Na prática nunca se tratou do Brasil acima de tudo, nem Deus acima de todos, mas sim da Família Bolsonaro acima de tudo e de todos.
No dia 2 de setembro iniciará o julgamento da Ação Penal (AP) 2668, que tem como réus o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete ex-integrantes de seu governo. Eles compõem o chamado “Núcleo 1” ou “Núcleo Crucial” dos acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por tentativa de golpe de Estado, ocorrida entre 2022 e 2023.
Na perspectiva desse julgamento tão aguardado pela sociedade brasileira, torna-se necessário revisitar a trajetória recente da política nacional para compreender como se construiu o ambiente que possibilitou a ascensão de um político parasitário do denominado baixo clero improdutivo, que nada propôs em projetos políticos úteis ao povo que justificassem sua legislatura paga pelo erário público ao longo de quase três décadas, mas que, ainda assim, alcançou a Presidência da República em 2018.
Tudo começou em 2013, com as Jornadas de Junho, inicialmente impulsionadas pelo Movimento Passe Livre em defesa da redução da tarifa de ônibus. Em poucos dias, entretanto, a extrema direita apropriou-se das manifestações, degenerando sua pauta e direcionando os ataques contra as instituições democráticas. Um ano após, esses mesmos segmentos da extrema direita se uniram ao candidato derrotado nas eleições de 2014, Aécio Neves (PSDB-MG), na construção de um ambiente de instabilidade política.
A presidente Dilma Rousseff, legitimamente reeleita, começou a sofrer retaliações da elite financeira do país por meio de seus prepostos da extrema direita e direita inconformados com o quarto mandato progressista no país. Com uma popularidade de 79% em 2013, após as manifestações das Jornadas de Junho teve sua aprovação reduzida a 31%, chegando em agosto de 2015 a 8%. Esse processo de corrosão política desembocou no impeachment de 2016, um golpe parlamentar que, como reconheceu o ministro Luís Roberto Barroso, não se deu por “pedaladas fiscais, mas por perda de sustentação política”.
Forças do retrocesso político tanto da extrema direita, como da direita toma lá, dá cá e do mercado financeiro com “o Congresso e com tudo” descontentes com mais um governo de esquerda trataram de expurgá-lo, substituindo-o por um projeto liberal devastador e solapador dos direitos sociais e dos projetos de justiça social em curso, que marcaram o dois mandatos do Presidente Luís Inácio Lula da Silva com a redução das desigualdades sociais e aprovação histórica de (87%), além de sua projeção como relevante Estadista no plano internacional, o mesmo acontecendo com a aprovação da Presidenta Dilma assinalada no parágrafo anterior.
Surge a ponte para o futuro com Michel Temer, o político que ficou registrado na história, como o vice desleal. Só uma figura deplorável eticamente aceitaria a vergonhosa missão de conspirar e trair nos corredores e gabinetes dos poderes republicanos, a confiança de uma presidente do país legitimamente reeleita pelo povo, com 51,64% dos votos válidos. Temer não só traiu Dilma Roussef, ele traiu o povo brasileiro retirando do cargo, uma mulher de conduta ilibada escolhida para representá-lo.
Ao longo desse período turbulento, emergiu a Operação Lava Jato, conduzida pelo ex juiz suspeito Sergio Moro e um grupo de procuradores do Ministério Público, entre estes, Deltan Dallagnol que, ao arrepio da lei, transformaram Curitiba em palco de lawfare.
Durante a operação, Moro e os procuradores articulavam-se por meio de aplicativos de mensagens, coordenando em tempo real cada diligência. A conduta do juiz revelava uma parcialidade gritante, que não apenas negava um princípio elementar do direito processual, como também expunha de forma cristalina seu projeto pessoal de ascensão política, posteriormente confirmado. Em meio a imagens sensacionalistas, anunciava-se em alto e bom som, para todos os cantos do país, a espetacularização das conduções coercitivas. De powerpoints surreais a perseguições sem provas, passando por buscas e apreensões arbitrárias, grampos ilegais e vazamentos seletivos para a grande mídia, a Operação Lava Jato acumulou abusos, como um número expressivo de condenações baseadas em meras convicções, tortura psicológica contra investigados, prisões injustas e, sobretudo, a manobra que impediu Lula de concorrer em 2018, abrindo espaço para a ascensão de Jair Bolsonaro. Até que, em um certo dia, a ação de um hacker expôs as entranhas da operação e pôs fim à festa da organização violadora do devido processo legal.
