Associação Brasileira dos Jornalistas

Seja um associado da ABJ. Há 16 anos lutando pelos jornalistas

“Nada é permanente, exceto a mudança”

A política externa dos EUA em relação à América Latina é pautada por doutrinas golpistas, destaca a colunista Elizabeth Carvalho.

Uma ruptura histórica separa acontecimentos marcantes vividos na América Latina entre 11 de setembro de 1973 e 11 de setembro de 2025.  O inconsciente coletivo guarda a imagem de um palácio presidencial em chamas no Chile em 1973, onde o presidente Salvador Allende era assassinado, e a da sequencia sangrenta de horrores que se seguiram por 27 anos, até que o General Augusto Pinochet apeasse do poder. Em 2025, sob o peso das consequências das medidas tarifárias aplicadas aos produtos brasileiros aos Estados Unidos, do cancelamento do visto e aplicação da Lei Magnitisk ao Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, e das ameaças recentes de “intervenção militar” da porta voz do governo americano, o Brasil acaba de virar a página de uma grave ameaça de golpe de Estado, julgando e condenando à prisão, pela primeira vez, um ex-presidente, seis militares e um deputado federal.

Vamos nos permitir um pouco de ufanismo: a exemplar condenação de Jair Messias Bolsonaro e os demais sete integrantes do “núcleo crucial” da tentativa de golpe que deveria mantê-lo no poder depois de perder as eleições de 2022 projeta o Brasil para além de sua longa adolescência vigiada em direção à maturidade democrática. O brasileiro talvez possa agora compreender melhor o significado das palavras “democracia”, “soberania”, ë “liberdade”, essenciais na formação de uma cidadania plena que ainda estamos longe de conhecer.

Da segunda metade do século passado até o presente, a sombra do mais armado e poderoso Estado do conjunto de nações do planeta foi determinante no desenrolar da história do continente. Os Estados Unidos da América estiveram também por trás dos golpes militares e civis sangrentos praticados no Paraguai, na Argentina, no Brasil, no Peru, na Bolívia, na Guatemala, na República Dominicana, no Haiti, na Nicarágua, em Honduras, e em el Salvador. Voltando ao início do século XX, quando nossas Repúblicas apenas engatinhavam depois de vencidos processos coloniais distintos, elas seriam ao menos duas centenas, desde que as doutrinas do Destino Manifesto, do Big Stick de Theodor Roosevelt a Doutrina da Segurança Nacional do pós-guerra pautaram a política externa dos Estados Unidos em relação a seus vizinhos mais próximos.

Para reavivar a memória, com o auxílio da IA Deep Seek:

Era do Big Stick e das intervenções “diretas”, de 1900 a 1930:

Cuba (1906-1909, 1912, 1917-1922): Após a Guerra Hispano-Americana, a Emenda Platt concedeu aos EUA o direito de intervir em Cuba. Isso foi exercido várias vezes para proteger interesses econômicos americanos e suprimir revoltas.

Nicarágua (1909-1910, 1912-1933): Os EUA apoiaram a rebelião que derrubou o presidente Zelaya, e subsequentemente ocuparam militarmente o país por quase duas décadas para garantir um governo amigável e combater a figura de Augusto César Sandino.

Honduras (1910-1911): Apoio a rebeldes para derrubar o presidente Miguel Dávila, considerado hostil aos interesses das companhias fruteiras americanas.

México (1913-1914): Envolvimento no golpe e assassinato do presidente Francisco Madero. O embaixador dos EUA, Henry Lane Wilson, esteve diretamente

envolvido no “Pacto da Embaixada”, que consagrou o governo golpista de Victoriano Huerta.
Haiti (1915-1934): Invasão e ocupação militar após a instabilidade política, oficialmente para proteger cidadãos e interesses americanos. A ocupação durou 19 anos.
República Dominicana (1916-1924) Ocupação militar semelhante à do Haiti, para cobrar dívidas e assumir o controle das finanças do país.

Década de 1950: Guerra Fria e “Operações Encobertas”

Guatemala (1954): Caso paradigmático:  A CIA orquestrou o golpe “PBSUCCESS” que derrubou o presidente democraticamente eleito Jacobo Árbenz. A motivação foi a reforma agrária que ameaçava os interesses da United Fruit Company. O golpe instalou uma ditadura militar e iniciou décadas de conflito interno.

Argentina (1955): O governo Eisenhower forneceu apoio tácito e logístico aos militares golpistas que derrubaram Juan Domingo Perón, visto como um líder populista e nacionalista desalinhado com Washington.

