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O novo eixo dinâmico da economia mundial

A COP 30 em Belém confirma que o futuro do capitalismo não é apenas verde, mas também oriental e multipolar.

O século XXI testemunha um fenômeno histórico: o deslocamento do centro dinâmico do capitalismo. O que antes gravitava em torno do Atlântico Norte — berço da industrialização, das finanças e da hegemonia política — move-se rapidamente para o arco do Pacífico.

Esse movimento, perceptível nas estatísticas e nos fóruns globais, é também visível nos gestos diplomáticos e nas novas agendas: a COP 30 em Belém confirma que o futuro do capitalismo não é apenas verde, mas também oriental e multipolar.

Belém e o mundo em transição

A COP 30, que está ocorrendo nesse momento em Belém do Pará, simboliza a inflexão histórica do sistema mundial. Sob o tema ambiental, desenha-se algo mais profundo: a mudança do centro dinâmico do capitalismo.

Mesmo sem Donald Trump e Xi Jinping presentes, as delegações da China, Índia, Indonésia e Brasil assumiram o protagonismo nas negociações, enquanto a Europa fala com prudência e os Estados Unidos se dividem entre governadores e empresas privadas.

Belém representa hoje, o deslocamento do poder de decisão global, da velha geografia atlântica para o arco do Pacífico e do Sul Global.

A Amazônia, palco simbólico da conferência, converteu-se em metáfora da nova economia: o capitalismo verde do século XXI nasce sob outras coordenadas, onde as potências emergentes comandam inovação, infraestrutura e energia limpa — e não mais apenas exportam matérias-primas.

O deslocamento do centro dinâmico: o conceito e a história

O conceito de “centro dinâmico do capitalismo”, formulado por Schumpeter, Kalecki e Celso Furtado, designa o núcleo do sistema que concentra tecnologia, investimento e comando financeiro.

Durante o século XX, esse centro se situou no eixo Estados Unidos–Europa Ocidental. Hoje, todos os indicadores apontam para sua migração estrutural para o Oriente, com epicentro em China, Índia e ASEAN.

Segundo o IMF World Economic Outlook (outubro 2025), o PIB dos BRICS+ já equivale a 35 % do produto global em paridade de poder de compra, contra 28 % do G7.

Mais de 60 % do investimento mundial em infraestrutura e energia limpa provém de países do Sul. Em termos históricos, estamos diante da maior redistribuição geoeconômica desde 1945.

De Krugman a Summers: quando o mainstream revisa suas certezas

“The world’s economic geography is changing in disconcerting ways.” — Paul Krugman, Brookings Institution, 2024 (Tradução livre: “A geografia econômica do mundo está mudando de forma inquietante.”)

Paul Krugman, Prêmio Nobel de 2008, tem se distanciado das visões liberais convencionais e adotado uma postura progressista e intervencionista, próxima ao novo keynesianismo verde.

Ele reconhece que o centro de gravidade da produção industrial e tecnológica está se deslocando para o Pacífico Asiático, e que a política industrial e climática deve substituir o velho paradigma da austeridade.

A mesma “nova geografia econômica” que formulou nos anos 1990 para explicar a concentração produtiva do Ocidente agora se aplica ao dinamismo da Ásia — de Shenzhen a Bangalore, de Seul a Jacarta.

“If I had to reduce the current debate about China’s economic rise to one phrase, it would be: technology trumps tariffs.” — Lawrence Summers, 2025 (Tradução livre: “Se eu tivesse de resumir o debate sobre a ascensão da China em uma frase, seria: a tecnologia supera as tarifas.”)

Lawrence Summers, por sua vez, representa a autocrítica do antigo liberalismo. Depois de décadas de defesa da desregulação e do livre-comércio, ele reconhece que a supremacia econômica do século XXI dependerá da capacidade estatal de financiar inovação e ciência. Para ele, a disputa sino-americana mostra que tecnologia e planejamento substituem as tarifas e as narrativas ideológicas.

Essas revisões — vindas tanto de Krugman quanto de Summers — convergem com o diagnóstico de Richard D. Wolff, que há anos alerta para o esgotamento estrutural do capitalismo financeiro atlântico. De diferentes pontos de partida, esses economistas chegam à mesma conclusão: o centro dinâmico do capitalismo desloca-se para o Oriente, onde Estado e mercado convergem em torno da inovação e da soberania produtiva.

