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Milei passa por cima do Mercosul, fecha acordo com Trump e abre completamente seu mercado aos EUA

Argentina abre portas para cooperação direta com os EUA em minerais estratégicos, área altamente sensível na disputa geopolítica com a China.

247 – A assinatura da nova Estrutura para um Acordo sobre Comércio e Investimento entre Estados Unidos e Argentina, anunciada nesta quinta-feira 13 pela Casa Branca, representa uma guinada radical da política comercial argentina.

Sob o discurso de “modernização” e “livre mercado”, Milei opta por uma abertura unilateral ao mercado norte-americano sem qualquer referência, coordenação ou respeito às normas do Mercosul, bloco do qual a Argentina é membro fundador e cuja política externa conjunta é uma de suas bases fundamentais.

O documento bilateral, celebrado como uma grande vitória pelo governo argentino, na verdade revela um alinhamento profundo às prioridades econômicas e regulatórias dos EUA, com concessões amplas de Buenos Aires e contrapartidas limitadas por parte de Washington.

Abertura ampla: Argentina desmonta proteções e adota padrões dos EUA

O acordo concede aos EUA acesso preferencial a praticamente todos os setores estratégicos da economia argentina — medicamentos, químicos, máquinas, dispositivos médicos, tecnologia da informação, veículos e grande variedade de produtos agrícolas.

A Argentina também se compromete a:

  • eliminar formalidades consulares para produtos dos EUA;
  • acabar gradualmente com o imposto estatístico;
  • aceitar veículos norte-americanos com base nos padrões dos EUA, substituindo seus próprios requisitos;
  • aceitar certificações da FDA para dispositivos médicos e medicamentos, reduzindo sua autonomia regulatória.

Trata-se de uma abertura que fragiliza a indústria local e desloca decisões técnicas e regulatórias para instituições norte-americanas — tudo sem qualquer reciprocidade equivalente.

Concessões norte-americanas são seletivas e condicionais

Os EUA concordam apenas em remover tarifas sobre recursos naturais que não produzem internamente e insumos farmacêuticos não patenteados. Mesmo em setores sensíveis — como carne bovina, central para ambos os países — Washington promete apenas “considerar positivamente”, no futuro, os efeitos do acordo, podendo recorrer à Seção 232 do Trade Expansion Act caso julgue necessário.

Não há garantias firmes. Há flexibilização argentina.

Regulação, propriedade intelectual e dados: alinhamento automático a Washington

O acordo avança sobre áreas nas quais os EUA têm interesses diretos:

Propriedade intelectual

A Argentina se compromete a reestruturar seu regime de patentes e reforçar a fiscalização contra pirataria, alinhando-se integralmente aos padrões exigidos por Washington.

Setor digital

O governo Milei reconhece os EUA como jurisdição adequada para transferência de dados, comprometendo-se a não discriminar plataformas digitais norte-americanas — uma vitória direta do Vale do Silício.

Empresas estatais e subsídios

Buenos Aires assume o compromisso de conter subsídios e ações de empresas estatais, reduzindo espaço para políticas industriais.

Minerais críticos

O país abre portas para cooperação direta com os EUA em minerais estratégicos, área altamente sensível na disputa geopolítica com a China.

Agricultura: portas abertas aos produtos dos EUA

A Argentina permite a entrada de:

  • gado vivo norte-americano;
  • produtos avícolas em até um ano;
  • carne bovina, miúdos, suínos e laticínios com processos de registro simplificados e menos exigências.

A abertura acontece sem proteção explícita para produtores argentinos.

O grande ausente: o Mercosul

Talvez o ponto politicamente mais explosivo do documento seja o silêncio absoluto sobre o Mercosul. Não há:

  • consulta ao bloco,
  • compatibilização com normas regionais,
  • ressalvas jurídicas,
  • análise de impacto,
  • nem sequer uma menção de que o acordo seria compatível com as regras da união aduaneira.

Isso indica que Milei decidiu avançar à margem das obrigações regionais, ignorando que negociações externas devem ser feitas em conjunto. Ao firmar uma estrutura desse porte de maneira unilateral, Milei rasga a lógica do Mercosul e coloca a política externa argentina sob o guarda-chuva direto da Casa Branca.

Um acordo profundamente assimétrico

A Estrutura apresentada como modernização econômica revela, na prática:

  • concessões amplas da Argentina;
  • benefícios seletivos dos EUA;
  • alinhamento regulatório automático;
  • abertura comercial irrestrita;
  • ignorar total ao Mercosul.

É um acordo que fortalece principalmente Washington, secundariza o interesse nacional argentino e coloca o país em uma posição de dependência estratégica — tudo sob um discurso ideológico de “liberdade econômica”.

FOTO: The White House

FONTE: https://www.brasil247.com/americalatina/milei-passa-por-cima-do-mercosul-fecha-acordo-com-trump-e-abre-completamente-seu-mercado-aos-eua