Década de 1960: Aperfeiçoamento da Doutrina de Segurança Nacional

Cuba (1961): Apoio direto e treinamento da invasão da Baía dos Porcos por exilados cubanos, uma tentativa fracassada de derrubar Fidel Castro.

Equador (1961-1963): Pressão econômica e diplomática e eventual apoio ao golpe militar que depôs o presidente José María Velasco Ibarra, sob a alegação de que seu governo era vulnerável à infiltração comunista.

Brasil (1964): Os EUA forneceram apoio logístico, inteligência, garantias de reconhecimento rápido e apoio militar (com a frota da USS Forrestal ao largo da costa) aos golpistas. O embaixador Lincoln Gordon e adidos militares estiveram profundamente envolvidos. O golpe instalou uma ditadura de 21 anos.

República Dominicana (1965): Invasão de mais de 40,000 fuzileiros navais sob o pretexto de evitar “uma segunda Cuba” durante uma guerra civil, impedindo a volta ao poder do presidente constitucionalmente eleito Juan Bosch.

Década de 1970: Apoio às Ditaduras do “Terror de Estado”

Bolívia (1971): Apoio ao golpe do coronel Hugo Banzer. A CIA forneceu fundos e apoio a grupos civis de direita que prepararam o terreno para o golpe.

Uruguai (1973): Apoio financeiro e em treinamento de contra insurgência às forças de segurança que, gradualmente, deram um golpe de estado e instalaram uma ditadura civil-militar.

Chile (1973): O caso mais emblemático. A CIA gastou milhões de dólares para “desestabilizar” a economia e fomentar o caos social durante o governo de Salvador Allende. O apoio logístico, de inteligência e a garantia de que os EUA não interfeririam foram cruciais para o sucesso do golpe de Augusto Pinochet.

Argentina (1976): O governo Ford e, posteriormente, o de Carter, deram apoio tácito e rápido reconhecimento à junta militar que instaurou a ditadura mais sangrenta da região. A CIA colaborou com a repressão através da Operação Condor (coordenação entre as ditaduras do Cone Sul para perseguir opositores).

Década de 1980: As “Guerras Sujas” na América Central

El Salvador: Apoio massivo (bilhões de dólares em ajuda militar e econômica) aos governos autoritários e às forças de segurança que cometeram atrocidades em massa (como o assassinato de Monsenhor Romero e o Massacre de El Mozote) contra a guerrilha de esquerda, sob o pretexto de combater o comunismo.

Guatemala: Continuação do apoio militar e financeiro aos regimes militares genocidas durante a longa guerra civil, mesmo com conhecimento de graves violações de direitos humanos.

Nicarágua: Apoio financeiro e logístico direto aos “Contras” (grupos rebeldes de direita) para derrubar o governo sandinista, eleito democraticamente. O caso Irã-Contras explodiu quando se descobriu que fundos de venda ilegal de armas ao Irã estavam sendo canalizados para os Contras.

Século XXIMudança de Táticas (Do Golpe Clássico ao “Golpe Suave” ou Institucional)

Venezuela (2002): Documentos revelaram que o governo George W. Bush teve conhecimento prévio e aprovou o golpe de estado de curta duração que depôs Hugo Chávez por menos de 48 horas. O National Endowment for Democracy (NED) e a USAID financiaram grupos da oposição e sindicatos envolvidos no evento.

Haiti (2004): Apoio político e logístico ao golpe que depôs o presidente Jean-Bertrand Aristide. Forças dos EUA “protegeram” a saída de Aristide do país e uma força internacional, liderada pelos EUA, ocupou o país após o golpe.

Honduras (2009): O governo Obama, após inicialmente condenar o golpe que depôs o presidente Manuel Zelaya, rapidamente adotou uma posição ambígua, recusando-se a classificá-lo oficialmente como um “golpe de estado” (o que teria cortado a ajuda militar). Isso permitiu a consolidação do governo de fato.

Bolívia (2019): O governo Trump e figuras como o senador Marco Rubio celebraram a renúncia forçada de Evo Morales, que veio sob intensa pressão militar. A OEA, fortemente influenciada pelos EUA, desempenhou um papel chave ao questionar os resultados eleitorais, legitimando a crise. A USAID e o NED tinham histórico de financiamento de grupos opositores a Morales.

Venezuela (2019-em diante): Reconhecimento imediato de Juan Guaidó como presidente interino pelo governo Trump, em uma clara tentativa de pressionar pela mudança de regime, aplicando sanções econômicas severas (consideradas por muitos analistas como um bloqueio informal).

