Associação Brasileira dos Jornalistas

Seja um associado da ABJ. Há 16 anos lutando pelos jornalistas

O Paradoxo dos minerais críticos no Brasil: 5 Fatos Surpreendentes Sobre a Corrida Global pela Energia Limpa

Carros elétricos, painéis solares e turbinas eólicas se tornaram os grandes símbolos da transição para um futuro mais sustentável. Vemos essas tecnologias se espalharem pelas cidades e campos como a materialização da esperança de um planeta com menos emissões de carbono. Elas representam a face visível de uma revolução silenciosa que promete redefinir a economia e a geopolítica do século XXI.

O que poucos percebem é que, por trás de cada bateria, de cada placa fotovoltaica e de cada gerador eólico, existe uma matéria-prima indispensável e cada vez mais disputada: os minerais críticos. Longe dos holofotes, uma nova corrida global está em curso, não mais pelo petróleo, mas por elementos como lítio, cobalto, grafita e terras raras, os verdadeiros alicerces da economia de baixo carbono.

Nesse novo tabuleiro global, a posição do Brasil é cheia de surpresas e paradoxos. Um estudo aprofundado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com a Agência Nacional de Mineração (ANM) revela um gigante geológico com potencial para ser protagonista, mas que, por décadas, atuou como mero figurante. A seguir, apresentamos 5 revelações impactantes desse estudo que explicam a complexa realidade brasileira na corrida pela energia limpa.

A Transição “Verde” é, na Verdade, uma Transição Mineral

  1. A transição energética é, na verdade, uma transição de materiais

A ideia de trocar combustíveis fósseis por fontes renováveis parece simples, mas esconde uma complexa realidade material. A verdade é que a “descarbonização” da economia global implica uma “remineralização” sem precedentes. Mudar de um sistema intensivo em hidrocarbonetos para um intensivo em tecnologias verdes aumenta drasticamente a demanda por minerais.

Os números são impressionantes e ilustram essa nova realidade. Um carro convencional, com motor a combustão, necessita de menos de 50 kg de minerais, principalmente cobre e manganês, para ser fabricado. Em contrapartida, um carro elétrico a bateria (BEV) demanda mais de 200 kg de uma cesta bem mais diversificada, que inclui cobre, lítio, níquel, manganês, grafita e elementos de terras raras. A mesma lógica se aplica à geração de energia: enquanto uma usina a gás natural exige de 1 a 3 toneladas de minerais por megawatt (MW) instalado, uma usina eólica marítima (offshore) pode precisar de quase 16 toneladas de cobre, níquel, manganês, cromo, molibdênio, zinco e terras raras.

Essa mudança fundamental está redefinindo a economia global, como aponta o estudo do Ipea, citando a Agência Internacional de Energia (IEA):

“A transição energética, portanto, se levada a cabo, promoverá a migração de um sistema econômico intensivo em hidrocarbonetos para outro, intensivo em minerais (IEA, 2021).”

Essa constatação reposiciona a mineração. De uma atividade muitas vezes vista como parte do “velho mundo” industrial, ela se torna uma peça central e estratégica para viabilizar o futuro climático do planeta. É nesse palco de intensidade material que se desenrola o paradoxo do Brasil: vastos recursos, mas uma produção tímida.

A China Construiu um Monopólio Silencioso dos Minerais Críticos

  1. Esqueça a OPEP: a nova geopolítica da energia é dominada pela China

Enquanto a geopolítica do século XX foi marcada pelo controle dos poços de petróleo e pela influência da OPEP, a nova geopolítica da energia é mais sutil e tem um protagonista claro: a China. A estratégia chinesa, no entanto, não se concentrou apenas na extração dos minerais, mas em um elo da cadeia muito mais estratégico e difícil de replicar: o processamento e o refino.

Por décadas, a China executou um plano de longo prazo para dominar o “segundo elo” da cadeia produtiva. Em vez de apenas minerar, o país se especializou em comprar o minério bruto de diversas partes do mundo e transformá-lo nos metais e compostos químicos de alta pureza necessários para a indústria de alta tecnologia. O resultado é um controle quase monopolístico sobre a oferta global de materiais refinados.

Os dados de 2024 mostram a dimensão desse domínio no refino global:

  • Grafita: 95%
  • Terras-raras: 91%
  • Manganês: 91%
  • Cobalto: 78%
  • Lítio: 70%

A hegemonia chinesa, porém, vai além de suas fronteiras. Seu controle se estende globalmente através de investimentos e controle acionário em operações em outros países. No caso do níquel, por exemplo, embora a Indonésia seja a maior refinadora, grande parte de sua capacidade é de controle chinês, fazendo com que 65% da oferta global de níquel refinado esteja, na prática, sob controle de Pequim. A China não apenas domina a extração de certas matérias-primas, mas, crucialmente, controla a tecnologia e a capacidade industrial para transformá-las nos produtos que o mundo precisa para a transição energética. Essa maestria da cadeia de valor é precisamente o que reduz nações ricas em recursos, como o Brasil, a meros fornecedores de minério bruto — um papel que o país nem sequer abraçou plenamente.

O Grande Paradoxo Brasileiro: Um Gigante Geológico que Age como Figurante

  1. O Brasil tem reservas de classe mundial, mas sua produção está na contramão do planeta

Aqui reside o maior paradoxo da posição brasileira. O país é um gigante geológico, detentor de algumas das maiores reservas mundiais de minerais essenciais para a transição energética. No entanto, sua produção tem andado na contramão da história: enquanto a demanda global por esses materiais dispara, a produção brasileira para a maioria deles está estagnada ou em queda.

