Lula não recuou. Sua aposta é clara: enfrentar os interesses de uma minoria privilegiada.
O governo Lula III começa a mostrar, com clareza e coragem, a que veio. Em um movimento de alto custo político, decidiu enfrentar o Congresso Nacional para sustentar sua proposta de justiça fiscal: taxar os muito ricos, os fundos exclusivos, as grandes fortunas e, mais recentemente, elevar o Imposto sobre operações financeiras (IOF). Em um país que há décadas protege a elite econômica com isenções, brechas e um sistema tributário regressivo, esse gesto não é apenas simbólico. É estrutural.
A resposta do Congresso não demorou. Sob a liderança do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) que assumiu a presidência da Câmara para o biênio 2025-2026, o Legislativo deu um recado duro: derrubou o decreto presidencial que aumentava o IOF, em uma votação expressiva (383 votos a 98), marcando a primeira vez desde 1992 que um decreto presidencial foi revogado dessa forma. Em paralelo, Hugo Motta tirou o PT da relatoria da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), travou a tramitação de medidas do governo e se aproximou ainda mais do centrão fisiológico.
Motta, que se elegeu apoiado por um bloco formado por 17 partidos e – PL, PT, PCdoB, PV, União, PP, Republicanos, PSD, MDB, PDT, PSDB, Cidadania, PSB, Podemos, Avante, Solidariedade e PRD – e 494 deputados, já mostrou que tem lado: o dos mais abastados. Sem qualquer pretensão em dividir o Brasil entre pobres e ricos.
Lula não recuou. Sua aposta é clara: enfrentar os interesses de uma minoria privilegiada para financiar políticas públicas que beneficiam a maioria. A proposta de taxar lucros, dividendos, fundos exclusivos e operações financeiras de alta rentabilidade mira menos de 0,1% da população, mas poderia gerar até R$ 61,5 bilhões até o fim de 2026. São recursos cruciais para manter os programas sociais, investir em saúde, educação e infraestrutura sem romper o novo arcabouço fiscal.
Os dados justificam a ousadia. O Brasil segue entre os países mais desiguais do planeta. Segundo o World Inequality Lab, 1% dos brasileiros concentram 28% da renda nacional. O sistema tributário brasileiro penaliza os mais pobres: quem ganha até dois salários mínimos compromete mais de 50% da renda com tributos, enquanto os super-ricos escapam por mecanismos legais que beiram a ficção.
Há tímidos sinais de mudança. Dados do IBGE mostram que, entre 2023 e 2024, o índice de Gini da renda domiciliar per capita caiu de 0,518 para 0,506 — o menor desde que a série histórica começou. Os 10% mais ricos passaram a ganhar 13,4 vezes mais que os 40% mais pobres, o menor patamar desde 2012. E a renda dos 40% mais pobres cresceu mais de 8% no período, puxada por políticas de transferência de renda e valorização do salário mínimo.
Esses avanços, no entanto, estão ameaçados pela resistência institucional. Hugo Motta representa uma nova fase do conservadorismo fiscal no Brasil: mais sofisticado, menos barulhento que Bolsonaro, mas igualmente comprometido com a manutenção dos privilégios históricos. Sua aliança tácita com o mercado financeiro e setores rentistas reflete-se na sabotagem ativa de qualquer tentativa de tornar o sistema mais progressivo.
A disputa em torno da taxação dos super-ricos e da elevação do IOF é mais do que técnica. É política e moral. Trata-se de decidir se o país continuará sendo um paraíso tributário para milionários, ou se optará por um novo pacto de cidadania, baseado na equidade.
Lula, com todos os limites e pressões do sistema, está tentando liderar esse novo pacto. Ao bancar a agenda da justiça fiscal e ao se recusar a recuar diante do Congresso, sinaliza que não veio apenas para administrar o status quo. Veio para confrontá-lo.