Assim, em 2018, emergiu o falso “antissistema” Jair Bolsonaro, que por 28 anos ocupou o baixo clero improdutivo da Câmara Federal. Nesse período, não apresentou qualquer contribuição relevante ao país, limitando-se a acumular patrimônio por meio de esquemas obscuros. Um parlamentar que deveria ter sido cassado quando, em pleno processo de impeachment de Dilma Rousseff, fez apologia ao mais abominável torturador da ditadura militar. Com o sarcasmo que lhe é peculiar, dedicou seu voto “à memória do torturador do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”, arrematando com o lema que viria a se tornar sua marca: “um Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”.
Na prática, nunca se tratou de “Brasil acima de tudo” nem “Deus acima de todos”. O lema bolsonarista sempre foi “Família Bolsonaro acima de tudo e de todos”, acima da democracia, da soberania e do próprio povo. Em troca da impunidade ofereceram o Brasil e suas instituições ao governo norte-americano, causando prejuízos econômicos e diplomáticos incalculáveis, incluindo um tarifaço de Trump que custou R$ 40 bilhões ao Brasil, além das restrições indevidas pela Lei Magnitsky ao ministro Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal (AP) 2668, sem contar os cancelamentos de vistos dos EUA a outros ministros da Suprema Corte, ao Ministro da Justiça Enrique Ricardo Lewandowski e ao Procurador-Geral da República, Paulo Gonet.
A partir de 2 de setembro, no decorrer do julgamento, é oportuno recordar que a soberba, aliada à completa incapacidade de Jair Bolsonaro para governar, gerou consequências devastadoras em áreas vitais ao desenvolvimento sustentável do país, como saúde, trabalho, educação, economia, cultura, transporte e infraestrutura. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) apontou, em 2023, que seu governo deixou “marcas negativas profundas, que levarão tempo para serem superadas”. (Fonte Brasil de Fato).
Na pandemia, sua postura negacionista e suspeita de desvios ilegais resultou em milhares de mortes evitáveis, estima-se que 75% das 690 mil vítimas fatais poderiam ter sobrevivido com políticas responsáveis. A CPI da Covid responsabilizou Bolsonaro por crimes como charlatanismo, prevaricação, epidemia com resultado morte, uso irregular de verbas públicas, incitação ao crime, falsificação de documentos e até crimes contra a humanidade (Fonte: Agência Senado).
Somam-se a essas ações delituosas, os escândalos envolvendo venda ilegal de joias pertencentes à união, atuação em milícias digitais, criação do gabinete do ódio, ataques infundados ao processo eleitoral e fraudes em cartão de vacinação. A tentativa de ruptura do Estado de Direito é apenas mais uma entre tantas práticas ilegais que marcaram sua carreira política, para além de sua história pregressa de quebra de confiança, desrespeito e indisciplina como militar até sua trajetória como parlamentar e presidente
Não por acaso, o julgamento de Bolsonaro ganhou repercussão internacional. A revista britânica The Economist publicou em 28 de agosto de 2025: “Brazil offers America a lesson in democratic maturity. It is a test case for how countries recover from a populist fever”, ou seja, “O Brasil oferece aos Estados Unidos uma lição de maturidade democrática. É um teste de como se recuperam de uma febre populista” (Disponível em: https://www.economist.com/leaders/2025/08/28/brazil-offers-america-a-lesson-in-democratic-maturity, acessado em 28/08/25).
O mês de setembro de 2025 ficará marcado na memória brasileira. Sobre Jair Bolsonaro recairá parte das consequências de seus atos, ainda que muitas de suas faltas permaneçam sem julgamento. Independentemente do desfecho, trata-se de um marco histórico, o início do acerto de contas de um personagem abjeto que traiu a confiança do povo e atentou contra a democracia. O julgamento dos réus do núcleo crucial não é apenas sobre a tentativa de golpe, mas sobre a necessidade de reafirmar a soberania, a democracia e o compromisso do Brasil com sua própria história.
Foto: Saulo Cruz/Agência Senado
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/o-julgamento-de-bolsonaro-e-a-prova-de-maturidade-da-democracia-brasileira