Nada mais atual neste 11 de setembro que a frase atribuída a Heráclito, que viveu num tempo provável de meio milênio antes da era de Cristo: “nada é permanente, exceto a mudança.” O Brasil acaba de dar ao mundo dá mais uma pequena prova de persistência e coragem diante das  grandes transformações em curso que nos levarão a uma nova era , mas não sabemos exatamente como será. Mas certamente pode seguir mais fortalecido para as próximas batalhas.

Introdução Contextual

A política externa dos EUA em relação à América Latina foi pautada por doutrinas como o Destino Manifesto, o “Big Stick” de Theodore Roosevelt, e posteriormente pela Doutrina de Segurança Nacional durante a Guerra Fria. O objetivo primordial era assegurar a hegemonia política, econômica e estratégica dos EUA no hemisfério, muitas vezes priorizando a estabilidade e a alinhamento anticomunista sobre a democracia e a autodeterminação dos povos.

Lista de Golpes e Intervenções com Apoio dos EUA

1. Décadas de 1900 a 1930: A Era das Intervenções “Diretas” e do “Big Stick”

· Cuba (1906-1909, 1912, 1917-1922): Após a Guerra Hispano-Americana, a Emenda Platt concedeu aos EUA o direito de intervir em Cuba. Isso foi exercido várias vezes para proteger interesses econômicos americanos e suprimir revoltas.
· Nicarágua (1909-1910, 1912-1933): Os EUA apoiaram a rebelião que derrubou o presidente Zelaya, e subsequentemente ocuparam militarmente o país por quase duas décadas para garantir um governo amigável e combater a figura de Augusto César Sandino.
· Honduras (1910-1911): Apoio a rebeldes para derrubar o presidente Miguel Dávila, considerado hostil aos interesses das companhias fruteiras americanas.
· México (1913-1914): Envolvimento no golpe e assassinato do presidente Francisco Madero. O embaixador dos EUA, Henry Lane Wilson, esteve diretamente envolvido no “Pacto da Embaixada” que consagrou o governo golpista de Victoriano Huerta.
· Haiti (1915-1934): Invasão e ocupação militar após a instabilidade política, oficialmente para proteger cidadãos e interesses americanos. A ocupação durou 19 anos.
· República Dominicana (1916-1924): Ocupação militar semelhante à do Haiti, para cobrar dívidas e assumir o controle das finanças do país.

2. Década de 1950: Guerra Fria e Operações Encobertas

· Guatemala (1954): Caso paradigmático. A CIA orquestrou o golpe “PBSUCCESS” que derrubou o presidente democraticamente eleito Jacobo Árbenz. A motivação foi a reforma agrária que ameaçava os interesses da United Fruit Company. O golpe instalou uma ditadura militar e iniciou décadas de conflito interno.
· Argentina (1955): O governo Eisenhower forneceu apoio tácito e logístico aos militares golpistas que derrubaram Juan Domingo Perón, visto como um líder populista e nacionalista desalinhado com Washington.

3. Década de 1960: Aperfeiçoamento da Doutrina de Segurança Nacional

· Cuba (1961): Apoio direto e treinamento da invasão da Baía dos Porcos por exilados cubanos, uma tentativa fracassada de derrubar Fidel Castro.
· Equador (1961-1963): Pressão econômica e diplomática e eventual apoio ao golpe militar que depôs o presidente José María Velasco Ibarra, sob a alegação de que seu governo era vulnerável à infiltração comunista.
· Brasil (1964): Apoio crucial e bem documentado. Os EUA forneceram apoio logístico, inteligência, garantias de reconhecimento rápido e apoio militar (com a frota da USS Forrestal ao largo da costa) aos golpistas. O embaixador Lincoln Gordon e adidos militares estiveram profundamente envolvidos. O golpe instalou uma ditadura de 21 anos.
· República Dominicana (1965): Invasão de mais de 40,000 fuzileiros navais sob o pretexto de evitar “uma segunda Cuba” durante uma guerra civil, impedindo a volta ao poder do presidente constitucionalmente eleito Juan Bosch.

