Por que privatizamos tudo e continuamos na mesma renda per capita.
Você já parou para pensar por que o Brasil tem a mesma renda per capita de 40 anos atrás?
Nos anos 90, venderam para nós um pacote completo: privatize as estatais, abra a economia, deixe o mercado funcionar. A promessa era clara: eficiência geraria crescimento. Fizemos tudo isso. Privatizamos 80 empresas federais e 55 estaduais. Abrimos o mercado. Controlamos a inflação. E o resultado? Estagnação. Renda per capita que evoluiu muito pouco.
Enquanto isso, a China—que ignorou esse manual—multiplicou sua renda per capita por 15 vezes. A Coreia do Sul virou potência tecnológica. Vietnã cresce a taxas chinesas. E nós? Patinamos há décadas.
Então hoje vou te mostrar por que o neoliberalismo foi uma fraude econômica no Brasil—e as 5 razões concretas pelas quais essa agenda nos condenou à mediocridade.
Vamos mergulhar!
A privatização desarticulou o mecanismo mais importante de coordenação estratégica da economia.
A narrativa era: empresas estatais ineficientes seriam substituídas por competição privada que dinamizaria a economia.
A realidade foi brutal. Privatizamos 70 empresas federais por apenas 70 bilhões de dólares. A Vale foi vendida por preço de banana—hoje seu lucro líquido de um ano compraria 10 Vales. O setor produtivo estatal funcionava como provedor de externalidades positivas: investimento público corria à frente da demanda, empresas ofereciam insumos em condições adequadas, centros de P&D começavam a se desenvolver.
Os celebrados efeitos sobre eficiência não se concretizaram. A indexação das tarifas das empresas privatizadas produziu aumento expressivo dos custos. O investimento em infraestrutura passou a correr atrás da demanda, gerando estrangulamentos. As grandes empresas exportaram seus departamentos de P&D. O Centro de Pesquisas da Telebras foi praticamente desativado.
Os resultados das privatizações começaram a aparecer de forma muito negativa principalmente no sistema de telecomunicação e no setor elétrico—o apagão de 2001 foi consequência direta dessa estratégia desastrosa.
A abertura comercial com câmbio valorizado destruiu cadeias produtivas inteiras.
“Abra a economia e a competição forçará a indústria brasileira a ganhar produtividade.”
Esse foi o discurso. A realidade? A indústria brasileira encolheu de quase 25% do PIB nos anos 80 para 10% em 2018. A abertura comercial com câmbio valorizado e juros altos causou o desaparecimento de elos das cadeias produtivas, com perda de valor agregado. A elevação dos coeficientes de importação veio sem ganhos nas exportações.
A China, no mesmo período, fez o oposto. Avançou velozmente nas exportações mundiais: de menos de 2% em 1998 para 10,4% em 2019. Hoje é a primeira no ranking dos grandes exportadores, superando Alemanha, Japão e Estados Unidos. O investimento estrangeiro no Brasil buscou fusões e aquisições no festival de privatizações. Na China, a construção de nova capacidade produtiva na manufatura era favorecida por políticas cambial e monetária que construíram o caminho para rápido crescimento.
Brasil se desindustrializou antes de ficar rico. Países como Coreia do Sul, Japão e Alemanha mantêm 25% de indústria no PIB. Tailândia e China chegam a 30%. Na Índia, Vietnã, Turquia e Leste Europeu, o setor industrial segue conquistando espaço.
O Brasil perdeu o bonde da sofisticação produtiva mundial.
No início dos anos 1980, a produção industrial brasileira era maior do que a chinesa e a coreana somadas.
Exportávamos mais que esses dois países. Sabíamos fazer muitas coisas: cilindros de mergulho, prensas, carros, motos, motores, turbinas, computadores. A Gurgel produzia carros. A Mafersa era a maior fabricante de material ferroviário. A Engesa produzia tanques de guerra e veículos de combate. A Villares desenvolvia motores, elevadores e escadas rolantes.
Os anos 1980 foram o ápice de nosso desenvolvimento tecnológico relativo. Desde então, as indústrias brasileiras perderam espaço no mundo e no mercado interno. Nossa capacidade tecnológica está minguando. A sofisticação produtiva vai pelo ralo e a complexidade do tecido produtivo brasileiro só diminui.