O Brasil tem se comportado como um “figurante”, assistindo de camarote a uma corrida da qual poderia ser um dos líderes. A tabela abaixo, compilada com dados do estudo do Ipea, expõe essa chocante discrepância entre potencial e realidade.

Posição do Brasil nas Reservas Mundiais Tendência da Produção Mundial (2017-2023)
Grafita 2ª maior reserva Queda de 8,4% ao ano Crescimento de 10,8% ao ano
Terras Raras 3ª maior reserva Queda de 6,4% ao ano Crescimento de 19,4% ao ano
Níquel 3ª maior reserva Crescimento de 0,9% ao ano Crescimento de 9,5% ao ano
Manganês 3ª maior reserva Queda de 7,4% ao ano Crescimento de 1,3% ao ano
Bauxita 4ª maior reserva Queda de 2,8% ao ano Crescimento de 3,8% ao ano

Os dados são inequívocos. Para a grafita e as terras raras, onde o Brasil tem um potencial geológico comparável ao da China, a produção nacional encolheu enquanto o resto do mundo acelerava. A discrepância é gritante quando comparada aos concorrentes. Enquanto a produção de grafita do Brasil despencava, Moçambique e Madagascar, com uma fração das reservas brasileiras, viram sua produção se multiplicar. Da mesma forma, enquanto a produção brasileira de bauxita caía, a da Guiné quase triplicou no mesmo período. Essa performance tímida representa uma oportunidade histórica que o país, até muito recentemente, vinha desperdiçando.

O Verdadeiro Motor da Demanda: O Seu Próximo Carro Elétrico

  1. A febre dos carros elétricos é o principal motor da nova corrida pelos minerais

Se a transição energética é a causa da nova corrida mineral, os veículos elétricos são, de longe, seu principal motor. Entre todas as tecnologias verdes – painéis solares, turbinas eólicas, redes elétricas inteligentes –, nenhuma se compara ao impacto da eletrificação da frota mundial na demanda futura por minerais críticos.

Dentro do setor de energia limpa, a fabricação de carros elétricos será responsável por mais de 80% do crescimento da demanda anual por níquel, manganês, lítio, cobalto e terras raras. Em outras palavras, é a bateria do seu próximo carro que está ditando o ritmo da mineração global.

Para dar uma dimensão da escala desse desafio, as projeções indicam que as vendas anuais de carros eletrificados devem saltar para 40 milhões de unidades até 2030. Isso é mais que o dobro do que foi vendido em 2024. Atender a essa demanda explosiva exigirá uma expansão da mineração em um ritmo e escala jamais vistos na história.

O Gigante Despertando? Investimentos Recentes Sinalizam uma Possível Virada

  1. Sinais de mudança: o Brasil pode estar finalmente se preparando para entrar no jogo

Apesar do cenário histórico de estagnação, dados recentes sugerem que uma virada pode estar a caminho. O estudo do Ipea aponta para um forte e repentino aumento dos investimentos no setor mineral brasileiro a partir de 2020, com um salto particularmente expressivo em 2023, sinalizando que o gigante pode estar despertando.

O destaque fica para a categoria de “outros minerais metálicos não-ferrosos” (que incluem cobre, níquel, zinco, lítio e terras raras). Os investimentos nesse segmento triplicaram em 2023, atingindo mais de R$ 9 bilhões. Esse movimento sugere que o capital está finalmente se movendo para explorar o potencial do Brasil exatamente nos minerais mais cruciais para a transição energética.

Além dos investimentos na produção, a pesquisa mineral – a fase de descoberta de novas jazidas – também foi revitalizada. Em 2023, o lítio se tornou a terceira substância mais pesquisada no país, à frente até mesmo do minério de ferro, que historicamente domina o setor. O interesse por cobre e terras raras também cresceu significativamente. Esses são sinais claros de que o país pode estar se preparando para reverter décadas de baixo desempenho e entrar de vez no jogo global. Se essa tendência se confirmará, no entanto, ainda é algo “a ver”.

Conclusão: Uma Encruzilhada Histórica para o Brasil

O diagnóstico é claro: o Brasil possui um potencial geológico extraordinário para se tornar um ator central na transição energética global. As reservas de grafita, terras raras, níquel e outros minerais críticos colocam o país em uma posição privilegiada para fornecer as matérias-primas que o mundo precisa para construir um futuro de baixo carbono. Contudo, sua performance histórica tem sido decepcionante, marcada por uma produção estagnada que contrasta com a explosão da demanda mundial.

Os recentes investimentos em pesquisa e produção, especialmente em 2023, podem ser o prenúncio de uma nova era. O Brasil se encontra em uma encruzilhada histórica, com a chance de finalmente alinhar seu potencial geológico com uma estratégia econômica e geopolítica assertiva. Com o mundo clamando por minerais para viabilizar um futuro mais limpo, a pergunta que fica é: o Brasil finalmente assumirá seu papel de protagonista ou continuará assistindo à história ser escrita por outros?

FONTE: https://www.paulogala.com.br/o-paradoxo-mineral-dos-minerais-criticos-no-brasil-5-fatos-surpreendentes-sobre-a-corrida-global-pela-energia-limpa/