros e ao próprio Estado brasileiro — numa tentativa de corroer as bases do país sem inflar o prestígio do presidente.

O problema para o trumpismo é que essa estratégia tem limites. Ao resistir às tarifas, às sanções e à pressão diplomática, Lula se projeta como antagonista legítimo, o único líder que fala em nome de uma ordem multipolar e que consegue articular vozes na Europa, na Ásia, no Oriente Médio, na África e na América Latina. O mesmo Lula que enfrentou a fome e a miséria no Brasil é agora o fantasma que assombra a extrema-direita global, porque representa a possibilidade real de um caminho fora da órbita americana.

Às vésperas de 2026, esse é o paradoxo: quanto mais Trump e Israel tentam enfraquecer as instituições brasileiras, mais Lula se fortalece no plano internacional. O risco deles é transformar o presidente brasileiro no principal antagonista simbólico da extrema-direita mundial, o ponto de convergência de nações que rejeitam a lógica do unilateralismo.

Se Trump ousar atacar Lula diretamente, não enfrentará apenas um homem. Enfrentará uma ideia: a de que o Brasil pode ser soberano, o Sul Global pode ser protagonista e a multipolaridade é inevitável. E esse é o embate que o trumpismo mais teme perder.

FOTO: Ricardo Stuckert/PR // Wikimedia Commons

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/lula-e-o-fantasma-que-assombra-trump