4. Década de 1970: Apoio às Ditaduras do “Terror de Estado”

· Bolívia (1971): Apoio ao golpe do coronel Hugo Banzer. A CIA forneceu fundos e apoio a grupos civis de direita que prepararam o terreno para o golpe.
· Uruguai (1973): Apoio financeiro e em treinamento de contra-insurgência às forças de segurança que, gradualmente, deram um golpe de estado e instalaram uma ditadura civil-militar.
· Chile (1973): O caso mais emblemático. A CIA gastou milhões de dólares para “destabilizar” a economia e fomentar o caos social durante o governo de Salvador Allende. O apoio logístico, de inteligência e a garantia de que os EUA não interfeririam foram cruciais para o sucesso do golpe de Augusto Pinochet.
· Argentina (1976): O governo Ford e, posteriormente, o de Carter, deram apoio tácito e rápido reconhecimento à junta militar que instaurou a ditadura mais sangrenta da região. A CIA colaborou com a repressão através da Operação Condor (coordenação entre as ditaduras do Cone Sul para perseguir opositores).

5. Década de 1980: As Guerras Sujas na América Central

· El Salvador: Apoio massivo (bilhões de dólares em ajuda militar e econômica) aos governos autoritários e às forças de segurança que cometeram atrocidades em massa (como o assassinato de Monsenhor Romero e o Massacre de El Mozote) contra a guerrilha de esquerda, sob o pretexto de combater o comunismo.
· Guatemala: Continuação do apoio militar e financeiro aos regimes militares genocidas durante a longa guerra civil, mesmo com conhecimento de graves violações de direitos humanos.
· Nicarágua: Apoio financeiro e logístico direto aos “Contras” (grupos rebeldes de direita) para derrubar o governo sandinista, eleito democraticamente. O caso Irã-Contras explodiu quando se descobriu que fundos de venda ilegal de armas ao Irã estavam sendo canalizados para os Contras.

6. Século XXI: Mudança de Táticas (Do Golpe Clássico ao “Golpe Suave” ou Institucional)

· Venezuela (2002): Documentos revelaram que o governo George W. Bush teve conhecimento prévio e aprovou o golpe de estado de curta duração que depôs Hugo Chávez por menos de 48 horas. O National Endowment for Democracy (NED) e a USAID financiaram grupos da oposição e sindicatos envolvidos no evento.
· Haiti (2004): Apoio político e logístico ao golpe que depôs o presidente Jean-Bertrand Aristide. Forças dos EUA “protegeram” a saída de Aristide do país e uma força internacional, liderada pelos EUA, ocupou o país após o golpe.
· Honduras (2009): O governo Obama, após inicialmente condenar o golpe que depôs o presidente Manuel Zelaya, rapidamente adotou uma posição ambígua, recusando-se a classificá-lo oficialmente como um “golpe de estado” (o que teria cortado a ajuda militar). Isso permitiu a consolidação do governo de facto.
· Bolívia (2019): O governo Trump e figuras como o senador Marco Rubio celebraram a renúncia forçada de Evo Morales, que veio sob intensa pressão militar. A OEA, fortemente influenciada pelos EUA, desempenhou um papel chave ao questionar os resultados eleitorais, legitimando a crise. A USAID e o NED tinham histórico de financiamento de grupos opositores a Morales.
· Venezuela (2019-em diante): Reconhecimento imediato de Juan Guaidó como presidente interino pelo governo Trump, em uma clara tentativa de pressionar pela mudança de regime, aplicando sanções econômicas severas (consideradas por muitos analistas como um bloqueio informal).

Considerações Finais para seu Artigo

1. Graus de Envolvimento: É importante diferenciar os casos. O apoio dos EUA variou de: orquestração direta (Guatemala ’54, Chile ’73), a apoio logístico e de inteligência crucial (Brasil ’64), apoio tácito e rápido reconhecimento (Argentina ’76), até pressão diplomática e financiamento de opositores (século XXI).

2. Justificativas em Evolução: As razões mudaram do puro expansionismo econômico (“República das Bananas”) para o anticomunismo da Guerra Fria e, mais recentemente, para a “promoção da democracia” e do “livre mercado”, muitas vezes usando linguagem de direitos humanos para fins geopolíticos.

3. Fontes Primárias: Para fundamentar, cite documentos desclassificados, como os da CIA (disponíveis no National Security Archive) e os relatórios do “Church Committee” (1975), que investigou as ações da CIA. A Comissão da Verdade do Brasil também traz documentação importante.

Espero que esta lista detalhada e contextualizada seja de grande valia para finalizar o seu artigo com a urgência necessária. Boa sorte com a publicação.

Atenciosamente, Um Assistente de Pesquisa em História Latino-Americana.

* Elizabeth Carvalho é jornalista, mestre em Economia Política Internacional, por 10 anos correspondente da Globo News em Berlim e em Paris.

Foto: Divulgação/Facebook Eduardo Bolsonaro

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/nada-e-permanente-exceto-a-mudanca