Enquanto isso, a China construiu uma pauta de exportações muito mais sofisticada do que seria normalmente esperado para seu nível de renda per capita. O governo criou zonas econômicas especiais de exportação, atraiu investimento estrangeiro, usou políticas para assegurar transferência de tecnologia e criação de indústria local forte e competitiva.
As reformas dos anos 90 não produziram os resultados esperados.
Depois da bem-sucedida estabilização de 1994, os reformistas liberais apoiaram sua estratégia em cinco pontos prometendo forte ciclo de acumulação.
O crescimento da economia brasileira foi pífio. As reformas iniciadas na década de 1990, com abertura comercial, privatizações e estabilização da inflação, não produziram aumento sustentado de renda per capita nem ganhos de complexidade—ao contrário do que se viu no Sudeste Asiático e no Leste Europeu.
O Brasil ainda tem renda per capita de cerca de $10.000 (em PPP). O mesmo patamar de 1980. Quarenta anos sem progresso. O período de sucesso foi 1950-1980, quando triplicamos a renda per capita com JK, Brasília, Plano de Metas, Milagre Econômico, Itaipu.
A China, que tinha $1.000 per capita em 1980, chegou a $15.000 em 2024. Multiplicou por 15. Já está superando o limiar da renda média e caminhando para $20.000-30.000. Nos anos 80, burocratas chineses ficavam maravilhados com o progresso brasileiro. Hoje, brasileiros visitam a China e ficam maravilhados com o trem Maglev de Shanghai que faz 450 km/h. Enquanto em São Paulo levamos 2 horas para percorrer 30km na Marginal.
A estratégia seguida pelo Brasil foi o contrário do que a Ásia fez.
Países que seguiram o Consenso de Washington nos anos 90 enfrentaram crises: México (1995), Brasil (1999), Argentina (2001), Rússia (1998). A estratégia comum? Privatização, abertura financeira, ajuste fiscal.
Países que não seguiram tiveram sucesso: China, Índia, Vietnã. A ironia dos BRICS? Deveria ser “IC” (Índia-China) ao invés de BRICS. Brasil, Rússia e África do Sul seguiram modelos neoliberais e ficaram para trás. China e Índia seguiram caminhos próprios e prosperaram.
O Brasil ainda possui capacidades: Petrobras, Embraer, setor industrial de saúde, WEG. Mas não existe desenvolvimento econômico sem construção local e nacional de capacidades tecnológicas. É o que europeus, nórdicos, alemães, ingleses, americanos e canadenses fizeram. É o único caminho. Não existe desenvolvimento dependente e associado.
A verdade que ninguém quer admitir é simples: o neoliberalismo não falhou por acidente. Falhou porque foi desenhado para países que já eram desenvolvidos—não para países que precisavam se desenvolver.
A Ásia entendeu isso. Por isso ignorou o manual. Por isso cresceu.
O Brasil não entendeu. Por isso seguiu a cartilha. Por isso estagnou.
Quarenta anos depois, continuamos com a mesma renda per capita. Não porque faltou reforma. Mas porque fizemos as reformas erradas, com a mentalidade errada, no momento errado. Vendemos empresas estratégicas a preço de banana. Abrimos a economia de forma suicida. Abandonamos o planejamento de longo prazo. Destruímos cadeias produtivas. Matamos centros de pesquisa e desenvolvimento.
E até entendermos isso, continuaremos patinando enquanto o mundo nos deixa para trás.
PS: “Preciso saber teoria avançada para entender tudo isso?” Não. Inclusive, muitos estudantes me escrevem dizendo que só conseguiram finalmente “ligar os pontos” depois de estudar complexidade, política industrial e desenvolvimento com uma estrutura clara. A nossa Escola de Complexidade Econômica começa do zero, mas te leva até análises profundas de Brasil, China, Coreia, URSS e América Latina. Se você quer entender por que o Brasil estagnou — e como países realmente se desenvolvem —, este é o caminho. Clique Aqui para saber mais!
Por Paulo Gala / Graduado em Economia pela FEA-USP | Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo | Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY | Autor com +10,000 cópias de livros vendidas | Geriu carteiras de +R$ 3,000,000,000 | Professor na FGV/SP há 20 anos.
FONTE: https://open.substack.com/pub/paulogala/p/o-neoliberalismo-matou-o-brasil?utm_campaign=post-expanded-share&utm_medium=web