Um sistema que pune os mais pobres – Não é difícil entender por que tantos brasileiros, de diferentes classes sociais, reagem com desconfiança e até revolta quando ouvem a palavra “imposto”. A frase “o povo não aguenta mais pagar imposto” se tornou quase um mantra — repetido nos ônibus, nos salões de beleza e nos debates do Congresso. Mas a pergunta essencial parece ser outra: quem, afinal, está pagando a conta do Brasil?
A verdade é que o sistema tributário brasileiro é perverso. Enquanto nações desenvolvidas cobram mais de quem tem mais, aqui acontece o contrário. No Brasil, quem ganha até dois salários mínimos compromete mais de 50% de sua renda com impostos, especialmente sobre o consumo (ICMS, PIS, COFINS) — aqueles embutidos em tudo que compramos: do pão ao carro. Já os super-ricos, que lucram milhões por meio de dividendos, fundos exclusivos e grandes fortunas, pagam muito menos em termos relativos.
Os pobres pagam proporcionalmente muito mais que os ricos. E Isso cria a percepção, correta, de que o Estado cobra impostos de quem não aguenta mais pagar, enquanto poupa os grandes.
Esse modelo é o que os economistas chamam de sistema regressivo. Ou seja, quanto mais pobre você for, maior será o peso dos impostos no seu bolso.
O Brasil tem um dos sistemas tributários mais regressivos do mundo. É por isso que há tanta raiva quando se fala em “mais impostos” no Brasil.
Lula III – É aí que entra o debate atual. O governo Lula III não está propondo simplesmente “mais impostos”. Está propondo uma mudança no perfil de quem paga. A ideia é clara: os muito ricos devem contribuir mais. É disso que se trata o pacote de justiça fiscal defendido pelo governo, consubstanciado na liberação de imposto de renda de quem ganha até cinco salários mínimos mensais, e o recente aumento do IOF — que foi derrubado pelo Congresso liderado por Hugo Motta, presidente da Câmara, e submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas o que a maioria das pessoas “ouviu”? Que “o governo quer aumentar imposto”. E ponto. A narrativa foi sequestrada pela oposição e pelos interesses dos setores privilegiados, que agem com velocidade para transformar justiça fiscal em “roubo” ou má gestão. Poucos explicam que o IOF incidiria mais fortemente sobre aplicações financeiras sofisticadas, e que as propostas mais ambiciosas do governo visam fundos exclusivos, heranças bilionárias e lucros que nunca foram taxados.
Tudo virou um grande duelo – O Brasil de 2025 se tornou palco de um embate profundo e decisivo sobre o futuro do Estado. De um lado, um governo que tenta aplicar um modelo mais justo de desenvolvimento, redistribuir renda, financiar políticas públicas voltadas para o social, enfrentar privilégios históricos, reequilibrar o sistema tributário. De outro, uma elite político-econômica articulada e com força dentro do Congresso, que age para manter intactos seus privilégios, mesmo às custas do bem-estar coletivo.
E, no meio disso tudo, está a população, bombardeada por desinformação, cansada de promessas não cumpridas e, muitas vezes, levada a defender o opressor por puro instinto de sobrevivência. Afinal, quem nunca viu um trabalhador pobre se revoltar contra a ideia de taxar grandes fortunas achando que isso pode “desencadear uma crise”? Os a meu ver erroneamente chamados de “pobres de direita”.
O sentimento anti-imposto da população é natural e compreensível, diante de décadas de abuso fiscal e serviços públicos ruins. Muitos brasileiros não confiam que os impostos pagos retornem à população em forma de serviços de qualidade.
Ruas e estradas esburacadas, escolas sucateadas, hospitais precários: tudo isso alimenta o sentimento de revolta contra a carga tributária. Quando se fala em “aumento de imposto”, grande parte da população entende como mais sacrifício, e não mais justiça. A justiça fiscal só será viável se a população compreender que não se trata de pagar mais, mas de pagar de forma mais justa.
O que está em jogo com o embate do IOF é quem vai pagar a conta do Brasil que queremos construir. Se não forem os super-ricos, continuarão sendo os mesmos de sempre, a classe trabalhadora.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/lula-peita-o-congresso-e-reafirma-projeto-de-justica-fiscal