O novo motor do capitalismo: tecnologia, energia e integração orientalO Oriente consolida-se como a fábrica e o laboratório do século XXI. A Ásia lidera hoje a produção de semicondutores, baterias, inteligência artificial, biotecnologia e energia renovável:

  • TSMC (Taiwan) fornece 90 % dos chips de alta precisão do mundo;
  • Huawei e Samsung dominam redes 5G e IA quântica;
  • BYD e Tata Motors avançam na mobilidade elétrica;
  • Índia e Indonésia se tornam polos de software e minerais críticos.

O comércio intra-asiático já responde por mais da metade das trocas mundiais. A Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), conectando mais de 150 países, cria um sistema logístico alternativo ao das antigas rotas marítimas ocidentais.

Pepe Escobar chama essa rede de:

“the embryo of a transformation of the international system — a soft reinvention of capitalism.” (Tradução livre: “o embrião de uma transformação do sistema internacional — uma reinvenção suave do capitalismo.”)Para Escobar, a BRI inaugura um capitalismo multipolar de infraestrutura e energia, em que o Estado-planejador substitui o rentismo financeiro. Não se trata de anticapitalismo, mas de re-territorialização produtiva — o capital volta a ter base industrial e estratégica.

Belém e a COP 30: o novo contrato ecológico

A COP 30 revelou a mesma mudança de eixo sob outra lente: a transição climática. Enquanto as potências atlânticas chegaram divididas, Lula (Brasil), Modi (Índia), Joko Widodo (Indonésia) e Abdel Fattah al-Sisi, presidente do Egito propuseram um pacto verde produtivo, unindo Amazônia, Índia e Sudeste Asiático.

O Fundo Florestas Tropicais para Sempre, lançado em Belém pelo presidente Lula, simboliza a nova agenda: desenvolvimento sustentável com soberania sobre recursos naturais e tecnologia limpa compartilhada.

O Oriente e o Sul Global transformam o debate climático em estratégia econômica — a ecologia como eixo de acumulação. A economia verde asiática, apoiada por bancos públicos e fundos soberanos, redefine o conceito de desenvolvimento: crescimento com planejamento e inclusão tecnológica.

Trump e o esvaziamento da liderança norte-americana

A liderança norte-americana, sob Donald Trump, ilustra de forma aguda essa contradição histórica.

Mesmo como a maior potência militar e tecnológica do planeta, os Estados Unidos se veem progressivamente alijados das decisões coletivas — da COP 30 às negociações comerciais e financeiras.

Trump tenta compensar a perda de hegemonia estrutural com poder coercitivo e isolacionismo retórico, mas o resultado é o oposto: Washington aparece cada vez mais como obstáculo à cooperação global, e não como seu motor.

Enquanto o resto do mundo se organiza em redes de interdependência produtiva, os EUA se fecham num negacionismo e protecionismo defensivo — uma muralha tarifária que reflete o medo da obsolescência industrial.

Essa dissonância entre poder e legitimidade é o verdadeiro sinal de decadência imperial.

Conclusão — O século do Pacífico

O deslocamento do centro dinâmico do capitalismo já é fato consumado. A hegemonia atlântica, fundada em dívida, financeirização e retórica liberal, vai cedendo lugar a um capitalismo planejado, tecnológico e verde, ancorado no Pacífico e no Sul.

Como sintetiza o espírito da época, não é mais o Ocidente que dita as regras: é o mundo que redige seu próprio manual. A COP 30 apenas conferiu rosto político a essa transição — o capitalismo global mudou de endereço e de idioma.

A nova multipolaridade desafia as estruturas tradicionais de poder: o G7, o FMI e a OTAN perdem centralidade frente a novos arranjos regionais, como o BRICS+, o AIIB e as redes asiáticas de inovação.

Nesse cenário, o Brasil ocupa uma posição estratégica — elo simbólico entre o Ocidente e o Oriente, entre o Atlântico e o Pacífico.

A liderança de Lula na COP 30 mostrou que o país pode converter sua vocação ambiental e sua diplomacia multilateral em um papel histórico: mediador do novo equilíbrio global.

Referências

  • Krugman, Paul. The World’s Economic Geography Is Changing. Brookings Institution, 2024.
  • Summers, Lawrence H. Technology Trumps Tariffs. larrysummers.com, 2025.
  • Wolff, Richard D. American Empire Is in Decline. Democracy Now!, 3 de abril (2025).
  • Escobar, Pepe. Eurasia, the Hegemon and the Three Sovereigns. Baku Dialogues, 2025.

Foto: Ricardo Stuckert/PR

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/o-novo-eixo-dinamico-da-economia-mundial